Opinião

Acordo individual na MP 936: Afinal, pode ou não?

Autores

  • Reinaldo Garcia do Nascimento

    é advogado especialista em Relações Sindicais sócio do escritório Guirão Advogados.

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

16 de abril de 2020, 13h33

Com a edição e publicação da Medida Provisória n. 936, de 1º de abril de 2020, o Governo Federal autorizou que empregadores e empregados possam, por acordo individual, firmarem a redução salarial e de jornada e/ou a suspensão do contrato de trabalho.

Tal Medida Provisória vinha sendo esperada com muita ansiedade pelas empresas que, até então, estavam suportando sozinhas todos os reflexos decorrentes do Decreto Federal n. 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública nacional provocado pelos efeitos da Covid-19.

O que, porém, empregadores e empregados não contavam é que uma decisão em caráter liminar exarada nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6.363) movida pelo Partido Rede Sustentabilidade, proferida no dia 6.4.2020, pudesse sozinha deixar descontentes governo federal, empregadores, empregados e sindicatos. Pior, a decisão desprestigiou os esforços que empregadores e empregados dispendiam mutuamente para preservar  os contratos de trabalho e a atividade econômica, e, ao mesmo tempo, agravou de forma acentuada a insegurança jurídica.

Malgrado toda fundamentação trazida pelo Eminente Ministro relator, Ricardo Lewandowski, do Excelso Supremo Tribunal Federal (STF), autor da decisão que trouxe descontentamento por todos os lados, a liminar, data máxima vênia, em que pese ser proferida em estado democrático de direito e a luz da Constituição Federal, é nula, senão anulável como será demonstrado.

Em sua decisão, ao determinar que cabe ao sindicato validar acordo individual, o Ministro primeiro interfere na divisão “Kelseniana” de poder, indo além e passando a legislar, já que tal possibilidade não se encontra respaldo em nenhuma legislação, nem mesmo foi trazida pela MP 936/2020.

Segundo, porque o sindicato não é órgão homologador de acordos individuais, mas sim entidade representativa e, como tal, sua função é de tutelar os interesses dos trabalhadores de certa categoria profissional.

Portanto, cabe ao sindicato, antes mesmo de “convalidar acordos individuais”, realizar assembleia extraordinária especificamente para esse fim. Aliás, é por meio da assembleia que o sindicato aglutina determinado número de vontades individuais e busca obter a maioria para aprovar ou não determinada pauta de reivindicação.

Ora, neste contexto, urge salientar que nem a Medida Provisória, nem mesmo a decisão liminar do STF, afastaram qualquer obrigação descrita no Título VI da CLT, em especial seu artigo 612. Assim, eventual validação sem o cumprimento do descrito no referido artigo celetista é nula de pleno direito.

Além disso, não esclareceu também o Ministro como as partes, Sindicato e Empregados, irão realizar a assembleia, tendo em vista que muitos trabalhadores estão em home office ou com seus contratos suspensos.

Lado outro, alguém poderia dizer que os mecanismos eletrônicos conferem segurança jurídica para a realização dessas assembleias. Todavia, temos dois problemas a serem pontuados. O primeiro está no fato de que é dever do sindicato a organização e reunião de sua base representativa. Contudo, é cediço que a entidade não possui cadastro completo dos empregados, não estando de posse do número de seus celulares, por exemplo. O segundo se relaciona à divulgação individual da manifestação de vontade do trabalhador que, uma vez exposto, pode sofrer assédio tanto por parte de seu empregador, como de parte de seus colegas de trabalho.

Assim sendo, é nula pela existência de vício a maneira pela qual a decisão liminar condicionou a participação obrigatória do sindicato laboral na convalidação dos artigos 7º e 8º descritos na Medida Provisória 936/2020, afinal, é impossível de ser cumprida nos termos da atual legislação coletiva descrita no capítulo VI da CLT.

Lado outro, caso assim não se entenda, podemos afirmar ainda que a decisão liminar é anulável. Senão, vejamos.

É cediço que o Direito é uno, ou seja, não divisível. Contudo, dividimos as áreas para melhor estudo e compreensão didática. O mesmo acontece, inclusive, com as normas jurídicas, que protegem o bem da vida, o ser humano, valores intrínsecos e extrínsecos da sociedade contemporânea.

Neste diapasão, estamos diante de uma dicotomia, ou seja, uma parcela de um todo, consubstanciado nos valores defendidos pela Constituição Federal, como a vida, saúde, trabalho, a iniciativa privada etc.

A decisão liminar, a nosso ver, privilegiou o descrito no artigo 7º, inciso VI, da Carta da República, ao reconhecer a participação obrigatória do Sindicato para que haja redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho, priorizando a melhoria da condição social do trabalhador, sem se atentar para valor descrito no artigo 170 da Lei Maior, que determina a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa pautadas na Justiça Social.

Ocorre que em tempos de calamidade pública e de quarentena, o que está em risco não é somente a condição social, mas – e simultaneamente – a atividade econômica desenvolvida pela livre iniciativa, o emprego e a renda do trabalhador.

Nesse prumo, todos os esforços se voltam para redução dos prejuízos que serão inevitáveis, em um grande pacto pela Justiça Social, que se faz com a preservação dos empregos e da renda – sem a qual o trabalhador fica a margem da sociedade; e também pela preservação da atividade econômica, geradora de riqueza e responsável pela empregabilidade de milhões de trabalhadores. Acontece, porém, que a decisão se ocupou apenas do valor relacionado à melhoria da condição social que, neste momento, também pode ser entendida como a preservação do trabalho e renda e da atividade econômica.

Daí porque a decisão pode ser anulável pelo PLENO do E. STF.

Por fim, a par de todas as críticas geradas à citada decisão liminar, o Ministro Ricardo Lewandowski, em resposta a Embargos de Declaração opostos pela União, esclareceu os fundamentos da decisão, ao afirmar que o ato jurídico realizado entre empregador e empregado, ou seja, o acordo individual, é perfeitamente válido, e que, em havendo Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo com condições mais favoráveis ao empregado, tais instrumentos devem ser observados em detrimento do acordo individual celebrado entre as partes.

Em outras palavras, o acordo individual realizado entre empregador e empregado tem sua validade reconhecida, portanto, o risco fica afastado. Aliás, tal entendimento se coaduna com a posição já outrora defendida pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Por derradeiro, respondendo à pergunta inicial, o acordo individual pode ser realizado, seja nos termos da MP 927, seja na forma da MP 936. O direito individual do trabalhador de defender seu sustento enquanto perdurar o estado de calamidade pública está assegurado. E, em arremate, neste viés, vale registrar as palavras exaradas pelo Ministro Marco Aurélio do STF, em análise de outra ADI referente a MP 927/2020, tratando especificadamente sobre o artigo 2º, a saber: “(…) A liberdade do prestador dos sérvios, especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser preservada (…).”.

Autores

  • é advogado, especialista em Relações Sindicais, sócio do escritório Guirão Advogados.

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais, organizador do e-book digital "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno), palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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