Opinião

Adesão à plataforma Consumidor.gov na pandemia e no futuro

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  • Maria Carolina Brunharotto Garcia

    é sócia do escritório Abdalla e Landulfo Advogados pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC-SP MBA pela FGV-SP; membro do International Association of Privacy Professionals (IAPP) e ouvidora certificada pela ABO.

21 de abril de 2020, 15h30

No momento de pandemia causado pelo coronavírus, a sociedade vem se adaptando para que as atividades e serviços essenciais não deixem de ser prestados, sendo obrigação do fornecedor buscar soluções para continuar a prestar o serviço, bem como atender às reclamações do consumidor, mesmo que de forma diversa ao praticado anteriormente.

Nessa linha, sem deixar de lado sua importância para a sociedade, o serviço realizado pelos Procons, que já vinha se modernizando e apresentando outras ferramentas de atendimento das demandas, como o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), adaptou-se e teve uma aceleração da migração para o meio digital.

Na esteira da lei [1] que prevê medidas para o atual estado de emergência em razão da pandemia, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), por meio da Portaria nº15/2020, estabeleceu a obrigação de determinadas empresas se cadastrarem na plataforma Consumidor.gov [2] no prazo de 30 dias a contar da publicação, que ocorreu em 1º/4/2020, a fim de viabilizar a solução via internet dos conflitos relacionados a consumo notificados eletronicamente.

Para contextualizar, esclarece-se que a referida plataforma foi institucionalizada pelo Decreto nº 8.573/2015, e foi desenvolvida pela Senacon-Ministério da Justiça, sendo monitorada em conjunto com os Procons, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos e agências reguladoras, entre outros órgãos públicos, pois o foco desse monitoramento é aprimorar as políticas de defesa dos consumidores que possam beneficiar toda a sociedade.

Sem adentrar ao mérito se uma portaria pode obrigar uma empresa a aderir à plataforma, é importante esclarecer que, conforme consta no site da Senacon, "a iniciativa foi motivada pelo aumento de demandas consumeristas e necessidade de isolamento social impostos pelas autoridades federais, estaduais, municipais e distrital em razão da propagação da Covid-19 (coronavírus)".

Devem cumprir a portaria e se cadastrar na plataforma empresas com atuação nacional ou regional em setores que envolvam serviços públicos e atividades essenciais [3], plataformas digitais de atendimento pela internet dedicadas ao transporte individual ou coletivo de passageiros ou à entrega de alimentos, à promoção, oferta ou venda de produtos próprios ou de terceiros ao consumidor final e agentes econômicos listados entre as 200 empresas mais reclamadas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) da Senacon no ano de 2019.

Vale esclarecer ainda que a portaria aplica-se somente às empresas ou seus respectivos grupos econômicos que tiveram faturamento bruto de no mínimo R$ 100 milhões em 2019, e que tenham alcançado uma média mensal igual ou superior a mil reclamações em seus canais de atendimento ao consumidor no último ano fiscal (SAC, ouvidoria, etc.), ou sejam reclamados em mais de 500 processos judiciais que discutam relações de consumo.

Importante destacar que a portaria trouxe previsão para impugnação da adesão pela empresa, com fundamento limitado ao baixo volume de demandas contra a referida empresa/grupo, ou que a adesão não facilitará a resolução dos conflitos. O pedido de não credenciamento deve ser feito no prazo de 30 dias e será analisado pela Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (CGSINDEC), que poderá dispensar o cadastramento.

No atual momento, vale ressaltar que a aceleração da adesão à plataforma Consumidor.gov é muito importante como alternativa para não deixar o consumidor desamparado, considerando que a maioria dos Procons fechou as portas para atendimento ao público para preservar a saúde e o bem-estar de seus colaboradores, inclusive cancelando audiências que haviam sido designadas.

Por outro lado, a adesão à plataforma também traz benefícios às empresas, desde que haja real interesse na solução das reclamações. O tratamento dos conflitos tem como resultado a diminuição da judicialização no futuro próximo dos conflitos agora surgidos, estreitamento da relação com o consumidor e possível fidelização, bem como possibilita a rápida identificação de eventual gap.

Vale ressaltar que a adesão é obrigatória para algumas empresas e alguns grupos econômicos nos termos da portaria e voluntária para as demais empresas que tenham interesse em se cadastrar.

Para a pós-pandemia, ainda não é possível precisar se todas as medidas e soluções adotadas serão continuadas, se as empresas deverão se manter cadastradas à plataforma, bem como se os meios digitais serão exclusivos para atendimento de reclamações pautadas nas relações de consumo, considerando a extensão territorial e diferenças socioeconômicas encontradas no Brasil, que impedem que todos tenham acesso ao meio de solução de conflito digital.

Caso a obrigação de cadastramento seja mantida, por óbvio, no médio prazo, trará uma redução das demandas tratadas diretamente pelos Procons e possibilitará que a instituição atue de forma coletiva, zelando para que as relações de consumo continuem a ser pautadas na boa-fé.

Vale a pena devanear que a plataforma Consumidor.gov, gerada no âmbito do Ministério da Justiça, possa ser no futuro um meio pré-processual de solução de conflito compulsório para a propositura de ações fundamentadas na relação consumerista.

 


[1] Lei nº13.979/2020 , acessada em 13.04.2020 < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm>

[2] Plataforma Consumidor.gov, acessada em 13/04/2020 <https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1586788078186>

[3] Decreto nº 10.282/2020, acessado em 13/04/2020 < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm>

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