Opinião

Soluções possíveis para salvaguadar os contratos de concessões e PPPs

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11 de abril de 2020, 6h04

Não há dúvida de que o mundo está diante de sua maior crise não só de saúde pública, mas também econômica, por conta de um evento raro e inusitado decorrente de uma pandemia causada pela Covid-19, que faz entre as suas vítimas fatais pessoas e também empresas.

Os efeitos desta crise não são capazes de serem captados pelo retrovisor da história vivida até aqui. Enfim, não é passível de comparação e simplificação com análises pretéritas e arquétipos anteriormente formados, seja de saúde pública, seja de economia. A crise é muito maior que o crack da Bolsa de 1929, cuja solução encontrada foi o New Deal.

A crise é mais grave que a imposta pelo pós-guerra, onde entre as soluções nasceu o Plano Marshall. É pior porque ela parou a economia de todos os países e não apenas de quem sofreu os efeitos do crack da bolsa ou participou da guerra. É pior porque ceifa vida em todos os países, independente de raça, credo, ideologia política e poder econômico.

É mais ou menos fenômenos como este, que o filósofo Nassim Taleb denomina como cisne negro. Este peculiar momento impõe respeito e reflexão pela crise, exatamente pelo seu desconhecimento. As soluções para a saída da crise não sairão dos manuais, quiçá, seus fundamentos, é preciso pensar out of the box, como dizem os ingleses.

As concessionárias de serviço público, entre elas aeroportos, portos, terminais rodoviários, metrôs, centros de convenção, parques urbanos, estacionamentos, estão entre os que mais sofreram com a queda abrupta e inimaginável de demanda. Acrescenta-se ainda, que muitos destes contratos alocam ao concessionário (e não ao Poder Concedente) o risco de demanda.

Esta prática parece ter pouca lógica, na medida em que parceiro privado não possui a menor condição de gerir risco desta ordem – pandemia mundial que acarretada queda brusca da demanda em todas as cadeias produtivas e de prestação de serviços – e não parece existir no mercado cobertura securitária integral para estes tipos de evento. Desta forma, a alocação do risco de demanda precisa necessariamente ser repensado após a pandemia, não que antes não houvesse razões para tal. Talvez esta seja uma primeira reflexão que a pandemia impõe aos contratos de concessões e PPPs.

Portanto, a pergunta que vários concessionários de serviço público, seja de concessão comum ou decorrentes de parcerias público-privadas (concessão administrativa ou patrocinada) é: Como seguir com a operação hoje e como será o day after do pós-crise?

Ao que tudo indica a teoria clássica da imprevisão adaptada do direito francês para o brasileiro não será capaz de fornecer resposta à grande maioria dos ajustes que os contratos de concessões e PPPs irão requerer. A Lei Federal nº 8.666/93, disciplina no art. 65, inciso II, alínea “d”, os fatores que ensejam o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo eles: (1) ocorrência de fato imprevisível ou previsível, porém de consequências incalculáveis, (2) força maior, (3) caso fortuito, (4) fato príncipe.

As soluções para os casos em que as situações acima capituladas na norma ocorrem costumam variar entre (a) acréscimo ou decréscimo de tarifa, (b) prorrogação do prazo da concessão, (c) pagamento de indenização. Assim, no contexto atual, a solução ortodoxa de reequilibrar o contrato, pode na grande parte dos casos impor a derrocada ou da concessionária ou do próprio Poder Concedente.

Do que adianta conceder aumento de tarifa para compensar a queda de demanda se o usuário não poderá fazer frente à nova tarifa por se tornar excessivamente onerosa a ponto de tornar proibitiva a utilização de serviço público essencial pelo usuário?

Qual o sentido de prorrogar um contrato em que a demanda atual e a projetada para o pós-crise é incapaz de cobrir os custos de operação denominados de OPEX (operational expenditure) e de investimentos Capex (capital expenditure)?

Parece, portanto, de que, que esse silogismo confirma a premissa lançada de que a solução para a continuidade dos contratos de concessões e PPPs está “fora da caixa” e, por corolário lógico é não está na solução tradicional de reequilíbrio. Nada obstante, por se tratar de serviço público é necessário evitar que as concessões entrem em colapso ou em panic mode.

É preciso que as concessões sejam entendidas como de fato são, públicas e não políticas, razão pela qual não se mostram adequadas soluções políticas já buscadas por governos anteriores, que tiveram o condão de alterar contratos administrativos com base no “canetaço”.

Exemplos disto não faltam, cita-se a MP 579/2012, editada pela então presidente Dilma, que reduziu unilateralmente a tarifa de energia elétrica, a recente destruição de praças de pedágios pelo Prefeito do Rio de Janeiro e a promessa de campanha do então candidato ao Governo do Paraná, Roberto Requião, de extinguir a cobrança de pedágios nas rodovias. Este último acabou ficando vencido pela justiça à época, quando na qualidade de governador eleito tentou levar à cabo a sua malfadada promessa de campanha.

Medidas como esta oneram a coletividade de usuários do sistema no futuro próximo e, especialmente aumentam o nosso risco regulatório e político, que sabidamente é precificado pelo mercado. Resumo da ópera: a prestação do serviço inevitavelmente se tornará mais cara para a população em razão deste ingrediente, leia-se, risco, adicionado pelo governo, além, é claro, da necessidade de recompor as quantias que deixaram de ser cobradas.

A lógica do contrato de concessão e PPPs é a de um fluxo de caixa (cash flow) que prevê a entrada de recursos decorrentes das receitas tarifárias, acessórias e contraprestações do parceiro privado, quando for o caso, e saídas decorrentes do Opex e Capex. Ao final do contrato, quando ocorrerá a reversibilidade do ativo concedido, a receita auferida pela concessionária deverá fazer frente à amortização de todos os investimentos e ainda propiciar retorno financeiro, que é medido pela TIR — taxa interna de retorno.

Com efeito, é fundamental que neste momento de crise os gestores públicos e os concessionários tomem medidas calibradas, dentro de um racional dialógico e consensual, pois afinal de contas a pandemia é passageira, ainda que seus efeitos deixarão consequências por algum tempo, ainda não se sabe o quanto. Contudo, os contratos de concessão são de longa duração, em média entre vinte e trinta anos, capazes, portanto, de absorver as consequências da crise com soluções criativas, às vezes out of the box, sem que isso os desnature na sua coluna vertebral — real objeto finalístico da concessão.

Não existe solução pronta e acabada para recalibrar os contratos de concessão e PPPs por conta dos efeitos da Covid-19. Talvez o principal ponto de atenção seja traçar métodos e parâmetros de racionalidade para o que vem sendo hodiernamente chamado de mutação dos contratos administrativos, ou como alguns preferem denominar de contratos vivos, orgânicos.

A longa duração dos contratos de concessão já impunha por si só a necessidade de mutação, pois a única certeza de que se tem em uma contratação para 30 anos é de que tudo irá mudar.  Estes contratos precisam estar abertos para isso, sob pena de colocar a Administração e o Concessionário em uma onerosa e ineficiente camisa de força, cuja ruptura as vezes é tolhida pelo controle, porque o enxerga por meio das lentes da Lei Federal nº 8.666/93, o que sabidamente é equivocado.

Mas, afinal, quais as soluções para enfrentar o cisne negro e evitar o panic mode?

(1) Concessionário e Poder Concedente precisam abandonar a relação adversarial e partirem para uma posição dialógica em busca da consensualidade e preservação dos contratos. Isso na maior parte dos casos implicará na mutação de parte do contrato, pois necessariamente estes contratos de concessão hão de serem incompletos, para assim estarem abertos às inovações e crises.

É preciso que se caminhe nesta linha evolutiva de mutação dos contratos administrativos, especialmente os de concessão e PPPs que possuem longa duração. E a direção a ser seguida neste caminho é o aperfeiçoamento dos instrumentos contratuais com a adoção de critérios finalísticos para acompanhar a qualidade do serviço que é efetivamente entregue para a população, porém em consonância com o fluxo de caixa do contrato de concessão.

(2) Os instrumentos contratuais e os aditivos que deverão ser realizados hão de estabelecer procedimentos ou ao menos um racional pelo qual estas alterações deverão se dar e os casos em que elas devem ser acionadas, pois afinal de contas o método clássico de reequilíbrio de contrato segue vigente e pode ser utilizado, quando o caso concreto comportar. Adianta-se, desde já que este racional pode derivar da confluência do art. 2ª da Lei Federal nº 9.784/99, que determina que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência e do seu inciso I, do parágrafo único, que preceitua que nos processos administrativo serão observados a atuação conforme a lei e o direito. A baliza para modular a atuação conforme a lei e o direito há de ser o art. 22 da Lindb, que preceitua que a atuação do Estado, deve sempre levar em conta “os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo.”

(3) Assim como o nazismo mudou a interpretação do direito à sua época, entende-se que os órgãos de controle e as Agências Reguladoras e Tribunais de Contas calibrem as suas decisões e recomendações, de acordo com este regime de direito de exceção criado pela pandemia do Covid-19. Para isso é fundamental que estes órgãos mais que nunca estabeleçam o contato, diálogo e orientação com aqueles que estão sujeitos ao seu controle. É evidente que a pandemia da COVID-19 impõe a flexibilização de algumas obrigações clausuladas nos contratos administrativos e na própria legislação.

(3.1) A recente publicação da Resolução Conjunta nº 01 de 27 de março de 2020 dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – Atricon, da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios – Abracon, da Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas — Audicon, do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas — CNPTC e do Instituto Rui Barbosa — IRB, demonstra que os órgãos de controle estão sensíveis ao momento que o país atravessa e orienta para a flexibilização do controle. Colaciona-se abaixo alguns dispositivos da resolução conjunta que corroboram com esta assertiva:

 

Art. 1º Recomenda-se a todos os tribunais de contas que atuem de forma colaborativa em consonância com o esforço coletivo, colocando-se à disposição dos jurisdicionados e dos demais poderes, buscando o alinhamento de soluções conjuntas e harmônicas, sobretudo com as autoridades sanitárias, bem como estreitando a interlocução de forma a possibilitar ações de parceria entre si.

Art. 2º O desempenho dos papéis de fiscalização e controle deve ser continuado adotando-se a cautela, a coerência e a adequação ao contexto da crise, preferencialmente de forma pedagógica, com a implementação, entre outras, das seguintes medidas:

XI – ponderar sobre a possibilidade de interpretação das regras da Lei nº 8666/1973, no tocante às dispensas e compras coletivas, em consonância com o art 22 da LINDB, resguardados os princípios gerais, em especial a razoabilidade e proporcionalidade, com o intuito de conferir segurança aos gestores;

XX – averiguar a possibilidade de renegociação de contratos terceirizados suspensos, visando à preservação de empregos, ou de adoção de medidas de flexibilização das cláusulas desses contratos;

Art. 7º Finalmente, recomenda-se que os tribunais de contas alertem os gestores, especialmente os chefes de executivo, no sentido que se avizinha uma grande crise econômica, de consequências duradouras, com queda de receitas e aumento de demandas, para que priorizem os gastos e investimentos públicos, qualificando-os e tendo em conta que o Poder Público será o grande indutor da recuperação econômica e minimizador da crise social.

(3.2) No mesmo sentido o TCE/SC, divulgou recentemente (26/03/2020)[1] em seu site algumas informações por conta da COVID-19, onde aquela Corte de Contas respondeu a seguinte indagação: Quais alterações contratuais podem ser realizadas para atender as situações não previstas e emergenciais? Podem ser incluídos novos serviços ou alterada a forma de prestação?

É recomendável que, antes de tomar qualquer outra providência, o órgão verifique se os contratos vigentes já poderiam atender as necessidades emergenciais ou calamitosas supervenientes, por meio de aditivos qualitativos ou quantitativos. Quando a alteração contratual qualitativa não desvirtuar o objeto contratado e a alteração quantitativa respeitar os limites máximos de acréscimos, nos termos do artigo 65 da Lei Federal n. 8.666/1993, esse é um caminho viável e tem amparo legal.

Ainda, caso se mostre a alternativa mais satisfatória e vantajosa ao interesse público, os contratos de prestação de serviços continuados poderão ser prorrogados excepcionalmente por até doze meses além da previsão inicial, conforme disposto no §4º do artigo 57, da Lei Federal n. 8.666/1993, mediante justificativa e autorização da autoridade competente.

Em situações excepcionalíssimas de alteração consensual qualitativa, o Tribunal de Contas da União, nos Acórdãos 1826/2016-Plenário e 50/2019-Plenário, entendeu que nos contratos de obras e serviços, desde que atendidos determinados requisitos, “é facultado à Administração ultrapassar os limites estabelecidos no artigo 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/1993, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado”. Contudo, essa é uma hipótese que deve ser avaliada com cautela, depois de verificado o cumprimento de todas as condicionantes apontadas nos acórdãos citados.

Nota-se, portanto, que os órgãos de controle estão sensíveis ao momento de exceção que o país atravessa e que lá na frente, quando as contas de hoje forem analisadas, este contexto atual de pandemia modulará as decisões. Espera-se, que o controle adote medidas menos impetuosas. Não há dúvida, pelas orientações acima, que é esta a sensatez que será adotada pelo controle.

(4) O mero reequilíbrio contratual pode não ser o suficiente para fazer frente às consequências da pandemia em alguns contratos de concessão e parceria público-privada. Ora, algumas obrigações de investimento/Capex perderam o objeto por conta da queda de demanda não só agora no momento da pandemia, mas também na demanda projetada para os próximos anos.
Neste sentido, algumas situações impõem que se transcenda à visão tradicional de reequilíbrio contratual e passe necessariamente pela desobrigação de a concessionária vir a realizar alguns investimentos que não serão possíveis de serem amortizados pelas balizas financeiras do contrato. Pelos mesmos fundamentos, muito possivelmente o Opex também deverá ser objeto de revisão e até mesmo a postergação e renegociação do pagamento de outorgas. Continua parte 2.

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