Seminário online

Juristas discutem fato do príncipe e responsabilidade civil durante pandemia

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16 de abril de 2020, 17h49

O impacto da pandemia do coronavírus e suas consequências econômicas deverão atingir o Judiciário de forma maciça nos próximos meses. Para juristas que participaram do seminário online Saída de Emergência — O Coronavírus, o Fato do Príncipe e Responsabilidade Civil, aos julgadores será necessário extrema cautela ao analisar esses conceitos, bem como a configuração de caso fortuito ou força maior.

ConJur

O debate, transmitido pela TV ConJur, foi o terceiro programa da série de vídeos As regras emergenciais em tempos de Covid-19, mediada pelo professor Otavio Luiz Rodrigues Jr. e que aborda sobretudo as normas previstas pelo PL 1.179/20, já aprovado pelo Senado.

O ministro Sérgio Kukina, do Superior Tribunal de Justiça, abriu o debate ressaltando que a aplicação da teoria do fato do príncipe, de origem no Direito Administrativo, já é aceita na jurisprudência para causas do Direito Público mais amplo, Direito Trabalhista e, mais recentemente, Direito Tributário. 

Segundo a doutrina, o fato do príncipe é o poder de alteração unilateral, pelo poder público, de um contrato administrativo. Ou, além disso, medidas gerais da Administração, não relacionadas a um dado contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado. No caso atual, as medidas administrativas relacionadas ao estado de calamidade pública — decretado em função da epidemia de Covid-19 — poderiam, em tese, ser considerados "fato do príncipe".

"Não bastará a quem proponha a ação em face do ente público se amparar no fato do príncipe. É preciso que se demonstre que o ato estatal foi produzido em descompasso com a realidade circundante", afirmou o ministro. "Seguramente, o fato do príncipe não engessará o poder público no sentido de se imaginar que não possa apresentar defesa. Haverá o discurso no sentido de legitimar a edição desse fato do príncipe", apontou.

Para Sérgio Kukina, a discussão jurídica vai passar pelo aferimento da razoabilidade e proporcionalidade das ações do governo. Por isso, não há como determinar fórmula de ação: o fato concreto vai nortear a análise. 

Dentre o arcabouço jurídico envolvido, cita o artigo 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que aponta que, "na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados". "Não se poderá desconsiderar o cenário existente por detrás de cada situação", afirmou.

Caso fortuito ou força maior
Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rafael Peteffi destacou as especificidades inerentes à definição de caso fortuito ou força maior na discussão da responsabilidade civil durante a pandemia. Em sua análise, a definição precisará passar por questão do fator externo, elemento indispensável para traçar distinção clara do que a jurisprudência define como caso fortuito interno, que é risco inerente à atividade desempenhada.

"Precisamos lembrar que o conceito de caso fortuito ou força maior é mutável. Causas que há 50 anos entendíamos como bons exemplos de caso fortuito, com o avanço da ciência, não são mais. Mesmo em época de pandemia, temos vários contratos que podem se desenvolver com absoluta normalidade", destacou.

"A conceituação desses fatos que vamos viver e estamos vivendo é muito difícil. Diferenciar o que seja fato do príncipe, força maior ou caso fortuito, hipótese da teoria da imprevisão ou simples hipótese de reajuste de prestação é questão complexa", afirmou a professora Roberta Rangel (Ibet).

Proteção humanitária
Ela fez análise referente ao impacto do Projeto de Lei 1.179, já aprovado no Senado, que institui um regime jurídico emergencial para o Direito Privado durante a epidemia que assola o país. O diploma não explicita o que seria força maior. Mas em seu artigo 9º traz proteção humanitária a uma das principais consequências da crise econômica, no mercado imobiliário.

O artigo 9º, explica a professora, tem a função de evitar que liminares em ações de despejo sejam concedidas em determinadas hipóteses em que, em situação de normalidade, certamente seriam. "Tem um aspecto humanitário, porque desalojar seja um comerciante, seja um morador residencial em uma época dessa, além de não recomendável, não é uma questão que solucionaria tanto a parte do desalojado como a do locador", explicou.

Ela ainda lamentou que o artigo 10, que previa uma espécie de moratória para inquilino residencial, parte vulnerável na relação, tenha sido suprimido no Senado. O pagamento seria diferido do período de 20 de março até 30 de outubro, desde que sob justificativa ligada à pandemia: demissão, redução de carga horária no trabalho, corte de salário etc. 

"Infelizmente, vai gerar uma demanda exponencial ao Judiciário. Já está gerando, e vai possibilitar decisões conflitantes, como temos visto. Ora vemos aplicação da teoria do caso fortuito, ora a aplicação do artigo 317 do Código Civil", apontou.

A série da ConJur tem o apoio da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo e o patrocínio das empresas Seara, Friboi e JBS. 

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