Opinião

Gargalos do sistema judicial: identificação, críticas e sugestões — Parte 2

Autor

12 de abril de 2020, 6h32

Estou empenhado em escrever uma série de artigos com objetivo de apontar porque a Justiça brasileira é ineficiente e antieconômica e apresentar sugestões, a partir da experiência cotidiana no exercício jurisdicional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o maior do país e dos maiores do mundo.

Um amigo advogado teceu comentário sobre uma conversa que teve, por telefone, com um juiz norte-americano, de quem teria indagado como era o Código de Processo que eles aplicavam, pergunta recebida com estranheza e respondida com um exemplo: alguém ajuizou uma ação, o que poderia ter feito há pelo menos trinta anos, e o juiz, verificando que o autor não teve nenhuma pressa em fazê-lo, assinalou à parte contrária prazo de seis meses para apresentar a sua defesa e contrariar as provas apresentadas pelo autor, após o que julgaria a causa, sem nenhuma complicação sobre condições da ação, pressupostos processuais, requisitos da petição inicial, valor da causa etc.

O sistema da common law, com o direito sendo construído a partir dos conflitos sociais, pelo sistema de precedentes, sugere inúmeras vantagens em relação ao nosso, sobre as quais vale a pena refletir.

O sistema da civil law é representado por um emaranhado de leis e regulamentos que a cada dia mais se agiganta, exigindo do operador do direito enorme esforço de pesquisa e de raciocínio para dele selecionar as normas jurídicas aplicáveis, segundo a hierarquia das normas, a sua vigência e aplicação no tempo e no espaço, a prevalência da norma especial sobre a geral, métodos de interpretação, de resolução de conflitos aparentes de normas, de integração da norma.

Uma dificuldade enorme para a perfeita subsunção do fato à norma jurídica preexistente e grande perplexidade quando se depara com fatos ou situações não previstos, aspectos novos decorrentes dos avanços da ciência e da tecnologia, com novidades que surgem todos os dias no meio social.

Já no sistema da common law, informado por princípios jurídicos adrede e bem assentados, as normas de conduta para as situações particulares vão brotando naturalmente da vida social, que a sociedade vai gradativamente incorporando, de modo que todos vão tomando consciência do que constitui direito seu e de outrem, em grande parte prevenindo conflitos e dispensando a necessidade de um mediador, que exsurge, episodicamente, como exceção, não como regra.

Esse sistema permite que causas cíveis sejam submetidas ao veredito de júri popular, pois o cidadão comum tem condições de aquilatar o que é justo e conforme ao direito segundo os valores vigentes e assentados na sociedade em que vivem.

Aqui também o vulgo tem essa percepção do que é justo ou injusto, correto ou incorreto, por um sentimento natural, influenciado pelos valores vigentes na sociedade.

Por esse prisma, a solução dos conflitos apresenta-se bem mais simples e mais compreensível, com a intuição mais intensa do direito na consciência das pessoas.

No nosso sistema, ao revés, o vulgo se vê perdido, quase nunca tendo consciência se tem ou não direito ou obrigação, nas inúmeras situações que a vida o coloca, porque submetido a um emaranhado de normas e de regras que ninguém sabe direito o que assegura ou deixa de assegurar.

Em outras situações, essa intuição é simples mesmo para o leigo, surpreendido e perplexo com soluções diversas que o tecnicismo jurídico apresenta ou impõe, incapaz de compreender.

Herdamos esse modo, extremamente sofisticado e ao mesmo tempo muito confuso de ordenamento da vida social, imediatamente dos nossos colonizadores e mediatamente dos outros sistemas de base romanística, passando a incorporar elementos dos sistemas jurídicos italiano, alemão e de outros povos.

Recentemente, tive oportunidade de examinar uma causa, envolvendo simples multa por infração a normas de defesa do consumidor, que exigiu raciocínio jurídico extremamente amplo e sofisticado, com grande desgaste de energia mental, que o vulgo poderia resolver com extrema facilidade, mas que o nosso sistema jurídico, com tantas normas e princípios, suscita questionamentos dos mais diversos, ainda que a multa questionada tivesse valor modesto, em torno de três mil reais.

Essa a evidência gritante da inoperância e inadequação do nosso sistema jurídico, que permite que uma causa de pequena expressão, embora com alguma relevância para as partes interessadas, a motivando a sua judicialização, exija da máquina judiciária, inclusive com as possibilidades intermináveis de incidentes e de recursos, um dispêndio infinitamente desproporcional à expressão econômica da demanda.

No entanto, estamos com a nossa mentalidade jurídica condicionada por esse sistema, incapaz de pensar diferente e de encontrar caminhos mais simples, racionais e eficientes para prevenir e para dirimir conflitos.

Muitos buscam o Judiciário simplesmente por não terem ideia se têm ou não um direito a ser protegido ou satisfeito, demandas agasalhadas por profissionais interessados no ganho ou que também não têm melhor convicção a respeito, confundidos todos com decisões judiciais em variados sentidos para causas idênticas ou semelhantes.

Aqui não se esboçam sugestões de solução, obviamente difícil e complexa, tampouco se sugere simples substituição – impensável – do nosso sistema da civil law pelo da common law, procurando apenas instigar as melhores cabeças jurídicas do País a pensar no assunto e a buscar formas mais simples e menos custosas para a solução dos conflitos, deixando para a estrutura mais sofisticada do Poder Judiciário, com os seus juízes bem selecionados e preparados, para as causas de maior complexidade e relevo.

A ideia de juízes leigos, colegiados como os júris populares, eleitos pela comunidade, como já acontece com os conselhos tutelares, na área da infância e da juventude, para dirimir conflitos de menor complexidade e importância, a partir de um senso comum e com dispensa de toda a filigrana jurídica que envolve a jurisdição ordinária, talvez pudesse ser melhor trabalhada.

Lembrando que todo o poder emana do povo, como pilar dos regimes democráticos, e que o Poder Judiciário não tem mandato popular, o julgamento das causas, também as cíveis de menor complexidade, por juízes leigos, eleitos, teria um sentido mais democrático, por melhor repercutir os sentimentos e aspirações sociais, sem as imposições de um poder não emanado diretamente do povo e sobre o qual este não dispõe de nenhum mecanismo de controle.

À consideração que puder merecer dos mais e dos menos doutos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!