Opinião

Projetos de lei podem acabar com instituições privadas de ensino

Autor

  • Paulo Bandeira

    é advogado Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e membro da Comissão de Responsabilidade Civil e da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

13 de abril de 2020, 13h33

Na contramão do que se tem visto em outras medidas legislativas que vêm acertadamente ou não interferindo nas relações entre particulares, tais como a suspensão do pagamento dos aluguéis e a postergação desses adimplementos para um período após os efeitos da pandemia, sem exonerar a obrigação dos inquilinos, conforme está sendo proposto pelo projeto de lei 1.179/2020, e que podem ser vistas como medidas de cunho social com o escopo de proteger notadamente os mais vulneráveis, isso não se vislumbra quando se tratam das mensalidades escolares.

É notório que todas as instituições de ensino do país, públicas e privadas, do ensino básico ao superior, tiveram suas atividades suspensas em respeito a diversos decretos estaduais que determinaram a interrupção da prestação de serviços educacionais por tempo indeterminado, de tal sorte que foram obrigadas a encerrar momentaneamente suas práticas presenciais.

Embora muitas dessas instituições tenham adotado medidas imediatas para minimizar a ausência da prestação do serviço educacional presencial, substituindo-o pelo virtual, empreendendo esforços para heroicamente, mesmo diante do tempo escasso a que foram submetidas, atender satisfatoriamente a seus alunos, é certo que esse não é um cenário alcançável para a maioria das escolas espalhadas pelo Brasil.

Grande parte das instituições de ensino não possuíam qualquer suporte para oferecer aos seus alunos esse serviço remoto, até porque não fazia parte da prestação do serviço, que essencialmente se dava de maneira presencial, sendo essa a realidade de escolas, faculdades e universidades públicas e privadas.

Desde então, sobretudo quando se trata da prestação educacional privada, que presta o serviço a partir da contraprestação de mensalidades pagas por pais e alunos, iniciou-se um debate sobre a continuidade do pagamento desses valores durante o interregno em que não está sendo oferecida a educação presencial.

Diante dessas dificuldades, em Estados como Paraná e Rio de Janeiro, bem como no Distrito Federal, vêm sendo propostos projetos de lei que visam a obrigar as instituições de ensino privadas de educação básica e superior a conceder descontos que variam de 30% a 50% dos valores das mensalidades durante o período de suspensão das aulas, tendo como justificativa que as escolas, faculdades e universidades particulares estariam oferecendo aulas virtuais e que, com os estabelecimentos de ensino fechados, seus custos seriam reduzidos, o que por via de consequência possibilitaria o abatimento das mensalidades.

Não obstante possa parecer um alívio aos pais de alunos e discentes que teriam uma redução das mensalidades, tais projetos de leis são tecnicamente inconstitucionais e moralmente populistas.

A intervenção na esfera privada, que é a relação contratual entre pais de alunos, alunos e instituições de ensino, somente pode ser feita pelo Congresso Nacional por meio de lei específica, e não pelos Estados, uma vez que, embora a prestação do serviço seja a educação propriamente dita, a competência para legislar sobre as relações intimamente ligadas ao Direito Civil não pode ser realizada pelas Assembleias Legislativas estaduais.

Esses projetos de lei também se mostram flagrantemente populistas, bastando analisar suas exposições de motivos para ver que são lastreados por conjecturas de que as escolas teriam uma redução dos gastos fixos de águia, luz e manutenção, e simplesmente apontam os descontos de 30%, 40% e até 50% sem qualquer fundamento que justifique esse desconto, apenas apontam que esses percentuais são condizentes com os eventuais custos que estariam reduzidos nesses meses em que as escolas estão fechadas.

Entretanto, percebe-se que esses percentuais são escolhidos aleatoriamente, sem qualquer justificativa econômica ou financeira e que apenas buscam oferecer uma falsa sensação de resposta ao grande público que utiliza as instituições de ensino particulares.

Percebe-se que os descontos que esses projetos de lei buscam são verdadeiras exonerações de pagamento dos valores devidos pelos contratantes, pois as instituições de ensino ainda estão obrigadas a cumprir o contrato de prestação de serviços educacionais e a atender ao que dispõe a Lei de Diretrizes de Bases (LDB), Lei 9.394/1996, sobretudo após a edição da Medida Provisória 934/2020, que propiciou às instituições de ensino básico e superior a alteração dos dias letivos, mas não da carga horária mínima, o que sinaliza que o serviço educacional deverá ser prestado.

Então pergunta-se: se as instituições de ensino particulares terão de prestar integralmente a carga horária determinada pela LDB e pela Medida Provisória 934/2020, e se o serviço será prestado após a adaptação dos currículos escolares, com o aumento da carga horária diária, aulas nos finais de semana e durante o período originalmente destinado às férias escolares, por que razão terá de oferecer descontos de 30% a 50%?

E mais: mesmo que hipoteticamente esses projetos de leis sejam aprovados, quem arcará com os custos dessa diferença nas mensalidades? Pois haverá a prestação integral do serviço, mas não haverá a contraprestação. Quem socorrerá financeiramente as instituições de ensino privadas?

O que essas medidas não estão levando em conta, não se olvidando do abalo econômico das famílias diante desse cenário de pandemia, é que mesmo diante de eventual inadimplemento de pais, alunos e contratantes, as instituições de ensino são obrigadas a prestar o serviço educacional até o fim do contrato, sem qualquer interrupção, e há norma legal específica que as obriga a prestar o serviço educacional até o fim do período contratado, conforme disciplina a Lei 9.870/1999, não podendo impor nenhuma penalidade pedagógica aos alunos pela falta de pagamento das mensalidades, ou seja, mesmo diante da inadimplência ordinária (em tempos normais) e da extraordinária (em tempos de Covid-19), nenhum aluno poderá ser impedido de assistir às aulas.

Vale dizer que os serviços contratados junto às instituições de ensino particulares são devidos pela anuidade ou pela semestralidade, e comumente o valor pecuniário total é parcelado mensalmente, justamente para facilitar o pagamento total, ou seja, a educação que será prestada no semestre ou durante o ano corresponde a uma quantia monetária única que é dividida mensalmente, sendo errado imaginar que se paga mensalmente pelos serviços prestados durante aquele mês.

Em outras palavras, a anuidade ou semestralidade continua devida se o serviço puder ainda ser prestado.

Assim, é aconselhável que instituições de ensino, pais e alunos tenham bom senso na tratativa de como serão repostas aulas e cargas horárias e como os pagamentos serão realizados para aqueles que forem prejudicados financeiramente pela pandemia. Essa é, inclusive, a orientação expedida pela Secretaria Nacional do Consumidor em sua nota técnica nº 14/2020, na qual reforça o despropósito de medidas que visem a impor aos prestadores de serviços educacionais qualquer pedido de desconto das mensalidades.

Portanto, oferecer descontos, que nesse caso particular se mostram como exoneração de pagamento, sem qualquer justificativa, levará as instituições de ensino à derrocada, culminando com a demissão de diversos profissionais da educação e, no curto prazo, poderá acarretar o fechamento e extermínio de centenas de escolas, faculdades e universidades do país.

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    é advogado, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e membro da Comissão de Responsabilidade Civil e da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR.

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