Opinião

É chegada a hora de dar incentivo fiscal a médicos intensivistas

Autor

  • Cleide Regina Furlani Pompermaier

    é procuradora do município de Blumenau especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional-RS membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo Financeiro e Tributário (Ibdaft) e autora da obra O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos.

13 de abril de 2020, 18h06

O momento é de aflição. Sabe-se que o mundo não será mais o mesmo após essa crise sanitária e biológica com fortes pitadas de guerra, que está trazendo um abalo à nossa sociedade, já muito afetada nesses últimos anos por instabilidades econômicas e polarizações políticas.

O artigo 196 da Constituição Federal, prevê que:

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Como se pode perceber, a nossa Carta Magna é clara ao dispor que saúde é direito de todos e dever do Estado. O dever do Estado aqui é o de tutelar a população com medidas que visem a promover, proteger e recuperar a saúde.

Nestes tempos de Covid-19, o que mais tem-se visto são pessoas, das janelas, incentivando os médicos com palavras carinhosas, salvas de palmas e canções de otimismo. São ações louváveis, mas principalmente os médicos intensivistas estão a precisar mais do que mensagens de apoio.

São os reis e as rainhas da bateria de uma escola de samba. Ou seja, são os protagonistas da história, lembrando apenas que os primeiros podem desistir de seu ofício, enquanto os médicos intensivistas não têm essa liberdade de escolha, até porque esse foi o juramento desses profissionais no momento de sua graduação.

É necessário que os entes tributantes abram os olhos para essa classe em particular, concedendo incentivos fiscais a esses profissionais a fim de estimular outros médicos a trabalhar na árdua tarefa de combater a Covid-19 nos Centros de Tratamento Intensivo (CTIs). O incentivo fiscal serve exatamente para que uma determinada conduta seja estimulada em prol de uma causa que vise a promover, proteger e recuperar a saúde e essa motivação, no caso, é a preservação de vidas humanas. Quantos mais médicos, mais vidas.

Esses incentivos fiscais podem vir em forma de isenção de tributos enquanto durar a crise aguda da pandemia da Covid-19. A regra é a tributação e a exceção é a isenção. Dessa forma, para isentar é necessário que o incentivo fiscal tenha uma finalidade clara e objetiva e prazos definidos por lei, devendo ser afastada a ideia de privilégio e de pessoalidade.

  Reza o artigo 104, inciso III, do CTN que:

"Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:

(…)

III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178".

O artigo 104, inciso III, do CTN exige, por exemplo, que em caso de isenção deve ser observado o princípio da anterioridade, mas também diz que a lei pode dispor em sentido contrário, ou seja, a lei do ente tributante que versará sobre a isenção poderá isentar os médicos intensivistas do Imposto de Renda, por exemplo, no momento em que a lei for publicada.

O Brasil fortaleceu o costume de conceder incentivos fiscais a grandes grupos econômicos a seu bel prazer, sem qualquer contestação e sem necessidade. São concedidos mais por pressão dos empresários do que necessariamente pela existência de uma razão que ampare a benesse. Tais condutas, infelizmente, perduram por anos, não havendo sequer o cumprimento quanto ao prazo de encerramento dessas concessões dos respectivos estímulos.

Vale ressaltar, ademais, que, em regra, os incentivos fiscais implicam renúncia de receita, o que leva à necessidade de previsão dos impactos orçamentários, em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. No atual momento, porém, tal requisito resta mitigado, posto que com a decretação do estado de calamidade no Brasil pelo Congresso Nacional [1] e com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, proferida no dia 29 de março de 2020, na medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.357 [2], que afastou a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação da Covid-19, os entes federados, em nosso entendimento,  estão autorizados a editar lei em regime de urgência concedendo isenção de tributos aos médicos intensivistas, desde que obedecidos os critérios da lei para isenção prevista nos artigos 176 a 179 do Código Tributário Nacional, até o fim da crise aguda da pandemia do coronavírus.

O tratamento tributário diferenciado que pode ser deferido aos médicos intensivistas nesse período de Covid-19, por meio de concessão de incentivos fiscais consubstanciados na isenção tributária de determinados tributos, está fundamentado na necessidade de que mais profissionais sejam atraídos a trabalhar para a causa da vida. Os médicos intensivistas estão servindo ao país, estimulando o comportamento de salvar vidas e colocando a deles em risco.

E por qual motivo o estímulo fiscal deve agraciar, ao menos em princípio, somente os médicos intensivistas? Porque são eles que estão na linha de frente nessa pandemia e porque todos nós dependemos deles para viver, motivo pelo qual a medida excepcional se faz necessária neste momento de crise. As reformas, aliás, são filhas da crise.

REFERÊNCIAS:
Artigo 196, da Constituição Federal

Artigo  104, inciso III, do Código Tributário Nacional

Decreto Legislativo nº 06/ 2020. Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/decreto-legislativo-2020-coronavirus-1.pdf>. Acesso em 02 de abril de 2020.

Ação direta de inconstitucionalidade nº 6.357

Artigos 176 a 179, do Código Tributário Nacional

 


[1] Decreto Legislativo nº 06/ 2020. Disponível no seguinte endereço eletrônico <https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/decreto-legislativo-2020-coronavirus-1.pdf>. Acesso em 02 de abril de 2020.

[2] CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR na presente ação direta de inconstitucionalidade, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, Diante do exposto, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR na presente ação direta de inconstitucionalidade, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, para CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL, aos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19. Ressalto que, a presente MEDIDA CAUTELAR se aplica a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19.

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    é procuradora do município de Blumenau, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (IBDAFT).

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