Opinião

O colapso do sistema do INSS: a pandemia da 'CeAB-19'

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17 de abril de 2020, 16h38

Não é novidade que o INSS não cumpre as decisões judiciais no prazo. O problema era, no entanto, geograficamente localizado. No Rio Grande do Sul, por exemplo, enquanto as Unidades Judiciárias vinculadas à APS de Canoas enfrentavam dificuldades, as vinculadas à de Caxias do Sul funcionavam bem.

Após diversas tratativas institucionais e tentativas mal-sucedidas de solução, como cartada mais ousada foi criada a Central de Análise de Benefício (CeAB), em 2019, com o escopo de "desterritorializar" a distribuição de trabalho no Sul do país, ou seja, desvincular os cumprimentos das unidades administrativas locais para criar um grande "tanque único" de onde todos os servidores da autarquia retirariam suas tarefas para cumprimento. Contudo, ao invés de diminuírem, os descumprimentos alastraram-se, pouco a pouco, para todas as cidades tal qual uma pandemia em estado de transmissão comunitária.

Em março, com a necessidade de distanciamento social e de teletrabalho compulsório em decorrência da deflagração da pandemia da Covid-19, o colapso do sistema se revelou. Entre as principais causas: decréscimo no quadro de pessoal; dificuldade de acesso aos sistemas remotamente; impossibilidade de filtrar prioridades; multiplicação artificial de tarefas decorrente da reiteração de intimações; e tempo despendido na interpretação de decisões judiciais pelos servidores do INSS.

Ironicamente, no dia 1º de abril, como um blecaute programado, a CeAB reiniciou seu sistema, zerou suas pendências e devolveu todos os processos sem cumprimento. Em tese, até 128 mil segurados podem ter sido "contagiados" pela "CeAB-19". Com efeito, esse era o número aproximado de tarefas pendentes no sistema do INSS quando ele — repita-se, de forma programada — colapsou.

Em reunião com a Justiça Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública da União (DPU), a Procuradoria Federal — cuja atribuição precípua é a representação do INSS em juízo — traçou um plano emergencial: restringiu-se, por ora, os cumprimentos aos casos de implantação e restabelecimento de benefícios, acertando-se um prazo de 25 dias. Ademais, só os pedidos de benefício por incapacidade serão instruídos.

Ao advogado e ao seu cliente, mais uma vez, indeterminadamente, é momento de esperar e, agora — se acolhidas as orientações do grupo que participou do grande acordo —, sem a possibilidade de se valer de meios coercitivos como a multa.

Já à Justiça Federal, além de manter inúmeros processos parados por não estarem nas hipóteses mencionadas, coube filtrar prioridades, numa escala infinita de retrabalho: evitar a reiteração da intimação para a CeAB; suspender as multas pelo adiamento indefinido do cumprimento de suas decisões; e interpretar suas decisões — "desenhando-as" em atos ditos "amigáveis" — para indicar, apartadamente, os elementos necessários à implantação de benefícios.

Por fim, à Procuradoria Federal coube orientar acerca do relacionamento processual eletrônico direto entre CeAB e Justiça Federal. Isso porque, estranhamente, não participa dessa etapa do processo eletrônico, na qual a interpretação da decisão judicial envolvendo o INSS é essencial ao seu adequado cumprimento. É como o médico que, mesmo com o colapso do sistema de saúde, mantém a delegação de parte de suas atividades de caráter exclusivo ao enfermeiro.

As epidemias deflagradas — a da Covid-19 e a da "CeAB-19" – são excelentes oportunidades para que reste claro que a solução evidente para os problemas crônicos seja a reassunção, por cada instituição envolvida, de seu papel. Afinal, o médico não pode ficar alheio aos acontecimentos quando a sociedade mais precisa.

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