Opinião

Direito Penal de efeitos simbólicos

Autores

21 de abril de 2020, 16h59

Spacca
De há muito Silva Sánchez1 alerta sobre o fenômeno da expansão do Direito Penal e seus efeitos globais sobre as legislações penais. Em sua concepção, a expansão pode ser caracterizada, especialmente, pela (i) criminalização de novos bens jurídicos e incremento da pena dos já existentes, (ii) aumento de tipos de perigo abstrato e normas penais em branco, e (iii) flexibilização das regras de imputação e relativização das garantias processuais.

As principais causas são o aparecimento de novos bens jurídicos penalmente relevantes, o efetivo surgimento de novos riscos trazidos pela sociedade pós-industrial, e o sentimento geral de insegurança social – dentro do conceito de sociedade de risco, introduzido por Beck2.

Neste último ponto, o papel exercido pela mídia de massas é crucial, pois por meio de suas opiniões leigas e desprovidas de fundamento jurídico, infla o discurso da impunidade e gera uma sensação de insegurança com a exploração sensacionalista de notícias envolvendo criminalidade. A consequência é o clamor social por medidas político-criminais mais severas e rápidas.

O fenômeno da expansão do Direito Penal também se deve a busca incessante de resolução dos conflitos sociais através de políticas populistas, isto é, que servem para aplacar o clamor social, mas que não apresentam qualquer resolução para o problema.

Os legisladores de plantão estão sempre prontos com os seus pacotes de medidas de resolução da criminalidade que se traduzem, normalmente, em aumento de penas e restrições de garantias. A verdade é que o ganho político destas medidas é incomensurável, pois estamos diante de um tema que atinge a todos e qualquer proposta de uma possível solução sempre é atraente, ainda que nela venha dissimulada toda uma legislação de exceção.

Esse fenômeno também é conhecido como populismo punitivo e as suas características são guiadas por três assunções: que as penas mais altas podem reduzir o delito; que as penas ajudam a reforçar o consenso moral existente na sociedade; e que há ganhos eleitorais que são produto deste uso3. Também pode ser definido como aquela situação em que as considerações eleitorais primam sobre as considerações de efetividade. Acrescentando-se como marco deste populismo que as decisões de política criminal se adotam com desconhecimento da evidência e baseiam-se em assunções simplistas de uma opinião pública não informada4.

E, assim, abre-se espaço para oportunismos políticos e legislativos, que, em detrimento de uma política criminal séria, fornecem respostas céleres, porém desprovidas da necessária profundidade técnica e, muitas vezes, da desejada efetividade, produzindo apenas efeitos simbólicos, mas cumprindo com a função de demonstrar um legislador atento aos anseios populares, sob a quimera de que isso represente mais segurança.

Nesse sentido, Díez-Ripollés aponta que o Direito Penal se converteu em um instrumento na busca por objetivos políticos que pouco tem a ver com a prevenção da criminalidade. Uso este, que o autor considera abusivo e que impacta fortemente na qualidade das decisões legislativas, cujo objetivo é nada mais do que produzir determinados efeitos simbólicos e tranquilizadores sobre a população5.

Assim, a criminalidade se torna uma aliada aos interesses eleitorais de curto prazo, pois adquire valor político diante da população, que almeja respostas normativas. Isso gera um efeito em cadeia entre a expansão do Direito Penal e as legislações de efeitos simbólicos; cada vez mais anseio por legislações que, desprovidas de efetividade geram mais sensação de impunidade e injustiça, aumentando o clamor por mais Direito Penal. E o ciclo se repete.

Mas o que é, então, o Direito Penal de efeitos simbólicos? Não há um consenso na doutrina que aponte para um único e definitivo conceito, no entanto, podemos entender como simbólicas aquelas legislações que postulam uma pretensão de regramento de uma situação, sem apresentar as condições necessárias.

Ou seja, quando for possível fazer um contraponto entre real x aparente; manifesto x latente; realmente pretendido x realmente realizado; intenção do legislador x efeitos práticos; prestígio x efetividade de determinada legislação, teremos efeitos simbólicos.

Cancio Meliá observa o ressurgimento de um Direito Penal com “efeitos meramente simbólicos”, que, utilizado em um sentido crítico, faz referência justamente ao papel de determinados agentes políticos que somente buscam o objetivo punitivista visando dar a “impressão tranquilizadora de um legislador atento e decidido”,6 em uma evidente atitude populista. Assim, o que Cancio Meliá7 define como Direito Penal simbólico, em sua visão, mantém relação fraternal com o punitivismo.

Ao tratar do tema, Silva Sánchez refere que frequentemente a expansão do Direito Penal se apresenta como produto de uma espécie de perversidade do aparato estatal, que buscaria no permanente recurso à legislação penal uma (aparente) solução fácil aos problemas sociais, deslocando ao plano simbólico (isto é, ao da declaração de princípios, que tranquiliza a opinião pública) o que deveria resolver-se no nível instrumental (da proteção efetiva).8

Portanto, diante da transformação e do avanço tecnológico surgem novos bens jurídicos e a tentativa cada vez mais veloz de se tentar conter a criminalidade através da incriminação de condutas. Ocorre que nessa pressa olvidam-se os princípios da legalidade e taxatividade9, criando-se tipos penais abertos e de difícil compreensão.

Esse movimento fica demonstrado através do aumento de projetos apresentados em matéria de leis penais e processuais penais, cujo discurso é sempre o de melhorar o sistema já existente. Assim, estaria justificado o uso político do Direito Penal, porque há vários parlamentares trabalhando para uma suposta melhoria na segurança pública e na proteção de bens jurídicos, ainda que isto não seja verificado na prática.

O discurso político quase nunca reflete as medidas necessárias10, embora aparentemente demonstre aos cidadãos certa tranquilidade que poderá advir das aprovações das medidas propostas. Esse discurso de cunho populista tem um efeito mágico sobre a população que pugna por medidas mais duras, olvidando-se que, no futuro próximo, será a destinatária das mesmas.


1 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal em las sociedades post industriales. Madrid: Civitas, 1999.

2 Para mais sobre o assunto, ver: BECK, Ulrich. Sociedade de risco: ruma a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010.

3 LARRAURI PIJOAN, Elena. Populismo punitivo y penas alternativas a la prisión, em Derecho penal y la política transnacional. Barcelona: 2005, p. 284.

4 LARRAURI PIJOAN, Elena, ob. cit, p. 285.

5 DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. El abuso del sistema penal. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología (en línea). 2017, núm. 19-01, pp. 1-24. Disponible en internet: http://criminet.ugr.es/recpc/19/recpc19-01.pdf SSN 1695-0194 [RECPC 19-01 (2017), 3 ene].

6 JAKOBS, Günter; MELIÁ, Manuel Cancio, Direito penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57-9.

7 JAKOBS, Günter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

8 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal em las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999, p. 19.

9 FERRERES COMELLA, Victor. El principio de taxatividad em matéria penal y el valor normativo de la jurisprudencia. Madrid: Civitas, 2002, p. 21, assinala que o princípio da taxatividade não é outra coisa senão a exigência de que os textos em que se preveem as normas sancionadoras descrevam com suficiente precisão as condutas que estão proibidas e quais as sanções que serão impostas às pessoas que nela incorrerem.

10 HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Valencia: Tirant lo blanch alternativa, 1999, p. 90, assevera que quando os efeitos reais e afirmados não são os esperados, o legislador obtém, pelo menos, o ganho político de haver respondido aos meios sociais e às grandes catástrofes com prontidão e com meios radicais que são os jurídico-penais.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!