Opinião

A Teoria do Fato do Príncipe e a Covid-19

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15 de abril de 2020, 7h54

Muitos empregadores estão questionamento sobre a possibilidade de rescindir o contrato de trabalho dos seus colaboradores em decorrência da pandemia do coronavírus e imputar ao poder público responsabilidade pelo pagamento dos valores das rescisões contratuais, pois, com a decretação do estado de calamidade pública, alguns Estados brasileiros acabaram determinando a suspensão de atividades empresariais não essenciais.

Para responder ao questionamento acima, é necessário tecer breve consideração sobre o artigo 486 da CLT: "No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável."

A denominada Teoria do Fato do Príncipe possui como princípio que a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados e, caso assim o faça, em regra, surgiria a obrigação de indenizá-los.

Todavia, não são quaisquer danos ou prejuízos que seriam passíveis de indenização. Para que nasça a obrigação de a Administração Pública indenizar, o ato praticado deverá conter alguns requisitos: 1) ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente; 2) interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços; 3) não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato.

Ou seja, ao ato administrativo do poder público se imputaria gravidade suficiente a onerar ou até mesmo causar eventual impedimento da execução de um contrato, ensejando obrigação ao Estado de compensação integral aos prejuízos sofridos por aquele que contrata.

A aplicação no Direito do Trabalho da figura do factum principis é dificultosa. Inicialmente porque a Teoria do Fato do Príncipe gravita na órbita do Direito Administrativo, como poder de alteração unilateral pela Administração Pública de um contrato administrativo, ou aplicação de medidas que provoquem evidente repercussão em contratos administrativos pelo desequilíbrio econômico-financeiro onerado ao contratado e que possam causar até impossibilidade da continuidade de determinada atividade empresarial.

Na esfera do Direito do Trabalho, é necessário definir o conceito de impossibilidade da continuidade de determinada atividade. Como se sabe, um artigo de lei pode ser diversamente interpretado e, por esse motivo, por uma questão de cautela, o faremos sob uma perspectiva restritiva.

Alguns juristas entendem que para que surja a responsabilidade do poder público em indenizar é necessário que ocorra o encerramento da atividade empresarial, ou seja, o fechamento da empresa. Portanto, para eles não basta que o empregador esteja sofrendo graves consequências econômicas em decorrência das medidas adotadas pelo poder público, pois estas seriam inerentes ao risco empresarial.

Desse modo, poderíamos descartar que problemas de fluxo de caixa e diminuição do faturamento, por exemplo, seriam motivos suficientemente graves a ensejar a obrigação de indenização.

Contudo, outros juristas entendem que poderia o Poder Público ser responsabilizado, independentemente do encerramento ou não da atividade empresarial, bastando que o ato por ele realizado acabe tornando insustentável a manutenção dos postos de trabalho, como por exemplo a determinação de paralisação das atividades.

Percebe-se que até o momento não há um consenso sobre essa questão, ao menos por parte dos estudiosos do Direito Trabalhista.

E se tomássemos como viável a responsabilidade do Poder Público, dúvidas emergiriam, como quais seriam as verbas devidas caso o poder público fosse responsabilizado. Novamente, parte dos juristas entende que a indenização devida seria restrita somente à multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, de modo que o aviso prévio e demais verbas rescisórias seriam pagas pelo empregador.

Em sentido contrário, existem várias decisões nos tribunais trabalhistas esclarecendo que a responsabilidade da Administração Pública está limitada à indenização adicional do FGTS (40%) e ao aviso prévio indenizado, porque o artigo 486 da CLT faz menção expressa ao pagamento de "indenização", e não ao pagamento da totalidade das verbas rescisórias.

Por consequência, encerra-se eventual pretensão de responsabilizar a Administração Pública pelo pagamento das verbas rescisórias típicas.

Ato contínuo, ainda é imprescindível aclarar que o Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo em matéria trabalhista no Brasil, entende que atos da Administração Pública que visem a resguardar o interesse maior da população não poderiam ser enquadrados como fato do príncipe.

Ressalte-se que, em razão dos princípios da legalidade e da moralidade pública, o Estado tem não somente o dever, mas também a obrigação de zelar pela preservação do interesse público, mormente em situação grave como a que estamos vivenciando em decorrência da pandemia do coronavírus.

Assim sendo, respeitando entendimentos contrários, até o presente momento entendemos não ser aplicável a Teoria do Fato do Príncipe para justificar eventuais rescisões contratuais e, por consequência, não seria possível responsabilizar o Estado pelo pagamento das indenizações acima citadas.

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