Opinião

A salvaguarda da segurança jurídica para os gestores municipais

Autores

  • Fernando B. Meneguin

    é professor titular do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da AMBRA University doutor e mestre em Economia pela Universidade de Brasília e pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade da California/Berkeley (EUA).

  • Márcio Macedo Conrado

    é advogado e mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) de Brasília.

15 de abril de 2020, 21h15

Desde o início da crise da Covid-19 no Brasil, estados e municípios têm tomado medidas de contenção para frear o crescimento do vírus e diminuir o quanto antes o tempo de isolamento e privações que estamos vivendo com a paralisação de atividades não essenciais, fechamento de espaços públicos, suspensão de aulas, etc.

Medidas Provisórias, leis e decretos surgem toda dia estabelecendo uma série de mudanças na vida de cada brasileiro, visando a cumprir as determinações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde quanto ao isolamento social, sem contar as medidas adotadas para disciplinar relações de trabalho, relações contratuais, relações com o fisco e ajuda financeira dada aos estados e municípios para atender às ações essenciais e urgentes neste momento de pandemia, atingindo especialmente as secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social.

Esse turbilhão de mudanças também afetou a vida de cada gestor público no Brasil e aqui cabe menção específica aos gestores municipais. O Brasil conta com 5.571 municípios com dimensões e graus de maturidade em nível de desempenho administrativo distintos.

A todo instante chegam questionamentos acerca de como ficará a execução de programas existentes na esfera municipal, as adequações que precisam ser adotadas para atender às necessidades decorrentes da pandemia e as providências que deverão ser tomadas quanto aos contratos administrativos em curso e quanto às novas contratações de bens, serviços e pessoal, notadamente diante da Lei nº 13.979, de 20 de fevereiro de 2020, que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.

Os gestores, dentro desse cenário, estão sendo levados a readequar, suspender ou rescindir contratos de várias espécies (artigos 65, inciso II, "d", e 78, incisos XII a XVII, da Lei 8.666), redirecionar recursos para o combate ao vírus e determinar novas contratações, existindo sempre o receio de como seus atos serão entendidos pelos órgãos de controle e fiscalização, principalmente quando estão sendo disparadas várias recomendações do Ministério Público Estadual, do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho.

É convergente a ideia de que adotar práticas inovadoras no Brasil pelos gestores públicos, como bem expressa Rodrigues (2018), "não é apenas difícil, é também extremamente perigoso e desafiador, diante de modelos jurídicos inflexíveis e da insegurança jurídica instaurada muitas vezes por aqueles que detêm poder de controle — o que torna essa tarefa um encargo para poucos e corajosos".

Estamos no momento de grandes desafios, que exige a adoção de medidas criativas e urgentes dentro desse cenário de crise.

Não se pode descartar essa preocupação quanto à instabilidade momentânea e visões que são expostas a todo instante, diante de um momento que traz cotidianamente alterações nas mais variadas relações firmadas com a administração.

Mas os receios existentes podem ser superados com a adoção de cautelas, por meio de procedimentos administrativos específicos e devidamente motivados.

A salvaguarda para esses gestores, dentro da perspectiva de agregar confiança e segurança jurídica às suas ações, pode ter respaldo na Lei nº 13.655/2018, que incluiu disposições na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro para garantir previsibilidade e eficiência na aplicação do direito público.

Essa lei traz um conjunto de dispositivos com exigências direcionadas, no mais das vezes, aos órgãos responsáveis pela apreciação das ações administrativas.

Pretende-se, assim, um sistema jurídico que se preocupe em analisar o caso de forma específica, em todos os seus contornos, considerando inclusive os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, pesando as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

Artigo 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º. Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

Além disso, sob o viés dos efeitos provocados pela constante mutabilidade das relações sociais, a se refletir na constante alteração da produção legislativa, a lei em destaque traz a estabilização daquela situação levada a efeito a partir de interpretação considerada como a correta para o caso concreto, sem que ulteriores alterações de entendimento possam repercutir negativamente.

Artigo 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Importante ainda consignar que a Lei nº 13.655/2018 traz um instrumento importante no âmbito da autocomposição de conflitos e da efetiva busca pelo diálogo entre os órgãos públicos e a sociedade em tema de segurança jurídica e transparência: a celebração de compromisso.

Artigo 26.  Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

O que se vem observando é a existência de várias paralisações de contratos de transporte, obras e serviços nas prefeituras com repercussões nas relações firmadas com os contratados, sendo o compromisso um instrumento valioso para que se construam saídas consensuais na via administrativa.

Num momento em que se exige alto grau de comprometimento e cooperação entre as instituições, a segurança jurídica é o alicerce que cada gestor municipal deseja neste momento de crise.

REFERÊNCIA
RODRIGUES, Lucas de Faria. As confluências entre a nova Lindb e o marco regulatório da ciência e tecnologia. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-dez-01/lucas-rodrigues-lindb-marco-regulatorio-ciencia-tecnologia. Acesso em: abril.2020.

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    é professor titular do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da AMBRA University, doutor e mestre em Economia pela Universidade de Brasília e pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade da California/Berkeley (EUA).

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    é advogado e mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de Brasília.

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