Direito Civil Atual

Covid-19: Quais os prazos que se suspendem no processo civil?

Autor

  • Leonardo Carneiro da Cunha

    é professor associado da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) nos cursos de graduação mestrado e doutorado advogado e sócio do escritório Carneiro da Cunha Advogados.

14 de abril de 2020, 8h00

ConJur
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 313, de 19 de março de 2020, por meio da qual estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de plantão extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pela Covid-19, e garantir o acesso à justiça em tal período emergencial.

No artigo 5º da referida resolução, o CNJ determinou a suspensão dos prazos processuais até 30 de abril de 2020, sem prejuízo da prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente. A suspensão, prevista para até 30 de abril de 2020, pode ser estendida pelos tribunais, em respeito às condições locais ou regionais da propagação do vírus.

Os prazos processuais estão, enfim, suspensos. Mas o que são prazos processuais? Quais exatamente os prazos que estão suspensos pela mencionada resolução do CNJ?

Os prazos processuais, em cuja contagem somente se computam dias úteis (CPC, art. 219), são aqueles destinados à prática de atos dentro do processo, sendo nele contados. O prazo que tem início, desenvolve-se e encerra-se no processo é um prazo processual, sofrendo, inclusive, a incidência do disposto no art. 313 do CPC e suspendendo-se se ocorrer uma das hipóteses ali previstas (CPC, art. 221). Não importa se o ato a ser praticado é processual ou material; o que importa é que o prazo seja processual, vale dizer, que inicie, corra e termine no processo.

O que há de ser processual é o prazo, e não o ato a ser praticado. Tanto isso é verdade que, na ação de exigir contas, o prazo de quinze dias para que o réu as preste ou para que ofereça contestação (CPC, art. 550) é contado da mesma forma para qualquer uma das opções que exerça: se for prestar contas ou se for contestar, o prazo de quinze dias será, de um jeito ou de outro, contado apenas em dias úteis. Não importa que ato deva ser praticado; é irrelevante que o ato seja material ou processual. O que importa é que o prazo, e não o ato, seja processual, isto é, flua no próprio processo.

Daí por que o prazo para pagamento no cumprimento da sentença é processual, pois é contado no processo. Nesse sentido, o enunciado 89 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal: “Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC”.

O prazo de cinco dias previsto no art. 935 do CPC, entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento também é processual, correndo apenas em dias úteis.

O Superior Tribunal de Justiça, revelando a dificuldade de se fazer distinção entre prazos processuais e prazos materiais, e considerando as finalidades da recuperação judicial, entendeu que, no âmbito da Lei nº 11.101/2005, “os prazos de 180 dias de suspensão das ações executivas em face do devedor (art. 6, § 4º) e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial (art. 53, caput) deverão ser contados de forma contínua” (STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp 1.774.998/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19.9.2019, DJe 24.9.2019). No mesmo sentido: STJ, 3ª Turma, REsp 1.698.283/GO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21.5.2019, DJe 24.5.2019; STJ, 4ª Turma, REsp 1.699.528/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.4.2018, DJe 13.6.2018.

A contagem do prazo em dias úteis somente se aplica aos prazos processuais, ou seja, àqueles que são praticados no processo, tendo sua contagem computada dentro de um processo já existente. Desse modo, o prazo para impetração do mandado de segurança não é processual, não sendo computado apenas nos dias úteis. Os 120 dias para sua impetração devem ser corridos. O prazo para ajuizamento de ação rescisória também não é processual, além de não ser fixado em dias, mas em anos.

No processo eletrônico, as intimações são feitas por meio eletrônico em portal próprio, sendo realizada no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, ou quando decorrido o prazo de dez dias corridos, contados da data do envio da intimação (Lei 11.419/2006, art. 5º, §§ 1º a 3º). Feita a intimação, considera-se o primeiro dia do prazo “o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica” (CPC, art. 231, V). A contagem desse prazo de dez dias é corrida, e não apenas em dias úteis. Se bem que seja um prazo processual, o § 3º do art. 5º da Lei 11.419/2006, menciona expressamente que o prazo será de dez dias corridos. Há, ali, então, uma regra especial, que excepciona a aplicação da regra geral do art. 219.

A essa altura, já se pode ter uma noção geral do que seja um prazo processual. Somente os prazos processuais estão suspensos pela resolução do CNJ.

A suspensão determinada pelo CNJ alcança o prazo para pagamento no cumprimento de sentença, pois esse é, como visto, um prazo processual. De igual modo, é processual o prazo para oferecer embargos à execução, tanto que é contado apenas em dias úteis. Logo, tal prazo está igualmente suspenso.

Há um problema a ser destacado.

Vários tribunais estão realizando sessões remotas, em ambiente virtual, com o julgamento de ações ou recursos que se sujeitam à inclusão em pauta de julgamento. Nesse caso, é preciso observar o prazo de cinco dias a que se refere o art. 935 do CPC. Em outras palavras, o prazo de cinco dias estabelecido entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento é processual, correndo apenas em dias úteis. Por isso, está suspenso pela determinação do CNJ. Não há como ser computado tal prazo.

Se tal prazo não corre, significa que ele não foi observado. Sua inobservância acarreta nulidade do julgamento, segundo entende o STJ em jurisprudência consolidada. Se, porém, não houver prejuízo, não há razão para anulação. Se a pauta for publicada com antecedência e os advogados tiverem ciência, não impugnando a inclusão em pauta, o julgamento poderá ser preservado e não anulado. Se, porém, o advogado impugnar, mas, ainda assim, ocorrer o julgamento, poderá demonstrar prejuízo e, então, o julgamento haverá de ser anulado. Vale registrar que o prejuízo não se limita ao cabimento de sustentação oral na sessão de julgamento, já que ao advogado — em pleno exercício de seu múnus de defender seu cliente, em observância ao devido princípio legal e ao contraditório — é permitido fazer uso da palavra em qualquer julgamento para esclarecimentos de fato (Lei nº 8.906/1994, art. 7º, X). Desse modo, caso se requeira o reconhecimento da nulidade do julgamento, acompanhando de demonstração de prejuízo (v.g., não conseguir acompanhar a sessão, realizar sustentação oral, fazer esclarecimento de fato etc.), é caso de decretação da nulidade.

Convém observar, ainda, se a suspensão determinada pelo CNJ alcança ou não os prazos estabelecidos em calendário processual celebrado entre as partes e o juiz (CPC, art. 191). Não há dúvidas de que os prazos fixados no calendário processual são processuais, pois são computados dentro de um processo em curso. A suspensão determinada pelo CNJ alcança os prazos do calendário, que deverão começar a correr a partir do primeiro dia útil após o término da suspensão.

Tal suspensão pode desarrumar o calendário ou dificultar seu cumprimento, pois, muitas vezes, se fixam datas específicas para a prática dos atos, em vez de se estabelecer prazos a serem cumpridos. Em vez de observarem a suspensão e voltarem a contar os prazos fixados no calendário a partir do término do período de suspensão, as partes podem, juntamente com o juiz, refazer o calendário. É possível, até mesmo, que convencionem que o calendário não seja afetado com a suspensão de prazos.

O CNJ determinou a suspensão de prazos, e não de processos. Logo, não está vedada a prática de atos processuais, não incidindo o disposto no art. 314 do CPC. Significa que as partes podem convencionar que a suspensão de prazos, prevista na Resolução nº 313, de 2020, do CNJ não se aplica a seu processo. Isso serve, inclusive, ao prazo de cinco dias previsto no já mencionado art. 935 do CPC, contribuindo para que os julgamentos em sessões virtuais possam ocorrer.

Quando entrou em vigor, o atual CPC passou a prever que, na contagem dos prazos processuais, só se computam os dias úteis. Passou, então, a ser relevante entender o que é um prazo processual, pois, na sua contagem, são considerados apenas os dias úteis. Com a edição da Resolução nº 313, de 2020, do CNJ reforçou-se a necessidade de investigar o que são prazos processuais, pois somente eles é que estão suspensos.

Estão, enfim, suspensos apenas os prazos processuais.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA e UFRJ)

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!