Opinião

Mediação e conciliação na Justiça do Trabalho durante a pandemia

Autor

  • Fernando Hoffmann

    é juiz federal do Trabalho coordenador da Escola Judicial do TRT do Paraná e mestre em Resolução de Disputas pela Pepperdine University (EUA) e em Direito pela UFPR.

21 de abril de 2020, 6h34

Com base na experiência obtida nos últimos anos na mediação e na conciliação em questões coletivas tanto em fase processual quanto pré-processual, e na decisão pela conveniência e oportunidade de aprofundamento e difusão das boas práticas para conflitos coletivos e individuais, a vice-presidência do TST editou a Recomendação CSJT.GPV Nº 01, de 25 de março de 2020.

Os considerandos da recomendação mencionam o êxito de tais métodos no âmbito coletivo, exemplificando a realização de atividades como a análise de cenários e estratégias de negociação, o fomento de diálogo, a condução de reuniões de trabalho e de negociação unilaterais e bilaterais e a interlocução com áreas institucionais afins, entre outras.

A ideia geral do ato é promover a mediação e a conciliação de conflitos que envolvam a preservação da saúde e da segurança do trabalho em serviços públicos e atividades essenciais definidas no artigo 3º do Decreto n. 10.282/2020, de forma a privilegiar soluções que não venham a inviabilizar a sua continuidade.

Mediação pré-processual, mediação processual e conciliação judicial — conflitos específicos e a inovação em dissídios individuais
A atuação em mediação e conciliação poderá se dar em duas frentes, ou seja, tanto em conflitos individuais quanto em conflitos coletivos no âmbito pré-processual. Tais conflitos devem se relacionar aos interesses decorrentes do exercício de atividades laborativas e do funcionamento das atividades empresariais no contexto da situação extraordinária da pandemia.

A novidade é que a Justiça do Trabalho tradicionalmente vinha atuando apenas na mediação pré-processual de conflitos coletivos. Tanto isso é verdadeiro que da recomendação consta que, também na mediação e na conciliação de dissídios individuais, os coordenadores de NUPEMECs-JT e CEJUSCs-JT poderão recorrer a atos editados pela vice-presidência do TST originariamente idealizados para solucionar conflitos coletivos (Ato 168/TST.GP/2016 e Ato GVP 01/2019).

Em se tratando de dissídios individuais, a Justiça do Trabalho vinha considerando que a mediação pré-processual não se mostrava adequada pelo fato de não existir uma "lide" propriamente dita, ou seja, um conflito de interesses entre empregado e empregador. Em razão da convergência de interesses, não seria dado aos juízes do Trabalho mediar um processo que não aborda um conflito propriamente dito.

A adequada e oportuna recomendação inova a sistemática para contemplar dissídios individuais específicos e recorrentes na atualidade, quais sejam, aqueles decorrentes de conflitos entre empregado e empregador que envolvam a preservação da saúde e da segurança do trabalho em serviços públicos e a continuidade de atividades essenciais.

Conjunto de recomendações
De acordo com a recomendação, as diretrizes ali descritas são excepcionais e voltam-se à mediação e à conciliação, por meios eletrônicos e videoconferência, de conflitos individuais e coletivos, tanto na fase pré-processual quanto na processual, durante o período em que durar a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

O ato também prevê a observância dos termos da Resolução CSJT n. 174/2016, norma que regulamenta a política judiciária nacional de tratamento adequado das disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista.

Recomendações aos juízes do Trabalho em geral
A primeira recomendação geral destina-se a todos os magistrados do trabalho, plantonistas ou não, e especialmente aos integrantes dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (NUPEMECs-JT) e dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSCs-JT) de 1º e de 2º graus.

Respeitado o livre convencimento e a independência funcional dos magistrados, o ato lhes recomenda a realização de esforços para promover a mediação e a conciliação de conflitos que envolvam a preservação da saúde e da segurança do trabalho em serviços públicos e atividades essenciais. O norte, segundo a recomendação, deve ser a busca de soluções que não venham a inviabilizar a continuidade da prestação de tais serviços e atividades, daí porque o ato destaca a necessidade da participação dos interessados no processo.

Os juízes do Trabalho podem se valer da estrutura e do pessoal lotado nos NUPEMECs-JT e nos CEJUSCs-JT de 1º e de 2º. Além disso, os magistrados deverão atuar, sempre que possível, com o apoio direto das entidades sindicais, dos advogados e dos membros do Ministério Público do Trabalho.

A segunda recomendação geral é a de que, até a efetiva implementação de ferramenta nacional unificada e dotada de funcionalidades adequadas à mediação e à conciliação, os juízes do Trabalho devem dar preferência à "utilização de aplicativos e/ou programas de mensagens e videoconferência de acesso público e gratuito, dotados de funcionalidades de gravação de áudio e vídeo, para a preservação da memória das tratativas e da documentação da homologação dos acordos, quando impossível ou inconveniente a documentação presencial ou via PJe-JT".

Evidentemente, as restrições impostas pelo combate à pandemia e os desdobramentos do isolamento social (como o trabalho à distância, a inadequação de instrumentos de trabalho e problemas com a banda de internet) levarão muitos juízes a documentar apenas o resultado dos processos de mediação e conciliação.

Recomendações aos coordenadores dos NUPEMECs-JT e dos CEJUSCs-JT de 1º e 2º graus 
Além de recomendações feitas à generalidade dos juízes do Trabalho, o ato dirige-se também à coordenação de órgãos responsáveis pela estratégia e aplicação da política judiciária de resolução adequada de conflitos trabalhistas.

Também respeitados o livre convencimento e a independência funcional, os coordenadores dos NUPEMECs-JT e dos CEJUSCs-JT de 1º e de 2º graus deverão avaliar a conveniência e a oportunidade de se disponibilizarem como mediadores e conciliadores.

Outra recomendação voltada aos coordenadores dos NUPEMECs-JT e dos CEJUSCs-JT de 1º e de 2º graus é a de que, em conjunto com as presidências dos TRTs, adaptem a estrutura, os procedimentos e os canais de acesso, de forma a viabilizar a prática da mediação e da conciliação por meios eletrônicos e videoconferência.

O potencial da mediação e da conciliação durante e pós-pandemia
Diante de tantas incertezas, parece ser consenso geral que o mundo não será o mesmo após superada a fase principal de combate à pandemia do coronavírus. Se houver esforço para transformar a pandemia em oportunidade, o Poder Judiciário e a Justiça do Trabalho poderão sair melhores do que entraram na crise.

Há conflitos trabalhistas que são "negociáveis" e "mediáveis" (para não se falar dos "arbitráveis"), os quais podem e devem ser solucionados no âmbito privado, garantidas as condições de equilíbrio de poder entre empregado e empregador, como ocorre, por exemplo, quando o trabalhador se encontra assistido por advogado. Essa concepção vai ao encontro da cultura da paz, empodera as partes e desenvolve a sociedade como um todo, reservando à Justiça do Trabalho tempo e energia para se dedicar aos casos que somente podem e devem ser resolvidos pelo Poder Judiciário.

Existem também aqueles conflitos de trabalho que são "mediáveis pré-processualmente", "mediáveis judicialmente" e "conciliáveis", entendendo-se como tais os que necessitam da assistência de um terceiro neutro e que o mediador seja um magistrado. A conciliação judicial é uma espécie de mediação a ser conduzida pelos magistrados do Trabalho no curso do processo judicial trabalhista. Embora as técnicas de conciliação sejam mais limitadas do que as da mediação genericamente considerada, por vezes uma solução negociada somente será atingida após a judicialização, dada a preponderância da cultura do litígio em nosso país.

Por fim, há os casos que não são negociáveis em função do relacionamento entre os sujeitos das relações de trabalho, das condições socioeconômicas de um dos lados e da natureza do interesse a ser tutelado, (pré-)mediáveis ou conciliáveis. Em casos tais, a Justiça do Trabalho deverá centrar esforços para a resolução por meio de decisão vinculante.

A Recomendação CSJT.GVP N° 01, de 25 de março de 2020, evidencia o fortalecimento de uma tendência de o Poder Judiciário reconhecer métodos alternativos/adequados como instrumentos de acesso amplo e efetivo à Justiça. É certo que o ato refere-se a momento transitório e de crise, mas não menos verdadeiro é que ele também inova ao permitir a mediação pré-processual de conflitos específicos do trabalho. Se antes a mediação pré-processual já vinha sendo utilizada pela Justiça do Trabalho para compor conflitos coletivos, agora a mediação prévia ao ajuizamento da reclamatória trabalhista passa a ser admitida no período de combate da pandemia.

Tanto melhor será para a sociedade e para a Justiça do Trabalho que, em tempos normais, o caminho para a resolução de conflitos individuais ou coletivos do trabalho seja este: negociação, mediação extrajudicial, mediação judicial/conciliação e judicialização. Não porque a Justiça Trabalhista terá menos processos para julgar, mas porque poderá julgar melhor e mais rapidamente casos mais sensíveis à sociedade em geral.

Em tempos de crise pandêmica, a diretriz da Recomendação CSJT.GVP N° 01, de 25 de março de 2020, busca soluções criativas e evidencia os altos potenciais de adequação e adaptação dos métodos adequados de resolução de conflitos.

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    é juiz federal do Trabalho, coordenador da Escola Judicial do TRT do Paraná e mestre em Resolução de Disputas pela Pepperdine University (EUA) e em Direito pela UFPR.

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