Olhar econômico

O Serviço de Atendimento ao Consumidor com vistas ao futuro

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

9 de abril de 2020, 8h00

Spacca
Foi crescente a industrialização do Brasil, a partir dos últimos anos da primeira metade do passado século, auxiliada que foi por certas políticas da Era Vargas; pela construção de estradas; pela implantação da indústria automobilística, com o suporte do governo federal; e, sobretudo, pelo boom causado pelo término da Segunda Grande Guerra.

Empresa e clientes são indissociáveis, não existindo a primeira sem os segundos. Sendo, consequentemente, necessário haver interação entre eles. Dentre os meios desse relacionamento estão os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), as Ouvidorias [1] e os Sistemas de Atendimento de Reclamações (SARs).

Verifica-se em muitas empresas o alinhamento desses canais; quer sob a forma de SAC e Ouvidoria sujeitos ao Departamento Jurídico; quer SAC e SAR, delineados como um único órgão, inobstante este seja mais afeto à assistência técnica e à engenharia, por objetivar a qualidade. A partir desses três órgãos, surgidos em momentos diversos, embora com finalidades assemelhadas, viria a se corporificar a Gestão de Relacionamento com os Clientes, que levou a preocupação com o cliente à empresa, como um todo, e aos seus mais altos escalões; deixando de ser tarefa, unicamente, dos departamentos de marketing e vendas.

Predecessor do SAC, no Brasil, foi o Centro Nestlé de Informação ao Consumidor, criado em 1978. Em 1990, ano da promulgação da Lei 8.078 (Código de Defesa do Consumidor – CDC): (i) cerca de duas dezenas de empresas já haviam dedicado um número telefônico para atendimento de consumidores; e (ii) várias empresas multinacionais já eram dotadas de SAR. O CDC, entre outras circunstâncias (privatizações, abertura da economia, estabilidade da moeda etc.), a começar da década de 1990, causou: (i) a multiplicação exponencial dos SACs, muitas vezes sob a forma de departamentos, mormente pelas empresas que disponibilizam produtos e serviços ao consumidor individual; e (ii) juntamente com o estabelecimento da primeira ouvidoria pública (Curitiba – 1986), mais e mais empresas criaram ouvidorias.

O Decreto 6.523, de 31 de julho de 2008, que com base no CDC fixou normas gerais sobre o SAC, o tornou obrigatório. Continuaram voluntários, o SAR e a Ouvidoria, esta para a quase totalidade dos setores.

O referido Decreto objetiva regulamentar o CDC e a tornar obrigatório o SAC, por telefone, na área dos prestadores de serviço regulados federalmente, excluindo, de maneira expressa, de sua aplicação o oferecimento e a contratação de produtos e serviços feitos por telefone. Suas preocupações são:

1.Acessibilidade do serviço: ligações gratuitas e sem ônus; opção de atendente para reclamação ou cancelamento no primeiro menu eletrônico e em suas subdivisões; acesso inicial ao atendente, mesmo sem o fornecimento prévio de dados; disponibilidade permanente e ininterrupta do SAC; e obrigatoriedade de constar o número do SAC nos documentos, materiais e na página eletrônica da empresa. [2]

2.Qualidade do atendimento: princípios: dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade, cordialidade, agilidade e segurança; atendente capaz, e hábil, técnica, procedimental e linguisticamente; transferência em até 60 segundos ao setor competente para dirimir a demanda; acesso ao histórico das demandas do consumidor; sigilo de dados pessoais do consumidor; e vedação de veiculação de publicidade nos intervalos do atendimento.

3.Acompanhamento das demandas: registro numérico, com data, hora e objeto, para acompanhamento das demandas; manutenção da gravação das chamadas por, ao menos, 90 dias; manutenção do registro eletrônico por 2 anos, no mínimo; e envio, em até 72 horas, quando solicitado, do conteúdo histórico das demandas do consumidor.

4.Procedimento para resolução das demandas: informações devem ser prestadas imediatamente e reclamações resolvidas em 5 dias úteis, no máximo; resolução da demanda – clara, objetiva e completa – deve ser informada ao consumidor; cobrança indevida ou referente a serviço não solicitado deverá ser suspensa imediatamente, a menos que haja prova de contrato e do valor devido.

5.Cancelamento de serviço: o pedido de cancelamento será sempre assegurado, devendo ser recebido, processado e comunicado ao consumidor de imediato, independentemente de haver ou não adimplemento contratual.

O rol de direitos dos consumidores expressos no Decreto não representa a totalidade dos direitos a eles relativos; face à possibilidade, aberta pelo art. 20, de órgãos competentes expedirem “normas complementares e específicas para execução do (nele) disposto”. Portanto, para se ter ideia do somatório atualizado dos direitos vigentes dos consumidores no Brasil, há de se averiguar quais são essas normas complementares.

Em seu art. 19, o Decreto afirma que inobservâncias às suas determinações serão apenadas com as sanções previstas no art. 56 do CDC [3], além das constantes dos regulamentos de órgãos reguladores.

O Decreto em comento apresenta conceituação legal de SAC, em seu art. 2º: “serviço de atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados que tenham como finalidade resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços.”

Trago à liça duas outras conceituações:

“Forma direta de comunicação entre cliente e empresa para a resolução de problemas e dúvidas.” [4]

“Ferramenta da gerência de qualidade, …forma de potencializar o processo de melhoria contínua, alimentando a empresa em dados brutos, que transformados em informações úteis, permitem melhorar a qualidade percebida pelo cliente”.[5]

A verificação dessas três conceituações demonstra, dificilmente, ser possível encaixar em algumas frases toda a potencialidade de um órgão. Tal ocorre máxime com o SAC, a que a literatura especializada atribui extenso elenco de funções:

  • garantir acesso do cliente à empresa, possibilitando o respectivo atendimento em espaço de interação e diálogo.
  • criar diferencial competitivo, maximizando a retenção e a fidelização do cliente; bem como a melhora da imagem e da credibilidade da empresa.
  • gerar sentimento de satisfação, de confiança e de justiça, propiciando negociação e mediação e prevenindo litígios e resolvendo demandas.
  • detectar ansiedades, expectativas, relações e observações do cliente, que podem ser úteis para a empresa.
  • denotar a preferência do consumidor, que, muitas vezes, é indicativo de critério de qualidade a ser adotado.
  • permitir inferência de ideias inovadoras, em razão de captar informações e tendências.

Certamente, se introduzíssemos todos esses objetivos, que são ao mesmo tempo vantagens, em uma conceituação do SAC, ela seria mais completa.

Desde que o SAC foi decretado obrigatório, em 2008, os poucos anos que se passaram testemunharam transformações digitais, que tornaram os clientes, crescentemente, mais acessíveis. Isso possibilitou o advento do SAC.2 e do SAC.3. O primeiro minimiza processos ou scripts, priorizando atendimento, diálogo e interação na busca de resposta personalizada à demanda, em tempo real. Já o SAC.3, o atendimento omnichannel (diversidade de canais), personalizado e automatizado, permite: (i) ter presente o perfil comportamental pretérito do consumidor; (ii) acompanhar suas necessidades; e (iii) antecipar soluções aceitáveis.

Passados quase trinta anos da promulgação do CDC e doze do Decreto 6.523/2008, já é tempo de ser elaborada pesquisa ampla que traga a luz, comprovadamente, tudo o que relevante for para perquirição profunda das variegadas nuances do SAC, hoje inserido na Gestão de Relacionamento com os Clientes. Assim, haverá subsídios eficazes para a sugestão de eventuais revisões legislativas e de outras naturezas no contexto do CDC/SAC, com o intuito de pavimentar rota segura para o restante do terceiro milênio.


[1] O SAC, por resolver, padronizadamente, demandas mais comuns, é comparado à primeira instância administrativa; ao passo que a Ouvidoria, por ser, via de regra, acessada após tentativa frustrada junto ao SAC, à segunda instância administrativa.

[2] Dadas as presentes circunstâncias, o Ministério da Justiça, por meio da Portaria 156, de 1º de abril de 2020, suspendeu, temporária e excepcionalmente, o tempo máximo para o contato direto com o atendente no SAC, previsto na Portaria 2.014, de 13 de outubro de 2008, do Ministério da Justiça. http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-156-de-1-de-abril-de-2020-250848918

[3] Art. 56 – As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda.

[4] Fabiano, Celso. O que é SAC: entenda o conceito e sua importância para as empresas. Publicado em DeskManager em 10 de maio de 2017. Disponível em https://blog.deskmanager.com.br/o-que-e-sac/

[5] Cruz, Alexandre Monteiro de Oliveira e outros. O serviço de atendimento ao cliente (SAC): um instrumento de gestão ou uma mera formalidade para cumprir exigências legais? Publicado em XXV Encontro Nac. de Eng. de Produção em 01 novembro de 2005. Disponível em http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2005_Enegep0201_0599.pdf, p. 1363

Todos acessados em 07/04/2020

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  • é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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