Opinião

O compliance como transformação e a antifragilidade pós-Covid-19

Autor

  • Rodrigo Pironti

    é pós-doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid doutor e mestre em Direito Econômico pela PUC-PR e sócio do escritório Pironti Advogados.

16 de abril de 2020, 15h43

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto do coronavírus (2019-nCov) constituía Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) [1]. Na sequência, em 11 de março, a OMS elevou o estado de contaminação pelo novo coronavírus a pandemia, após a identificação de mais de 115 países com casos declarados de infeção. O motivo da classificação de pandemia retratou não apenas a gravidade da doença para o denominado "grupo de risco", mas principalmente a rápida disseminação geográfica do vírus [2].

O mesmo motivo que elevou o estado de contaminação do vírus trouxe, além de impactos imediatos e concretos na economia e nas relações sociais, inúmeras incertezas e implicações em vários setores, entre eles no âmbito dos Programas de Integridade.

Diante disso, como equalizar esse cenário de incertezas entre o agir ético e as necessidades emergenciais, privilegiando demandas coletivas em detrimento de individuais, ampliando a interpretação das normas diante de verdadeiros dilemas éticos? Em razão dessa e de tantas outras questões, resolvi escrever este texto, que, longe de ter interesse em ser exaustivo e definir um posicionamento sobre a matéria, busca contribuir para a discussão e definição do tema, com o propósito de colocar o compliance em sua real expressão, de busca pelo consenso e das boas práticas nas relações humanas e empresariais.

Há tempos venho imaginando um desenvolvimento social e empresarial compatível com as urgentes necessidades econômicas e imediatas inovações tecnológicas do nosso século, ou seja, venho pensando em como se ter verdadeiramente o que todos proclamam como desenvolvimento sustentável. Contudo, em alguma medida, sempre me frustrava com as reiteradas notícias de uma sociedade que caminhava ao aprofundamento das relações humanas egoísticas, centradas no indivíduo e na "mais valia", e em relações público-privadas vinculadas a condutas fraudulentas e de estagnação da modernização da máquina desenvolvimentista do Estado pela corrupção.

Agregava às minhas percepções sempre um questionamento: será possível que as graves crises de credibilidade dos governos, com o aprofundamento de investigações que desvendam uma face obscura e cruel do exercício do poder por parte de alguns gestores públicos e empresários, capazes de prejudicar materialmente direitos e vidas com ações que retiram dos cofres públicos bilhões de reais destinados à mordomia e ao desfrute de poucos, produzam o cenário inverso, de valorização da sociedade e do ser humano? É dizer, será possível sair dessas crises mais fortes e com maiores perspectivas? E nisso, uma pandemia nos acomete, e o cenário por mim há muito questionado passa a ganhar contornos reais. Explico.

Ao ler o livro "Antifrágil", de Nassim Nicholas Taleb, dei-me conta de que é diante de um cenário como este que os seres humanos são capazes de produzir uma revolução positiva e que altere o "jeitinho brasileiro", que deixe de ser egoística e passe a refletir uma nova cultura, de valorização da integridade e das relações humanas. Menos "contrato" e mais relacionamento.

O autor da obra "Antifrágil" propõe que tentemos imaginar o antônimo de frágil, que, para ele, longe de ser traduzido por uma noção de resistência, durabilidade ou resiliência, induz à noção de um novo conceito, fundado em um novo substantivo, o antifrágil. Explico.

Em um primeiro momento, propõe o autor que pensemos em um objeto qualquer. Esse objeto, para ter a característica de frágil, teria de ser manipulado de forma muito cuidadosa, sob pena de romper-se à menor pressão ou descuido, por exemplo, uma taça de cristal enviada a um colega distante por "malote" aéreo.

Porém, evoluindo na análise, propõe o autor pensar que se esse objeto, ao ser manipulado, permanecesse com as mesmas características que aquelas inicialmente verificadas, ou seja, sem qualquer alteração em sua forma ou qualidade, haveria a configuração de uma condição de resistência do objeto (ou seja, seria esse objeto considerado forte, resiliente às influências externas produzidas sobre ele).

Mas essa, para ele, ainda não seria a antítese de frágil, por um simples motivo: da mesma forma que a antítese de positivo não é o neutro, mas, sim, o negativo, o contrário de frágil nunca poderia ser o resiliente, pois essa condição simplesmente manteria o objeto sem alterações em sua característica.

É nesse contexto que, ao revés, o antifrágil induz à concepção de um objeto que, após manipulado de forma livre, despreocupada, sob qualquer pressão ou influência negativa externa, mesmo que de maneira equivocada ou não recomendável, ao invés de continuar com as mesmas características melhora com a adversidade, com o caos, e, em uma analogia possível, com a crise que estamos vivenciando. Nesse caso, alerta o autor citado, estaríamos diante de algo antifrágil.

Mas o que motiva uma aproximação do tema da antifragilidade com o compliance não é apenas o exemplo hipotético trazido pelo autor, mas uma outra análise por ele realizada, desta vez ancorada na mitologia comparativa entre as figuras de Dâmocles, da Fênix e da Hidra.

Para ele, a figura mitológica de Dâmocles cortesão romano que desfruta de um belo banquete tendo sobre sua cabeça uma espada amarrada ao teto por um único fio de cabelo de cavalo representa o frágil.  A Fenix pássaro com cores esplêndidas que sempre que atacado renasce das próprias cinzas, exatamente como era quando atingido representa o resistente, ou seja, o neutro. E a Hidra criatura que se parece com uma serpente com várias cabeças, habita o lago de Lerna e, quando lhe cortam uma cabeça, nascem duas no lugar daquela atingida representa o antifrágil.

Não podemos deixar de considerar que os conceitos trazidos pelo autor são fundamentais em face da grave crise instalada no país e no mundo porque, mais do que nunca, precisamos crescer diante de todas as adversidades, agir de forma não apenas a ultrapassar essas crises, mas, para além disso, buscar na gênese dessas situações complexas e prejudiciais a consolidação de uma sociedade (pessoas, empresas e Administração Pública) ainda mais robusta, que evolua estrutural e culturalmente no sentido de estar infensa ou bastante mais preparada para outras crises.

Será isso possível? Como produzirmos uma sociedade antifrágil, capaz de conduzir a uma revolução consistente e permanente em busca do bem comum? Em meu sentir, a solução não é tão complexa e independe de grandes reformas, deve apenas se pautar em uma agenda simples, qual seja, a de gestão das incertezas (risco) e de relações sociais e empresariais que inibam condutas egoísticas e, antes de tudo, valorizem o relacionamento e os procedimentos éticos de efetivação de justiça social para um sustentável desenvolvimento do Estado.

REFERÊNCIAS

[1] Publicado em 04/02/2020 – Por Nações Unidas – https://nacoesunidas.org/tire-suas-duvidas-sobre-o-novo-coronavirus

[2] Publicado em 11/03/2020 – Por Agência Brasil – Brasília – https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-03/organizacao-mundial-da-saude-declara-pandemia-de-coronavirus

Autores

  • Brave

    é sócio do Pironti Advogados, pós-doutor em Direito Público pela Universidad Complutense de Madrid e doutor e mestre em Direito Econômico pela PUCPR.

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