Opinião

Da inconstitucionalidade do Projeto de Lei 1.066 por discriminação de gênero

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12 de abril de 2020, 16h45

O PL 1.066/2020 (auxílio emergencial), recém-sancionado pelo Presidente da República, já apresenta um dispositivo inconstitucional, qual seja, o § 2º do artigo 2º, que estende uma proteção maior para as famílias monoparentais, assim dispondo:

Artigo 2º  Durante o período de três meses, a contar da publicação desta lei, será concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

§ 2º — A mulher provedora de família monoparental receberá duas cotas do auxílio.

De acordo com o dispositivo legal supracitado, o homem provedor exclusivo de uma família monoparental não terá direito ao pagamento da quota do auxílio emergencial em dobro, como ocorrerá com as mulheres.

Ainda se mantida a atual redação do dispositivo legal, o Estado estará afastando dessa proteção, que tem um caráter de subsistência, grande parcela da sociedade e, em especial, milhares de crianças inseridas em entidades familiares monoparentais, tão somente pelo fato de estas famílias não serem sustentadas por uma mulher.

Ressalte-se, não se trata de uma questão de igualdade de oportunidades, muito menos o que se levanta na discussão é se homens e mulheres possuem as mesmas condições de trabalho e a mesma valorização, mas, sim, o que se discute é a exclusão de um significativo número de pessoas da percepção de um direito por um critério de gênero, qual seja, ser mulher.

O artigo 5º da Constituição Federal, no seu primeiro inciso, declara expressamente que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

O artigo 226, §4, da Carta Magna estabelece o seguinte em relação à família monoparental:

§ 4º  Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O artigo 227 da Constituição Federal é enfático ao determinar prioridade e proteção absoluta à criança, ao adolescente e ao jovem, não fazendo qualquer menção ao tipo de entidade familiar em que esse menor, absoluta ou relativamente incapaz, está inserido.

Sabemos que a maioria esmagadora das famílias monoparentais é chefiada por mulheres, todavia esse dado estatístico não pode afastar o direito de pessoas de outros gêneros, e que são provedores exclusivos da sua entidade familiar, de receber um auxílio financeiro que, diga-se de passagem, pode ser vital para a manutenção e o sustento da sua família neste momento de limitação de circulação e isolamento.

O dispositivo legal ora questionado mostra-se obsoleto e incompatível com as novas configurações familiares hoje existentes, em que, em muitos casos, pessoas que não são do gênero feminino e outras que preferem muitas vezes não se encaixar numa identidade de gênero específica assumem a responsabilidade pela mantença dos filhos, de forma exclusiva e integral, em decorrência dos mais variados motivos, tais como divórcio e adoção.

Conforme o exposto, o fato de excluir o direito das demais entidades familiares monoparentais por uma questão exclusiva de gênero ofende os artigos 5º, I, 226, §4º, e 227 da CF, eis que afasta a percepção do auxílio crianças que não são sustentadas exclusivamente por mulheres, havendo a possibilidade de ser declarado inconstitucional o §2º do artigo 2º do PL 1.066/2020.

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