Opinião

São asseguráveis os riscos associados a pandemias?

Autor

  • Ernesto Tzirulnik

    é advogado doutor em Direito pela Universidade de São Paulo(USP) é presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro e da Comissão de Direito do Seguro (IBDS) e resseguro da OAB-SP.

16 de abril de 2020, 20h01

Vamos tentar refletir sobre a pandemia do contágio do coronavírus (Covid-19) e os seguros:

Creio que há cinco aspectos importantes a considerar.

1) O primeiro é saber se juridicamente podem ser assegurados os interesses expostos aos riscos associados a epidemias ou pandemias;

2) O segundo é saber se pandemia e epidemia são propriamente um risco ou uma circunstância ou condição na qual se insere o risco de contágio pelo vírus;

3) O terceiro é saber quais são e se são válidas as excludentes de cobertura que existem no mercado e que possam ter relação direta ou indireta com a Covid-19;

4) Além disso, em quarto lugar, é importante discutir se a sinistralidade do coronavírus pode ser considerada causa para a revisão do contrato de seguro;

5) Por último, é necessário conhecer as diferentes espécies de efeitos deflagrados pelo enfrentamento do coronavírus (Covid-19), notadamente as declarações de Calamidade Pública.

 Pois bem, são asseguráveis os riscos associados a pandemias?

Admitindo que se possa falar em pandemia ou epidemia como um risco, a resposta é positiva.

Sim, são riscos asseguráveis.

A assegurabilidade dos riscos pelo contrato de seguro está juridicamente sujeita a duas limitações: (i) a ordem pública e (ii) a casualidade ou alea individual dos sinistros.

Na preparação da operação seguradora, os sinistros devem ser calculados no seu conjunto e isso irradia efeitos nas relações individuais, seja para o desenho dos conteúdos contratuais padronizados, como as apólices e suas condições gerais e especiais, seja para a fixação da taxa para o cálculo dos prêmios. Mas, cada sinistro individualmente considerado não pode decorrer de conduta voluntária ou dolosa dos segurados. Pudessem os seguros garantir atos dolosos, seria inviável a operação.

Assim, o risco de morte ou o risco de perda patrimonial em circunstância de pandemia, em princípio, devem ser considerados riscos asseguráveis, pois não ofendem a ordem pública, nem fazem desaparecer a alea.

Quando da discussão a respeito da amplitude das garantias dos seguros, feita ao tempo da elaboração do Código Civil de 2002, o Professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, Fábio Konder Comparato, apresentou um substitutivo onde propunha que houvesse um parágrafo único com o seguinte teor:

“As cláusulas definidoras dos riscos interpretam-se estritamente.”

A rejeição desse comando restritivo reforçou a ideia de que os seguros devem cobrir, em princípio todos os riscos ordinariamente esperados para o tipo de seguro contratado, evitando o desequilíbrio de que trata o art. 51 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

 III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

No direito do seguro em prospectiva, o PLC 29/2017, no art. 14, prevê que “O contrato cobre os riscos relativos à espécie de seguro contratada.”

 A ideia aqui é que todos os riscos do tipo contratual sejam garantidos, salvo os ”riscos excluídos e os interesses não indenizáveis” que “devem ser descritos de forma clara e inequívoca”.

O PLC 29/2017 prevê, ainda, no § 6º do art. 18, que “Nos seguros sobre a vida ou integridade física a seguradora poderá cobrar a diferença de prêmio, em caso de agravamento voluntário do risco.” Isso significa que se o agravamento não for voluntário, mas decorrer de uma circunstância externa à vontade do segurado, como é o caso da pandemia, a seguradora não terá sequer o direito de cobrar prêmio adicional.

Tanto os riscos associados à pandemia são asseguráveis que as companhias de seguro estão às voltas com os adiamentos e cancelamentos  de grandes espetáculos e eventos esportivos, como o adiamento das Olimpíadas de Tóquio, com prejuízos estimados em US$ 2 bilhões, e o cancelamento do torneio de Winbledon, com indenizações que alçaram mais de U$ 141 milhões.

Certamente as sociedades empresárias de espetáculos, como a Netflix, serão confortadas com os seguros que garantem os cancelamentos e os sobrecustos de suas produções, sempre que não forem arbitrárias essas ações — cancelamento ou elevação de custos – e sim decorrentes de condutas ajustadas ao enfrentamento da chamada crise do coronavírus.

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Autores

  • é advogado especialista em Direito Securitário, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS).

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