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Comentários sobre a Medida Provisória 946

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14 de abril de 2020, 6h04

A Medida Provisória 946, de 7 de abril de 2020, extingue o Fundo PIS/PASEP instituído pela Lei Complementar 26, de 11 de setembro de 1975, transferindo seu patrimônio para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Os valores que possuem os participantes do fundo passam a ser individualizados em suas contas do FGTS, sendo que o objetivo principal é o de que tenham eles autorização temporária para entre 15 de junho de 2020 e 31 de dezembro de 2020, em razão do enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus, de que trata a Lei 13.079/2020, sacarem recursos até o limite de R$ 1.045,00 por trabalhador.

A medida, quanto ao seu mérito, parece-me de grande relevância para auxiliar os trabalhadores nesse momento crucial pelo qual passa o país, mas vejo certas dificuldades para ser ela aprovada pelo Congresso Nacional, o qual, no prazo de 60 dias, deverá apreciá-la e, se não for esse prazo prorrogado, terminará em 7 de junho, sendo que os valores poderão ser retirados a partir de 15 de junho. Ou seja, se o Congresso não aprovar a medida, nem prorrogar seu prazo, estarão todos os trabalhadores dependendo de uma verba que não vão receber.

Mas qual seria a possibilidade de o Congresso não aprovar uma matéria de interesse social da maior importância para todos, não só socialmente, mas mesmo na área econômica?

É preciso analisar a viabilidade da medida provisória. Está ela extinguindo o Fundo PIS/PASEP, criado por lei complementar.

Pode uma medida provisória extinguir uma um fundo criado por lei complementar? Parece-me que já existiram alterações de leis complementares por medidas provisórias, mas poderá ser extinto o Fundo PIS/PASEP , em sua integralidade dessa forma?

Surge em mim uma dúvida que, me parece, deve ser melhor apreciada. É que a lei complementar, para ser aprovada, depende de maioria absoluta do Congresso Nacional, enquanto a medida provisória depende de maioria simples.

Então aflora a questão, pois há vários tipos de quórum para aprovação de matérias no Congresso Nacional. O mais comum é o de maioria simples, exigido para aprovação de projetos de lei ordinária, de resolução e de decreto legislativo, bem como de medida provisória, que pode mesmo ser aprovada por votação simbólica.

Entretanto, projetos de leis complementares estão entre os que requerem maioria absoluta no Congresso Nacional, definida como o primeiro número inteiro superior à metade, ou seja, 41 senadores e 257 deputados.

Dessa forma, corre o risco a medida de não ser aprovada, pois como será possível revogar uma lei complementar por uma medida provisória se a primeira é formada por maioria absoluta e a outra por maioria simples?

Mas há algo mais complexo ainda com a Medida Provisória n. 946. É que o artigo 239 da Constituição expressa que:

"A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar n. 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar n. 8, de 3 de dezembro de 1970, passa a partir da promulgação desta Constituição a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego, outras ações da previdência social e o abono de que trata o parágrafo 3º deste artigo" (redação da EC 103/2019).

Esse artigo da Constituição, que não foi nem poderia ser revogado por medida provisória, admite alterações legais no PIS/PASEP com relação aos termos de sua arrecadação a ser utilizada no financiamento do programa de seguro-desemprego, mas, como afirmou a ministra Ellen Graacie no ACO 546 DJE 10.11.2011:

"O ARTIGO 239 DA CF DE 1988 CONSTITUCIONALIZOU O PASEP, CRIADO PELA LC 8, DE 3 SDE DEZEMBRO DE 1970, DANDO-LHE UM CARÁTER EMINENTEMENTE NACIONAL, COM AS ALTERAÇÕES NELE ENUNCIADAS".

Ora, o PIS/PASEP foi constitucionalizado pelo artigo 239 da Constituição, não podendo ser ele extinto por uma medida provisória, sem força para tanto.

São nessas dificuldades que verifico a possibilidade de não ser aprovada a Medida Provisória n. 946, mas, tendo em vista seu caráter social e de saúde do trabalhador brasileiro, e seu mérito de tal relevo, teria uma sugestão a fazer ao governo.

Dentro do possível, creio que o presidente da República deveria baixar uma alteração à Medida Provisória 946, afirmando que o prazo para requerer o valor possível será de 5 de maio a 5 de junho, pois, se assim for, mesmo que a medida não seja aprovada nos 60 dias, como estará em vigor até 7 de junho estarão os trabalhadores com a possibilidade de levantar o valor a que têm direito, sendo que, certamente, por levantarem no prazo em vigência da medida, e em época de emergência como esta, jamais terão a obrigação de efetuar qualquer devolução.

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