Opinião

O limite de 20 salários para base das contribuições sociais devida a terceiros

Autores

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

  • Thiago Strapasson

    é advogado sócio de Brasil Salomão e Matthes advocacia graduado em direito pela Unesp em ciências contábeis pela universidade Moura Lacerda e especialista em direito tributário pelo Ibet. Professor de cursos de pós-graduação e extensão. Advogado tributarista com atuação no setor consultivo e de revisão fiscal.

15 de abril de 2020, 14h06

Spacca
Em virtude de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça[1], uma discussão de certo modo “antiga”, ganhou atenção nos tempos atuais, qual seja, a limitação da base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros ou contribuições parafiscais ao montante de 20 salários mínimos.

As contribuições parafiscais ou especiais ou destinadas a terceiros são denominadas aquelas voltadas para o desempenho de algum fim de interesse público, como previdência, organizações de interesse profissional, entre outras, por meio de entidades autônomas.

Antes do atual texto constitucional, tais contribuições não tinham natureza tributária, o que se deu com a recepção a partir de 1988, tendo como matriz o art. 149[2], além de outros dispositivos constitucionais como os arts. 212[3] e 240[4].

Tais contribuições podem ser enumeradas como aquelas do denominado “sistema S”, quais sejam Senai, Sesi, Senac, Sesc, SebraE, Senar, Sest, Senat, Sescoop, Incrae também o Salário-Educação, as quais também possuem como base de cálculo a folha e/ou remuneração, mas não se confundem com aquelas destinadas à seguridade social previstas no art. 195 da CF, denominadas de previdenciárias.

Todas estas contribuições sofrem incidência e possuem como base de cálculo a mesma das contribuições previdenciárias, ou seja, salário ou remuneração, como determina a Lei n. 5.890/73, em seu art. 14, bem como art. 109 da Instrução Normativa n. 971/2009.

São disciplinadas também pela Instrução Normativa 971/2009, as quais são objeto de fiscalização, tributação, arrecadação e cobrança pela Receita Federal (art. 109), sendo sua incidência determinada conforme classificação da atividade, valendo-se do código FPAS (art. 109 e ss da IN 971/2009).

Abaixo um breve descritivo de tais contribuições[5]:           

Tributo

Base legal

Base de cálculo

alíquota

Salário educação

Leis n. Lei n. 9.424/96, 9.766/98, Decreto n. 6003/2006

Salário/remuneração

2,5%

SEBRAE

Lei n.  8.029/90, Decreto-Lei 2.318/86 e Decreto  5.256/2004

Salário/remuneração

0,6%

INCRA

Lei n. 2.613/55, Decreto-Lei 2.318/86, MP 222/2004 e Decreto n. 5.256/2004

Salário/remuneração

0,2%

SENAI

Decreto-Lei 4.048/42, Decreto-Lei 6.246/44, MP 222/2004 e Decreto n. 5.256/2004

Salário/remuneração

1%

SESI

Decreto- Lei 9.403/46

Salário/remuneração

1,5%

SENAC

Decreto-Lei n. 8621/46

Salário/remuneração

1,0%

SESC

Decreto-Lei n. 9.853/46

Salário/remuneração

1,5%

SEST

art. 7º da Lei nº 8.706/93

Salário/remuneração

1,5%

SENAT

art. 7º da Lei nº 8.706/93

 

1,0%

Ao analisarmos toda a sucessão legislativa e atual, no entanto, específica das contribuições para terceiros, será possível demonstrar que vigora em nosso sistema uma limitação na base de cálculo no montante de até 20 salários mínimos, uma vez que inexistiu qualquer revogação expressa, ou mesmo tácita desse limite estabelecido.

Em 1960, houve a edição da Lei n. 3.807, que em seu art. 151, delegou às instituições da previdência social a capacidade ativa de arrecadar as demais contribuições (devidas a terceiros):

“Art. 151. As instituições de previdência social poderão arrecadar, mediante a remuneração que fôr fixada pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, contribuições por lei devidas a terceiros, desde que provenham de emprêsas, segurados, aposentados e pensionistas a elas vinculados.

Parágrafo único. Às contribuições de que trata este artigo aplica-se, no que couber, o disposto no Capítulo III do Título IV.”           

Dentro de referida sistemática, houve o advento da Lei n. 5.890/73, que, em seu art. 14, expressamente, estabeleceu:

“Art 14. As contribuições arrecadadas pelo Instituto Nacional de Previdência Social das empresas que lhes são vinculadas, e destinadas a outras entidades ou fundos, serão calculadas sobre a mesma base utilizada para o cálculo das contribuições de previdência, estarão sujeitas aos mesmos prazos, condições e sanções e gozarão dos mesmos privilégios a ele atribuídos, inclusive no tocante à cobrança judicial, não podendo o cálculo incidir sobre importância que exceda de 10 (dez) vezes o salário-mínimo mensal de maior valor vigente no País”.


Neste dispositivo legal, sem qualquer revogação expressa até a presente data, o que pode ser conferido inclusive por meio do site do planalto, temos o surgimento de algumas bases das contribuições destinadas a outras entidades ou fundos (parafiscais ou destinadas a terceiros), quais sejam: (i) — terão a mesma base de cálculo das contribuições previdenciárias (folha/remuneração); (ii) — mesmos prazos, condições, sanções e privilégios; (iii) — não poderão incidir sobre importância que exceda 10 vezes o salário mínimo mensal vigente.

 

A Lei n. 5.890/73, em seu art. 14, expressamente, reconhecia um Limite na base de cálculo para fins de incidência das contribuições previdenciárias e destinadas a outras entidades ou fundos, qual seja: 10 salários mínimos.

 

Posteriormente, houve a edição da Lei n. 6.950/1981, que alterou “a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, fixa novo limite máximo do salário-de-contribuição previsto na Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, e dá outras providências”. Sendo assim, mediante revogação das disposições em contrário, estabelece o art 4º:

“Art 4º – O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Parágrafo único – O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”.

Tem-se, por conseguinte, a partir de referida alteração legislativa uma modificação no limite do salário de contribuição, passando de 10 para 20 salários mínimos.

Como estabelece, com clareza, o parágrafo único do art. 4º, esta limitação na base de cálculo e incidência também se aplica às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.

Por fim, o Governo Federal, com o objetivo de revogar referida limitação, editou o Decreto-Lei n. 2.318/86, que dispôs sobre fontes de custeio da Previdência Social e sobre a admissão de menores nas empresas¸ determinando em seu art. 3º:

“Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.”

Referido texto normativo, de fato, realiza expressamente no art. 3º, a revogação do limite de base de cálculo e incidência de até 20 salários mínimos. Todavia, somente revoga para “efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social”.

Em tais condições, é possível notar que não houve revogação para as “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, para se utilizar expressão adotada pelo próprio legislador ao fixar o teto.

 Ora, o limite estabelecido pela lei continuar em vigor e não pode ser ignorado, pois: (i) — uma lei se presume válida e em vigor até que outra a revogue expressamente ou tacitamente; (ii) — a limitação de até 20 salários mínimos foi objeto de revogação de lei posterior, a qual, expressamente, somente fez em face das contribuições previdenciárias; (iv) — se há dispositivo legal que revoga expressamente determinado tema para uma contribuição, mas não a faz para as demais, significa dizer que não há revogação por extensão; (v) — toda a legislação regente do tema e citada, claramente, distingue contribuições previdenciárias daquelas denominadas de terceiros ou parafiscais; (vi) — as leis que estipularam a limitação na base de cálculo continuam em vigor, inclusive, conforme plataforma das leis do planalto, inexistindo menção de revogação; (vii) — sendo uma temática específica sobre a limitação da base de cálculo para terceiros, somente uma revogação expressa ou tácita com clara mudança no regramento da base de cálculo poderia permitir a sua inaplicabilidade, o que inexiste até o momento atual, mesmo que se tenha leis posteriores, como o caso do Salário-educação, uma vez que inexistiu nas disposições advindas qualquer menção à revogação de referido limite.

Sendo assim, não resta dúvida de não houve  perda da vigência da Lei n. 6.950/1981, posto inexistir no sistema outra posterior que a revogue expressamente ou seja incompatível com esta (art. 2º Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro — Decreto-Lei n. 4.657/42 e art. 9º da Lei combinada com a Lei Complementar 95/98).

Este posicionamento, por sua vez, é vaticinado pelo Poder Judiciário, tendo como “leading case” no Superior Tribunal de Justiça o recurso especial n. 953.742/SC, de relatoria do Ministro José Delgado[6]:

“ … aplica-se o limite de 20 vezes o maior salário mínimo vigente no País para o salário de contribuição ao INCRA e ao salário-educação. (…)

3. No período do lançamento que se discute nos autos, tem aplicação o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros”[7]

Diante deste precedente, a jurisprudência atual do próprio Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais Regionais se consolidou no mesmo sentido[8]:

STJ     Resp. 1.439.511 – SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 25/06/2014

 

STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.241.362/SC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, j. 08/11/2017.

TRF 1ª

APELAÇÃO CÍVEL N. 0030992-11.2016.4.01.3300/BA, Rel. Des. Hercules Fajoses, Sétima Turma,  DJ 01/02/2019

TRF 3ª

ApReeNec 0019143-96.1994.4.03.6100, relator Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Sexta Turma, e-DJF3 de 17/12/2015

TRF 3ª

APELAÇÃO CÍVEL – 1917527/SP, 0009810-15.2011.4.03.6104, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, SEXTA TURMA, Data do Julgamento 13/12/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/01/2019

TRF 4ª

APELREEX 1999.04.01.049035-4, PRIMEIRA TURMA, Relator JOEL ILAN PACIORNIK, D.E. 22/09/2010

TRF 4ª

APEL 2003.72.05.002381-7, Rel. Roberto Pamplona, DJ 24/10/2007


Isto fica evidenciado pelo recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, o qual decidiu, por votação unânime, que:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA A TERCEIROS. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 4O DA LEI 6.950/1981 NÃO REVOGADO PELO ART. 3O DO DL 2.318/1986. INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 

1. Com a entrada em vigor da Lei 6.950/1981, unificou-se a base contributiva das empresas para a Previdência Social e das contribuições parafiscais por conta de terceiros, estabelecendo, em seu art. 4o., o limite de 20 salários-mínimos para base de cálculo. Sobreveio o Decreto 2.318/1986, que, em seu art. 3o., alterou esse limite da base contributiva apenas para a Previdência Social, restando mantido em relação às contribuições parafiscais.

 

2. Ou seja, no que diz respeito às demais contribuições com função parafiscal, fica mantido o limite estabelecido pelo artigo 4o., da Lei no 6.950/1981, e seu parágrafo, já que o Decreto-Lei 2.318/1986 dispunha apenas sobre fontes de custeio da Previdência Social, não havendo como estender a supressão daquele limite também para a base a ser utilizada para o cálculo da contribuição ao INCRA e ao salário-educação.

3. Sobre o tema, a Primeira Turma desta Corte Superior já se posicional no sentido de que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4o. da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3o. do DL 2.318/1986, que disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. Precedente: REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.2008”.[9]

Possível, assim, reconhecer que a jurisprudência tem reconhecido a vigência do art. 4º, da Lei n. 6.950/81, o qual limite a base de cálculo das contribuições destinadas aos terceiros no patamar de 20 (vinte salários mínimos).

Dentro da dialética existente, é preciso esclarecer que não merece procedência 3 argumentos contrários: (i) – que as Leis ns. 9.424/96, 9.766/98, bem como Decreto n. 6003/2006, por serem posteriores, teriam revogado a limitação quanto ao salário educação; (ii) – que, embora não houvesse revogação expressa, havia intenção de revogar também para os terceiros[10]; (iii) – de que o art. 105, da Lei n. 8.212/91 revogou tal limitação.[11]

Com relação à suposta revogação do limite para o salário educação, não procede.

A primeira razão para este entendimento decorre de que inexiste nas Leis n. 9.424/96 e 9.766/98 qualquer revogação expressa de referido limite previsto em lei específica.

Por sua vez, poder-se-ia afirmar que haveria revogação tácita, eis que são leis posteriores, todavia, o art. 4º da Lei n. 6.950/81, é lei especial, tratando de forma específica da base de cálculo do salário de contribuição, impondo, como visto, um limite para tal em relação às contribuições previdenciárias e terceiros. Deste modo, lei posterior geral, como é o caso daquelas que regem o salário educação não teria capacidade para realizar a revogação mesmo que tácita.

Enfim, também não se nega que o art. 1º da Lei n. 9.766/98, estabelece que o salário-educação “obedecerá aos mesmos prazos e condições, e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social”.

Não nos parece que, da mesma forma, houve revogação da Lei n. 6.950/81, pois, o que, em verdade, pretende o legislador, é aplicar as regulamentações em geral das contribuições destinadas à seguridade social. Isto, no entanto, não leva à conclusão de que haveria revogação, eis que: (i) — não há revogação expressa; (ii) — a lei que impõe o teto é de natureza especial, de modo que não é revogada por aquela posterior de natureza geral; (iii) — o fato de ficar submetidas à legislação da contribuição destinada à seguridade social não equipara sua natureza jurídica a tal, ou seja, não é uma contribuição previdenciária, de modo que a lei que revogou expressamente referida limitação tratou claramente única e exclusivamente de contribuições previdenciárias, inexistindo revogação posterior por analogia.

De outro lado, haveria posicionamento no sentido de que houve revogação, pois a intenção seria também para aquelas contribuições destinadas aos terceiros. Não há dúvida de que cabe ao interprete e aplicador do Direito, dentro do limite do texto normativo, buscar sua finalidade. Todavia, isto não significa praticar intepretação totalmente contrária ao expressamente disposto em lei. Ora, como já exposto, o art. 3º, do Decreto-Lei n. 2.318/96, foi expresso em revogar o limite para “Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social”. Não há dúvida de que contribuição da empresa para a previdência social não diz respeito às contribuições destinadas aos terceiros. De tal sorte, referido entendimento quanto à finalidade do legislador, efetivamente, não é verdade e fere claramente a própria legalidade, diante da literalidade do texto legal.

Por último, podemos encontrar de forma isolada, ainda, interpretação de que a Lei n. 8.212/91, por meio de seu art. 105[12], haveria revogado tais limites para as contribuições destinadas aos terceiros.

O primeiro aspecto, decorre do fato de que: (i) — o art. 105 não revoga expressamente o art. 4º, da Lei n. 6.950/81; (ii) — da mesma forma, inexiste revogação tácita, eis que a Lei n. 8.212/91, trata das regras gerais — lei geral —, ao passo que o limite do salário de contribuição para terceiros é lei específica.

Ademais, a Lei n. 8.212/91, claramente, é norma geral destinada às contribuições para a seguridade social (previdência, principalmente), o que implica na conclusão lógica de que não se aplica às contribuições destinadas aos terceiros. Importante, ainda, esclarecer que, em momento algum em referida legislação, houve disposição expressa que cuidasse da base de cálculo e seu limite, sobretudo, com relação aos terceiros. Nada existe neste sentido, de sorte que se torna impossível pretender, pelo simples texto genérico do art. 105, da Lei n. 8.212/91, sustentar a revogação do art. 4º da Lei n. 6.950/81.

Não resta dúvida, portanto, que de que continuar em vigor a limitação legal quanto à base de cálculo das contribuições destinadas aos terceiros, segundo, inclusive, jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça.

Apesar de tais ponderações, dentro das discussões de sucessão legislativa e conflito de leis, convém ainda trazer outros argumentos relevantes a fim de evitar qualquer equívoco quanto ao tema.


Ao se trazer a sucessão no tempo das leis, percebe-se, claramente que a Lei n. 6.950/81, veio a tratar de questão específica ao disciplinado pela lei geral da época, ou seja, Lei n. 3.807/60, cuidava genericamente da Previdência Social. Por conseguinte, resta evidente que a Lei n. 6.950/81, é especial, tratando notadamente da questão da base de cálculo e a existência de limite. Ora, a especialidade, por sua vez, não resume a este ponto, mas, com relação à discussão envolve as contribuições destinada a terceiros, a maior especialidade, já que o paragrafo único, estabelece este limite de forma expressa e específica para elas, o que torna referido texto normativa ainda mais específico quanto à sua amplitude e temática.

 

Não temos em referida sucessão legislativa expressa revogação desta, como também inexiste incompatibilidade em relação às demais legislações posteriores (como, por exemplo, a Lei n. 8.212). Não é o simples fato de existir uma lei posterior que a anterior seja revogada, presumindo-se incompatibilidade, uma vez que esta há de ser demonstrada.

 

O fato de estabelecer um limite para o salário de contribuição (base de cálculo) para aquelas destinadas a terceiros não me parece trazer uma incompatibilidade pelo simples circunstância de existir limite para as previdências. São contribuições com natureza distintas, de modo que a circunstância de possuir o mesmo órgão de fiscalização e cobrança, como regra, bem como a base de cálculo, não leva à conclusão lógica de incompatibilidade.

Por exemplo, a Lei n. 8.212/91, além de ter sua aplicação voltada para as contribuições previdenciárias e não destinadas aos terceiros, o que já revela sua inaplicabilidade, não cuida de forma contrária à lei especial, da questão do limite quando se trata das ultimas contribuições.

São textos legais que convivem harmonicamente no sistema jurídico, aplicando-se o art. 2ª, § 2º, da LINDB, pois a “lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. É a aplicação do critério da especialidade (“Lex posterior generalis no derogat speciali”)[13], de sorte que há plena compatibilidade na manutenção do limite da base de cálculo para terceiros, mesmo com o surgimento das leis posteriores.

A lei que impõe, de forma específica às contribuições destinadas aos terceiros, em momento algum, com relação as leis posteriores, é incompatível ou distorce a racionalidade da tributação, pois, a aplicação de todas as legislações leva, sistematicamente, ao entendimento de que temos contribuições destinada a terceiros, cuja base de cálculo será a folha e/ou remuneração, todavia, diante de lei específica, haverá um limite (teto). A ausência de incompatibilidade é evidente, tanto é verdade que, para todas as contribuições temos alíquotas específicas, o que não leva a qualquer incompatibilidade, mas, simples convivência, diante da especialidade, o que se aplica igualmente ao teto imposto por lei.

Não há de buscar, por presunção, revogar referida disposição legal, lembrando-se neste ponto da lição de Fiore, citada por Eduardo Espínola, onde esclarece que: “em sendo duvidosa a incompatibilidade, as duas leis deverão ser interpretadas por modo a fazer cessar a antinomia, pois as leis não se revogam por presunção”.[14]

Para encerrar, dentro do contexto da presente discussão, cabe sempre ao intérprete e aplicador, em especial, o Poder Judiciário, preservar a segurança jurídica, mantendo a previsibilidade e confiança legítima nas relações entre administrado e Poder Público, notadamente, em matéria tributária, onde a legalidade é viga mestra[15], de tal sorte que feriria com clareza meridiana a tais princípios maiores o fato de o próprio Estado, que mantém a lei em vigor[16], buscar deixar de aplica-la.

Lembramos, enfim, saudoso Geraldo Ataliba:

“… é preciso que haja clima de segurança jurídica e previsibilidade acerca das decisões do governo; o empresário precisa fazer planos, estimar — com razoável margem de probabilidade de acerto — os desdobramentos próximos da conjuntura que vai cercar seu empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar os obstáculos e as dificuldades. Já conta com os imponderáveis do mercado. Não pode sustentar um governo que agrave — com suas surpresas e imprevisões — as incertezas, previsões e ônus da atividade empresarial”[17] .

Em tais condições, a única conclusão possível é no sentido de que o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, não sofreu até o momento revogação, o que implica na imposição do limite de 20 salários com relação à base de cálculo das contribuições destinadas aos terceiros.

[1]

[2] – “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

[3] – “Art. 212 (…) § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei. 

[4] – “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”

[5] – Não incluiremos o SENAR, pois este é tributado sobre a receita bruta da produção e não sobre a folha de salários e/ou remuneração (art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991).

[6]  STJ, REsp 953.742/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 10/03/2008.

[8] – não se pretendeu um levantamento exaustivo da jurisprudência, podendo existir outras decisões.

[9] – STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.570.980/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, publicado em 03/03/2020.

[10] – “TRIBUTÁRIO.  MANDADO DE SEGURANÇA.  CONTRIBUIÇÕES AO INCRA, SENAC, SESC, SEBRAE e FNDE.  ART. 4º DA LEI Nº 6.950/1981.  LIMITE MÁXIMO DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. REVOGAÇÃO EXPRESSA PELO DECRETO Nº 2.138/1986.   DESPROVIMENTO DO APELO” (TRF 5ª REGIÃO, PROCESSO: 08114612220194058300, AC – Apelação Civel – , DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª Turma, JULGAMENTO: 12/02/2020).

[11] – “AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A TERCEIROS. ENTIDADES NÃO ATUANTES NA EXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ARTIGO 4º, § ÚNICO, DA LEI 6.950/81. LIMITAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO REVOGADA PELA LEI 8.212/91. RECURSO DESPROVIDO” (TRF 3ª, 1ª Turma,  AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5025773-73.2019.4.03.0000, Rel. Juiz Federal Convocado NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA, julgado em 17/02/2020, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 20/02/2020)

[12] – “Art. 105. Revogam-se as disposições em contrário”.

[13] BOBBIO, Norberto. Teoria generali dl diritto. Torino: Giappichielli, 1993. P. 220-221. NEVES, José Roberto de Castro. Uma introdução ao Direito Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: GZ, 2019. P. 33-32.; TORRENTE, Andrea. SCHELENSINGER, Piero. Manuale di Diritto Privatto. 24. Ed. Milano: Giuffré Francis Lefebvre,  2019. .p. 41.

[14] – RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 4ª ed. Atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: RT, 1997. P. 338. V. 1.

[15] – CALCINI, Fábio Pallaretti. Princípio da legalidade: reserva legal e densidade normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016

[17] – GERALDO ATALIBA ‘in’ República e Constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 175.

Autores

  • é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

  • é advogado sócio de Brasil Salomão e Matthes advocacia, graduado em direito pela Unesp, em ciências contábeis pela universidade Moura Lacerda e especialista em direito tributário pelo Ibet. Professor de cursos de pós-graduação e extensão. Advogado tributarista com atuação no setor consultivo e de revisão fiscal.

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