Opinião

Suspensão por acordo individual e por acordo coletivo

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13 de abril de 2020, 14h51

Com a edição da Medida Provisória nº 936, o Governo Federal deu importante passo em direção à proteção dos empregos, quer seja de forma imediata pelo incentivo à redução das jornadas ou suspensão do contrato de trabalho, quer seja de forma mediata através da garantia de emprego e, principalmente, buscando formas de desoneração dos empregadores que podem ajudar no reerguimento da empresa em particular e da economia de uma forma geral.

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Na referida legislação foram criadas as possibilidades de redução da jornada de trabalho, com redução proporcional dos salários, e de suspensão do contrato de trabalho, em ambos os casos com pagamento pela União, através do Ministério da Economia, do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Visando possibilitar a maior abrangência possível ao referido programa foi prevista a possibilidade dessas alterações provisórias do contrato de trabalho serem feitas por acordo individual, embora com condições menos amplas do que aquelas previstas para a previsão em norma coletiva. No entanto, em decisão liminar monocrática proferida na ADI 6363/DF, foram suspensas todas as possibilidades de alteração individual do contrato de trabalho para propiciar redução salarial, determinando-se, através da técnica de interpretação conforme, que os acordos individuais devam ser submetidos ao Sindicato para a respectiva chancela ou início de negociação coletiva. Este artigo se propõe a analisar esta nova realidade criada por decisão do STF.

Sempre com o objetivo claro de preservar os empregados tanto a curto como a médio prazo, a Medida Provisória n. 936/20 trouxe a previsão de importantes instrumentos para a manutenção das empresas no período de pandemia do coronavírus, sem se descuidar da manutenção da remuneração pelos empregados, mostrando não somente uma preocupação econômica mas também social.

Previu dois instrumentos diversos, quais sejam, a redução da jornada de trabalho e a suspensão do contrato de trabalho.

A redução da jornada de trabalho com redução de salário tem seu âmbito de aplicação para aquelas atividades que, não obstante tenham sido impactadas pela crise de saúde, ainda permanecem ativas de algum modo, com mera redução de seu volume. Aos atores sociais, nessas atividades empresariais, foi facultada a realização de acordos para a redução da jornada com redução proporcional dos salários.

Com a redução dos salários, de acordo com as faixas de 25%, 50% ou 70%, o empregado se habilita para receber o Benefício Emergencial, cujos valores seguem os mesmos critérios de cálculo do seguro desemprego, observando-se a proporcionalidade da redução do salário. Para tanto o acordo individual ou coletivo que deverá ser comunicado ao Ministério da Economia e ao Sindicato em 10 (dez) dias. No caso de acordo individual, o Sindicato poderá se opor no prazo de 10 (dez) dias, iniciando uma negociação coletiva, segundo a decisão proferida na ADI 6363/DF. Acaso não se oponha ou se permanecer em silêncio, presume-se chancelado o acordo individual realizado, ainda segundo os termos da decisão liminar já citada.

A suspensão do contrato de trabalho também deve ser feita por acordo, seja individual ou coletivo, com comunicação posterior ao Ministério da Economia e ao Sindicato nos mesmos moldes da redução da jornada de trabalho, inclusive quanto aos termos da medida liminar proferida na ADI 6363/DF.. Neste caso, o Benefício Emergencial é calculado pelos critérios do seguro desemprego sem a proporcionalidade prevista para a redução de jornada, exceto para os empregadores com faturamento no ano de 2019 superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), situação na qual o Benefício Emergencial será de 70% do seguro desemprego com pagamento, obrigatório, de ajuda compensatória mensal de 30% do salário do empregado.

No caso da suspensão do contrato não poderá haver qualquer forma de prestação de serviços pelo empregado, ainda que em home office, sob pena de descaracterização da suspensão e assunção dos salários pelo empregador como se o empregado estivesse na plenitude de seu contrato de trabalho.

Em ambos os casos o empregado gozará de garantia provisória de emprego não somente durante a vigência do acordo, mas também pelo mesmo tempo que durar o uso do instrumento de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho a partir do retorno à plena atividade.

Além disso, para ambos os instrumentos é prevista a possibilidade de pagamento de ajuda compensatória mensal pelo empregador, a ser estipulada no acordo, que não terá natureza salarial e poderá ser deduzida do imposto de renda para aqueles que optam pela tributação sobre o lucro real.

Em linhas gerais essas são as características dos instrumentos previstos pela MP 936/20. Porém, a própria norma prevê alcance diferenciado para os acordos individuais e coletivos em relação aos referidos instrumentos, o que parece não mais fazer sentido ante os termos da decisão proferida na ADI 6363/DF pois se o acordo individual somente valerá mediante chancela sindical não há motivos para continuar tendo um alcance limitado em relação ao acordo coletivo.

Nitidamente a MP 936/20 privilegia a norma coletiva em detrimento do acordo individual ao estipular limites mais elásticos tanto para a redução da jornada como para a suspensão do contrato de trabalho. Apesar de privilegiar o princípio da negociação coletiva reconhece a sua impossibilidade em determinadas relações na inédita crise de saúde em que vivemos. Isto porque vários empregadores teriam dificuldades de estabelecer normas coletivas neste momento, até mesmo pela dificuldade de negociação das referidas normas como consequência do isolamento social recomendado a todos, aspecto desprezado pela decisão proferida na ADI 6363/DF

Como consequência, a MP 936/20 previu a polêmica possibilidade de redução de salários e jornada por acordo individual, instrumento que claramente teria amplo debate à luz do artigo 7º, inciso VI da Constituição Federal que prevê a irredutibilidade dos salários ressalvando apenas as normas coletivas, debate esse iniciado nos autos da ADI 6363/DF, cuja decisão liminar deu interpretação conforme aos § 4º do art. 11 da MP 936/20 para estabelecer a possibilidade do sindicato se opor ao acordo individual, inaugurando a negociação coletiva.

Se é certo que a literalidade do inciso VI do art. 7º da Constituição possibilita a interpretação pela inconstitucionalidade das previsões de redução de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho por acordo individual, é mais certo ainda que a situação vivida atualmente a nível mundial foge, em muito, de uma situação de normalidade.

Vale lembrar, neste aspecto, a advertência célebre de Georges Ripert: “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.

As medidas trazidas pela MP 936/20 tinham claramente o intuito de evitar as demissões e se atentavam, ao prever o acordo individual para situações limitadas, para a dificuldade de grande parte dos empregadores de empreender uma negociação coletiva, mormente num ambiente de isolamento social. Tome-se, como exemplo, os empregadores domésticos para os quais é difícil imaginar uma negociação coletiva com o Sindicato Profissional respectivo.

A par disso, a experiência dos poucos dias de vigência da MP 936/20 foi de recusa à negociação coletiva pela maior parte dos sindicatos, não deixando muitas escolhas às empresas para a manutenção dos empregos mediante a adoção das medidas paliativas previstas naquela medida provisória.

Desta forma, sem recair no tom apocalíptico tão em voga atualmente, parece que subtrair a possibilidade do acordo individual terá como consequência a adoção de medidas mais extremas pelas empresas com a finalidade de sobreviverem à crise, mormente daquelas de pequeno e médio porte, incluindo-se os empregadores domésticos.

Além disso, a interpretação conforme criou uma nova norma sem a necessária organicidade na medida em que, claramente, a MP 936/20 deu aos acordos coletivos maior abrangência do que aos acordos individuais partindo, justamente, das premissas de que a intervenção sindical deveria ser privilegiada.

Agora, com a interpretação conforme dada pela medida liminar na MP 936/20, as diferenças entre os acordos individuais e o coletivo não mais fazem sentido pois em ambos haverá não somente a intervenção do sindicato como também a necessidade de sua chancela, ainda que tácita pelo seu silêncio.

Por fim, em que pese já ser um debate esperado, a inconstitucionalidade declarada inicialmente pelo STF mereceria um debate mais amplo, atentando-se para as condições de fato e jurídicas em que a suposta redução salarial, vedada pelo inciso VI do art. 7º da Constituição, está ocorrendo.

Digo suposta porque o Governo, através da MP 936/20, adotou sistemas em que a redução salarial é compensada pela concessão de Benefício Emergencial de forma a manter, dentro de limites possíveis, o padrão de ganho do trabalhador.

Some-se a isso a possibilidade de concessão de ajuda compensatória pelo empregador, obrigatória nos casos em que a empresa tenha faturamento superior a R$ 4.800.000,00, situação em que a ajuda deverá ser de pelo menos 30%.

Em suma, a MP 936/20 não previu uma simples possibilidade de redução salarial proporcional à redução de jornada, ao contrário, previu uma série de medidas a fim de preservar os ganhos do trabalhador, quer seja com a concessão do Benefício Emergencial pelo Governo, quer seja com a ajuda compensatória pelo empregador, de forma que seja atendida à finalidade precípua do inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal, qual seja, a manutenção das necessidades básicas do trabalhador, sustentadas pelo salário que tem justamente esse caráter alimentar.

Trata-se de técnica semelhante àquela prevista no artigo 476-A da CLT.

E esse aspecto não pode ser desprezado na análise de constitucionalidade da MP 936/20, qual seja, de que o inciso VI do art. 7º da Constituição tem uma finalidade ligada à natureza alimentar do salário, ou seja, não se garante o salário por si, mas por sua finalidade alimentar que restou protegida pela adoção do Benefício Emergencial e da ajuda compensatória.

Por fim, é importante lembrar que os acordos coletivos firmados antes da edição da MP 936 que tenham previsão de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho podem ser adequados aos seus termos, na forma do § 3º do art. 11 da MP 936, desde que a adequação seja feita no prazo de 10 (dez) dias a partir da publicação da medida provisória, ou seja, até o dia 11/04/2020.

Portanto, a interpretação conforme ao § 4º do artigo 11 da MP 936/20 de forma a conferir aos sindicatos a prerrogativa de chancela dos acordos individuais nas hipóteses já limitadas previstas pela referida norma, além de não se atentar à realidade mundial vivida atualmente, dá à referida norma uma incongruência evidente com relação ao alcance diferenciado entre os acordos individuais e coletivos e, pior do que isso, despreza o fato das medidas adotadas preverem a manutenção das necessidades básicas do trabalhador, sendo todas tendentes à manutenção do nível de ganhos, seja por intermédio do Governo, seja por intermédio do próprio empregador, o que deveria ter sido levado em consideração na análise de constitucionalidade dos dispositivos.

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