Opinião

Eleições e Covid-19: o que aprendemos com o ebola

Autor

  • Anthony Banbury

    é presidente da International Foundation for Electoral Systems (IFES). Em 2014 atuou como representante das Nações Unidas na resposta de emergência ao ebola.

15 de abril de 2020, 10h00

Em 2014, a epidemia do Ebola assolou o Oeste da África. Era um ano eleitoral crucial para a Libéria, que tinha passado por uma guerra civil devastadora, o que fragilizou a via democrática do país — e essa via tênue foi subitamente ameaçado por uma crise de saúde pública.

Diante das incertezas e depois de dois adiamentos, o governo de Ellen Johnson Sirleaf (presidente da Libéria na época) tomou a corajosa decisão de dar prosseguimento ao processo eleitoral. Essa decisão foi crucial para garantir a continuidade do governo e para manter a frágil paz na Libéria.

Sem eleições, os mandatos de metade dos senadores teriam terminado sem sucessão, o que poderia desencadear uma crise constitucional. Com eleições, a evolução democrática da Libéria poderia continuar. Minha organização, a International Foundation for Electoral Systems (IFES), estava lá para apoiar a Comissão Eleitoral da Libéria ao longo de todo o processo.

As lições que tiramos da eleição bem-sucedida na Libéria em 2014 são relevantes hoje, quando governos de todo o mundo enfrentam a ameaça comum da Covid-19.

A primeira lição é a de que eleições são possíveis mesmo diante de condições perigosas de saúde pública, se as autoridades eleitorais trabalharem em conjunto com as autoridades de saúde, segurança e de outros setores-chave. A segunda é que as eleições são necessárias para proteger direitos democráticos, em tempos em que um poder estatal significativo está concentrado nas mãos do poder executivo para o exercício de medidas emergenciais. E, por fim, as eleições devem ser preservadas em tempos de crise, por serem a base da confiança dos cidadãos no poder público e nas instituições.

Eleições são possíveis mesmo nos piores cenários de saúde pública. No auge da epidemia do ebola na Libéria, a IFES trabalhou junto à Comissão Eleitoral Nacional e especialistas de saúde para fazer a integração de uma série de medidas práticas, como o distanciamento social e a revisão de processos, para garantir o manuseio seguro dos papéis, carteiras de identidade, canetas, e outros materiais necessários para a eleição. Durante o treinamento para o dia das eleições, incorporamos uma atenção inédita no trabalho dos controladores de fila, que também tiravam a temperatura dos eleitores. E promovemos um esforço mais agressivo de conscientização eleitoral — tendo por base uma campanha abrangente de saúde — que se mostrou essencial para a mudança de comportamento dos eleitores.

Como resultado dessas medidas, as eleições ocorreram sem maiores transtornos ou consequências graves de saúde. A democracia da Libéria, em um momento crítico de sua evolução, pôde avançar, em vez de ter sido derrotada pela ameaça do Ebola.

Durante crises nacionais, eleições são essenciais por reforçarem as instituições democráticas e o Estado de Direito. Seu adiamento pode ter implicações sérias para a democracia, o poder e a governança, especialmente quando governos são autorizados a usar poderes excepcionais. Má condução ou manipulação das eleições durante uma crise dessa magnitude são um caminho aberto, no longo prazo, para o declínio das liberdades fundamentais, captura do estado e incentivo à corrupção. Como escreveu James Madison, arquiteto da Constituição dos Estados Unidos, “onde as eleições terminam, começa a tirania”.

Artigo originalmente publicado no site Devex.

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    é presidente da International Foundation for Electoral Systems (IFES). Em 2014, atuou como representante das Nações Unidas na resposta de emergência ao ebola.

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