Opinião

Fechamento de divisas de municípios e ilegalidade

Autor

17 de abril de 2020, 17h16

A imprensa noticia que alguns municípios estão utilizando barreiras para impedir a entrada de não residentes em seus territórios e conter os efeitos da pandemia causada pelo coronavírus [1]. Cabe analisar a validade desses atos e os limites de atuação do Poder Judiciário.

Prefeitos e governadores são os responsáveis locais por organizar e cumprir políticas públicas de saúde. O limite das ações é estabelecido na Constituição e nas leis, elaboradas pelos representantes do povo.  Juízes e tribunais podem impedir a atuação daquelas autoridades caso extrapolem os contornos estabelecidos na legislação.

De forma resumida, assim opera o princípio da separação de poderes.

Em um momento de crise, provocada por doença nova, ainda sem protocolo clínico uniforme para tratamento, é natural que o poder público inove e lance mão de medidas inéditas, cujo objetivo é o de preservar a vida e a saúde das pessoas. Isso, todavia, não autoriza que o Executivo atue de forma arbitrária, sem amparo na lei, ou que o Poder Judiciário passe a gerir as políticas públicas de saúde e de vigilância epidemiológica, substituindo quem possui mandato popular.

Para sistematizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, foi editada a lei n. 13.979/20. Essa norma autoriza os gestores públicos a adotarem, entre outras, medidas de isolamento e quarentena.

Outra medida autorizada pela lei é a restrição de locomoção interestadual e intermunicipal. Tal medida, todavia, é excepcional e temporária e depende de recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Mesmo assim, a lei não admite a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais. Também não permite a restrição de cargas de qualquer espécie que possa acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população.

Saindo do Direito em tese para o âmbito das controvérsias reais, na última semana o Supremo Tribunal Federal foi chamado a decidir sobre atos de governos locais.

Na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 672 [2], o ministro Alexandre de Moraes analisou questões relacionadas à separação de poderes e à autonomia das entidades federativas em matéria de proteção e defesa da saúde.

O ministro decidiu que o Poder Executivo Federal não pode afastar medidas restritivas adotadas por estados, Distrito Federal e municípios, notadamente imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, empresariais, culturais e de circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Destacou, por fim, que a validade formal e material de cada ato normativo específico poderá ser analisada individualmente.

Já o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, decidiu que não existe amparo jurídico para o município de Teresina impor restrições ao direito de ir e vir dos cidadãos, impedindo o funcionamento de indústria, e negou seguimento à suspensão de segurança n. 5362 [3].

O presidente destacou que a Lei n. 13.979/20 possibilita restrição à locomoção interestadual e intermunicipal apenas a partir de recomendação técnica da Anvisa e com caráter excepcional e temporário.

A interpretação das decisões, em conjunto com a legislação, leva à conclusão de que são completamente indevidos os atos de prefeitos que determinam o fechamento das entradas dos municípios, vedando a entrada ou passagem de não residentes.

Segundo a Lei n. 13.979/20, mesmo o isolamento e a quarentena só se operam em relação a casos suspeitos ou diagnosticados da doença Covid-19 [4]. Além disso, não há qualquer recomendação técnica da Anvisa apontando o fechamento das fronteiras dos municípios como medida eficiente e necessária para o controle da doença.

Ao desrespeitarem a lei federal, fechando as entradas dos municípios, os prefeitos cometem crime de responsabilidade previsto no Decreto-Lei 201/67 [5] e podem ser punidos com a perda de cargo, a inabilitação para o exercício de cargo ou função pública e pagamento de reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular, além de pena privativa de liberdade (detenção de três meses a três anos).

Soluções individuais para esses casos não são eficientes, motivo pelo qual se deve comunicar ao Ministério Público Federal, para que busque junto à Justiça Federal a anulação dos atos que determinam a instalação de barreiras que impeçam o ingresso indiscriminado de pessoas não residentes por manifesta contrariedade à lei federal e às orientações da Anvisa.

 


[4] Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

[5] Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…)

XIV – Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!