Direto do Carf

1ª CSRF discute incidência de IRPJ nas operações de redução de capital — Parte 2

Autor

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

8 de abril de 2020, 8h00

Spacca
Na coluna publicada no dia 05 de fevereiro de 2020, retomamos o tema da incidência de IRPJ sobre o ganho de capital em alienações antecedidas por operações de devolução de parcelas da participação societárias aos sócios pessoas físicas, a valor contábil, com fundamento no art. 22 da Lei nº 9.249/95[1].

No artigo passado, cingimos nossa análise aos casos que haviam sido analisados recentemente pela 1ª CSRF, como forma de expor o entendimento final que vinha sendo exarado no âmbito do Carf. Entretanto, na ocasião, não contávamos com a publicação do acórdão decorrente do julgamento do Recurso Especial do Procurador, no Processo nº 16561.720079/2015-68, que agora se encontra publicado, em sentido favorável ao contribuinte. Agora, o acórdão se encontra publicado, sob o número 9101-004.709[2], ensejando sua análise mais profunda.

Apenas para recapitular os entendimentos exarados pela 1ª CSRF, foram proferidos os seguintes acórdãos, contrários ao contribuinte:

i) o Acórdão nº 9101-004.335[3], decorrente de Recurso Especial do Contribuinte, negado.

ii) o Acórdão nº 9101-004.506[4], que deu provimento ao Recurso Especial do Procurador da Fazenda.

Em ambos os julgados o entendimento prevalente na CSRF se baseou na ausência de propósito negocial das operações de revolução de capital realizadas, tratando os negócios realizados com as categorias típicas de análise de situações de planejamento tributário. Essa posição contrasta com aquela adotada nas Câmaras Baixas, no sentido de reconhecer a devolução de participação societária pelo valor contábil como uma opção fiscal (rechaçando, assim, a análise de propósito negocial), salvo nas hipóteses de simulação nessa operação (o tema foi melhor explorado na coluna de março de 2019.

Pois bem, retomando a análise do Acórdão CSRF nº 9101-004.709, temos que a autuação se baseou no fato de uma empresa ter, por meio de cisão parcial, transferido a titularidade dos ativos que se pretendia alienar a um dos acionistas pessoa física, o qual alienou as ações da empresa resultante da cisão para o adquirente, apurando o ganho de capital incidente sobre pessoa física (alíquota de 15%).

O julgamento gerou controvérsia dentro do colegiado desde o próprio conhecimento do recurso especial, em razão de parte dos julgadores terem entendido que o caso paradigma não seria adequado para comprovar o dissenso jurisprudencial.

A questão foi bem posta, pela Conselheira Edeli Bessa, ao pontuar que o caso em julgamento envolveria operações societárias sem substância econômica no âmbito de um planejamento, no entender da Procuradoria, ao passo que os paradigmas diziam respeito a operações artificiais, simuladas (ilícitas). No paradigma invocado, existia a comprovação de uma proposta de alienação das participações societárias anterior à operação, além do acionamento da cláusula de tag along, dispensando a devolução do capital social aos sócios, para posterior alienação. No caso concreto, entretanto, não havia proposta prévia, mas apenas uma expectativa elevada de que o sócio pessoa física receberia a oferta após a operação societária (inclusive com incerteza quanto ao comprador, em razão diversidade de sujeitos interessados), desconfigurando a similitude pugnada pelo Recorrente.

A despeito da CSRF ter entendido, pelo voto de qualidade, que o Recurso da Procuradoria deveria ser conhecido, a divergência existente é assaz relevante. A circunstância fática da existência de acordos firmados anteriormente à devolução do ativo que será alienada pelo sócio pessoa física tem sido reiteradamente utilizada nos julgamentos como forte indício da ocorrência de operação simulada, sobretudo por não ter o sócio titularidade do bem que será alienado, à época do recebimento da oferta ou da assinatura do contrato (nesse sentido, v. Acórdãos nº 1401-002.835, 1401-002.347 e 1301-003.728).

Quanto ao julgamento do mérito, ele se deu por maioria de votos, com voto vencedor redigido pela Conselheira Cristiane Costa, que se posicionou no sentido de que a devolução de capital seria uma opção fiscal e, portanto, o seu uso pelo contribuinte, para reduzir o montante de tributo pago na alienação da participação, seria válido perante a Fiscalização. Ao contrário, “a norma legal induziu o comportamento de redução de capital a valor contábil, indução que é determinante para se vislumbrar a legalidade da conduta do contribuinte”.

A priori, poderíamos afirmar que haveria uma contradição frontal entre as premissas assumidas no acórdão em análise e os demais acórdãos proferidos pela 1ª CSRF, sobre o tema, que analisaram as operações sob a perspectiva e com as categorias típicas de planejamento tributário. Entretanto, a compreensão das circunstâncias fáticas que deram a esse caso um desfecho distinto somente são evidenciadas na declaração de voto da Conselheira Edeli Bessa, que foi o voto que compôs a maioria prevalecente.

Em seu voto, a Ilustre Conselheira menciona que fora comprovada a existência de dissídio entre os sócios da empresa autuada, e que apenas um deles pretendia alienar sua participação, o que justificara a segregação dos ativos por meio de uma cisão parcial. Corroborou esse dado o fato do outro sócio ter seguido com as atividades do mesmo ramo, associando-se à empresa concorrente da adquirente dos ativos segregados. Além disso, o sócio pessoa física que realizou a alienação poderia tê-la feito diretamente da sociedade original, pré-cisão, mas não o fez porque tal negócio teria como consequência unir o sócio remanescente e a adquirente em uma mesma sociedade, sem qualquer interesse de nenhum dos dois.

O que teria havido, ao fim e ao cabo, foi simplesmente a separação dos ativos entre os sócios, em razão de um deles prosseguir com o investimento na empresa autuada, configurando-se assim uma razão válida para a realização da cisão. Nessa linha, concluiu a referida Conselheira, verbis:

Concluo, do exposto, que as operações realizadas foram consideradas inválidas porque teve [sic] como resultado final a tributação do ganho de capital auferido na alienação no âmbito do imposto de renda devido pelo sócio […]. Contudo, não foram reunidas evidências no sentido de que a pessoa jurídica autuada, e não referido sócio, teria iniciado negociações para esta alienação, de modo a indicar a sua pretensão de alterar a sujeição passiva da incidência daí decorrente. E, existindo a faculdade expressa no art. 22 da Lei nº 9.249/95 seu exercício não pode ser tomado por abusivo se há um motivo para a realização das operações questionadas, consistente no dissídio entre os sócios da fiscalizada quanto à manutenção do investimento para a execução de suas atividades.”

As conclusões acima são relevantes pois, conquanto expressas em um único voto, dão o tom da linha que pode vir a prevalecer na CSRF, entretanto, algumas coisas devem ser observadas.

Em primeiro lugar, a Conselheira pontua que não foram reunidas evidências no sentido de que as negociações da alienação teriam sido iniciadas pela pessoa jurídica, o que sobreleva essa circunstância como elemento caracterizador da artificialidade da operação de devolução de capital social – o que, de certa forma, se alinha à posição de diversos acórdãos das Câmaras Baixas, rechaçando situações qualificadas como simulação.

Em segundo lugar, ela pontua que, por um lado, que o art. 22 da Lei nº 9.249/95 estabelece uma faculdade – opção do contribuinte -, mas, de outro giro, afirma que o exercício dessa faculdade pode ser tomado como abusivo, quando não “há um motivo para a realização das operações”, sem aprofundar a que tipo de motivação se refere.

Aqui, parece-nos haver, com todas as vênias à I. Conselheira, uma contradição: ou bem o art. 22 traz uma opção fiscal (faculdade), na linha defendida pelo voto vencedor do acórdão (ressalvando-se as hipóteses de simulação), ou se exige que o contribuinte comprove um motivo extratributário para a realização dessa escolha, para além da economia fiscal, sob pena da operação ser considerada abusiva e inoponível ao Fisco.

Não vislumbramos como se poderia condicionar o exercício de uma opção fiscal (mantida essa premissa) à demonstração de uma motivação extratributária – seria o mesmo que exigir que o contribuinte aponte uma razão negocial pela qual optou pelo lucro presumido, ao invés do lucro real, na apuração do IRPJ.

Resumo do score da 1ª CSRF: i) Um caso no qual se analisou o propósito negocial da operação e oponibilidade ao Fisco, mas levando-se em conta critérios tipicamente utilizados para a caracterização de simulação; ii) o segundo, no qual a acusação de simulação é deixada de lado, em prol da consideração da finalidade exclusivamente tributária da operação e a ausência de propósito negocial; e iii) o terceiro, que entendeu que se trata de uma opção fiscal do contribuinte, mas cujo voto definidor ressalvou a necessidade de demonstrar o motivo para o exercício de uma faculdade, sob pena de ser considerado abusivo.

Parece-me haver ainda, a despeito dos diversos casos julgados, alguma dificuldade na fixação das premissas jurídicas para análise dos casos, o que só conduz a mais insegurança na matéria.


[1] Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista. a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

[2] Relator Cons. André Mendes de Moura, julgado em 17/01/2020.

[3] Redatora designada Cons. Edeli Pereira Bessa, julgado em 07/08/2019.

[4] Relator Cons. André Mendes de Moura, julgado em 06/11/2019.

Autores

  • é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação."

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