Opinião

A evolução dos direitos das mulheres e a legislação previdenciária

Autores

  • Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior

    é advogado sócio fundador do escritório SME Advocacia conselheiro da OAB-GO membro consultor da Comissão de Estudos de Direito Constitucional da OAB Nacional e professor universitário.

  • Letícia Marina da S. Moura

    é assessora do núcleo de Direito Empresarial Falimentar e Recuperacional do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD) graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás (Uni-ANHANGUERA) e graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

16 de abril de 2020, 17h55

O Direito e a sociedade mantiveram-se interligados durante a evolução histórica, possibilitando, mediante a leitura atenta, conhecer anseios, costumes, economia, cultura e crenças de uma população. A lei é um reflexo nítido daquilo que a sociedade almeja, os pontos que merecem proteção e um olhar mais atento, bem como as principais condutas que se deseja evitar. Sobre o assunto, Antônio Luiz Machado Neto (1987) brilhantemente leciona:

"De um ângulo sociológico, poderíamos estabelecer ainda uma relação genética entre moral e direito, considerando que uma sociedade passa a conferir a nota de exigibilidade e a consequente imposição inexorável através da sanção organizada a toda exigência moral que se tenha tornado essencial à vida e ao equilíbrio do grupo. Sob esse ângulo o sociológico —, que não se eleva ao plano da universalidade categorial, pode ser dito que o direito, ou melhor: que o proibido pela ordem jurídica é a atribuição de exigibilidade que a sociedade confere àquele mínimo de moral que ela considera imprescindível à sua sobrevivência. É isso o que se passa na transposição dos costumes éticos para a órbita do jurídico. A princípio, um costume seria apenas uma exigência moral, mas o seu não cumprimento era juridicamente facultado. Quando esse costume passou a representar algo essencial para a vida do grupo, de cuja observância este julgou não mais poder abrir mão, então a esfera do proibido jurídico estendeu-se até a observância dessa praxe, agora exigível por quem esteja na condição de sujeito titular da prestação que ele envolve, e garantido pela imposição inexorável através da sanção incondicionada dos órgãos do poder social, especialmente o Estado" (Neto Machado, 1987, p. 117).

A análise comparativa de legislações existentes dentro de um ordenamento jurídico, sejam vigentes ou revogadas, auxiliam na compreensão do contexto histórico de uma sociedade. A constatação, longe de ser um pensamento contemporâneo, fez nascer o brocardo jurídico ubi societas, ibi jus, vinculando a existência e a manutenção da vida em comunidade ao Direito, e, consequentemente, à criação de normas para garantir uma subsistência harmônica.

Nesse diapasão, a pesquisadora Almira Rodrigues (1998) discorre que a legislação, principalmente a federal, nos diz sobre os acordos de uma sociedade consigo mesma, regulando as relações, as instituições e os processos sociais. Noutra senda, resguarda os direitos individuais e coletivos frente ao Estado e aos demais indivíduos e instituições. Ao mesmo tempo, infere uma prestação positiva ao ente estatal, uma vez que estipula obrigações e responsabilidades para a garantia dos direitos.

À vista disso, depreende-se que no estudo da evolução das legislações federais, sobretudo as relacionadas ao direito previdenciário, é possível identificar as longas batalhas e conquistas das mulheres, desde a outorga da Constituição Imperial até os poéticos textos da Carta Magna Cidadã de 1988.

Por meio de uma viagem histórica, abordando todas as sete Constituições já vigentes em nossa sociedade, alinhados Emendas Constitucionais, Códigos Civis e Leis Complementares sobre as matérias previdenciárias, infere-se a proteção à família, a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o aumento da representatividade feminina em nosso país e a luta pela igualdade material dentro da sociedade.

Não obstante, nesse ínterim, faz-se mister a interpretação extensiva do conceito dos direitos sociais, caracterizado como liberdades positivas garantidas constitucionalmente a todos os cidadãos pelo Estado, tais como: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade à infância, bem como a assistência aos desamparados. Nas palavras de Canotilho, Mendes & Sarlet et al. (2018), ainda que as Cartas Magnas precedentes já versassem sobre justiça social e até mesmo assegurassem alguns direitos sociais, apenas com a promulgação da Constituição Cidadã (1988) promoveu-se a positivação dos direitos fundamentais.

Em harmonia de ideias, Alexandre de Moraes (2017) preleciona que alguns direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, são cláusulas pétreas, "na medida em que refletem os direitos e garantias individuais do trabalhador". Ademais, o texto constitucional determina a proteção e a imutabilidade a esses direitos, ainda que não estejam classificados no rol exemplificativo do basilar artigo 5º. Veja-se:

"(…) Os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV" (Moraes, 2017).

Aclarada a temática, à luz do princípio da vedação do retrocesso social, o texto constitucional visa a coibir a edição de normas que prejudiquem os direitos adquiridos. Contudo, questiona-se a efetividade desse conceito basilar durante períodos de instabilidades políticas e financeiras, a fim de proteger as conquistas femininas ao longo dos anos. Esse paradoxo pode ser analisado sob a ótica do pensamento de Sarlet (2009):

"Assim, verifica-se que a designação proibição de retrocesso social, que opera precisamente na esfera dos direitos sociais, especialmente no que diz com a proteção 'negativa' (vedação da supressão ou diminuição) de direitos a prestações sociais, além de uma ideia-força importante (a iluminar a ideia de que existe de fato um retrocesso e não um simples voltar atrás, portanto, uma mera medida de cunho regressivo), poderia ser justificada a partir de algumas peculiaridades dos direitos sociais, o que, importa sempre frisar, não se revela incompatível com a substancial equivalência de modo especial no que diz com sua relevância para a ordem constitucional entre direitos sociais (positivos e negativos) e os demais direitos fundamentais."

Portanto, ainda que o legislador possa editar normas para que o ordenamento jurídico acompanhe as evoluções da contemporaneidade, deve sempre atentar-se para a proteção dos direitos sociais já existentes, bem como a sua abrangência, a fim de que as minorias não tenham as suas garantias limitadas.

 

Referências bibliográficas
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET; Ingo Wolfgang; STRECK; Lenio Luiz. "Comentários à Constituição do Brasil". 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2018.

MORAES, Alexandre de. "Direito Constitucional" – 33ª Ed. Rev. E atual até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017.

NETO, Antônio Luiz Machado. "Sociologia jurídica" – 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1987.

RODRIGUES, Almira Correia de Caldas. "Cidadania nas relações afetivo-sexuais no Brasil Contemporâneo: Uma questão de políticas públicas". Disponível em: https://www.pagu.unicamp.br/pf-pagu/public-files/arquivo/93_rodrigues_almira_correia_de_caldas_termo.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.

SARLET, Ingo Wolfgang. "A assim designada proibição de retrocesso social e a construção de um direito constitucional comum latino-americano". Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC. Belo Horizonte, ano 3, n. 11, jul./set. 2009. Disponível em: http://www.abdpc.com.br/admin/midias/anexos/1440694885.pdf. Acesso em: 26 jun. 2019.

Autores

  • é advogado, sócio fundador do escritório SME Advocacia, conselheiro da OAB-GO, membro consultor da Comissão de Estudos de Direito Constitucional da OAB Nacional e professor universitário.

  • é assessora do núcleo de Direito Empresarial, Falimentar e Recuperacional do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD), graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás (Uni-ANHANGUERA) e graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

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