Opinião

O advogado na mediação e no Cejusc

Autor

  • Doroteia Silva de Azevedo Mota

    é juíza federal do Trabalho atualmente titular da 30ª Vara do Trabalho de Salvador 2016 LLM em Resolução de Disputas com foco em mediação pela Pepperdine University (revalidado pela Universidade de Brasília como mestrado em Direito) especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia mediadora judicial professora e palestrante nacional e internacional nas áreas de Resolução de Disputas Negociação Mediação e Direito Processual do Trabalho autora de artigos criadora do Critério Trabalhista Puro.

8 de abril de 2020, 7h04

Preparando-me para o recesso de Carnaval, deparei-me com notícia do dia 19 de fevereiro de 2020, no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB nacional), que comunica o ajuizamento, pela entidade, de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, "questionando um artigo da resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a presença facultativa de advogados e defensores públicos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania — Cejusc".

De logo, pus-me a meditar sobre o assunto. Na verdade, esse tema já era objeto de minhas análises e considerações há pelo menos quatro anos, quando ingressei, em agosto de 2015, no LLM em Dispute Resolution, concentração em Mediação, na Pepperdine University, situada em Malibu, Califórnia, culminando com a inclusão da questão em minha dissertação de Mestrado.

Mas vamos por partes.

O dispositivo que constitui o foco da ADI é precisamente o artigo 11 da Resolução CNJ 125/2010, que estabelece, ao tratar dos Cejucs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), que:"Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores e/ou advogados.” (grifei)

A notícia referida também informa que já prevalece a interpretação de que "a presença dos advogados e defensores públicos nos Cejucs é meramente facultativa, independentemente do contexto ou da fase em que se dê o acesso por parte do jurisdicionado”.

A preocupação da OAB nacional não é desprovida de fundamento. O artigo 133, da Constituição da República, fixa a indispensabilidade do advogado para a administração da Justiça; e o que são a conciliação e a mediação senão “justiça das partes”, corroborada pela Justiça do Estado de Direito, quando institui “Centros de Solução de Conflitos e Cidadania”(Cejuscs)?

Questão política?

E, já tentando me antecipar, o que dirá a OAB nacional (ou a ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas) com relação à Resolução CSJT n. 252, de 22 de novembro de 2019, que alterou a Resolução CSJT n. 174/2016, quanto ao jus postulandi do Processo do Trabalho e a presença do advogado na Mediação? 

Corta.

Volta para o primeiro parágrafo.

O título de minha dissertação de Mestrado foi: "THE USE OF MEDIATION IN LABOR AND EMPLOYMENT CASES IN BRAZIL”(O Uso da Mediação em casos trabalhistas no Brasil). Tratava-se, naquela época, de tema bem atual, pois ainda se discutia a possibilidade de se adotar a Mediação como forma alternativa (hoje adequada) de resolução de disputas trabalhistas, e preponderava o entendimento de que não era possível tal uso, pelas especificidades dos conflitos trabalhistas, em especial o Princípio jurídico da Proteção ao Hipossuficiente Econômico. Tanto assim que nem a Lei Geral de Mediação (Lei nº 13.140/2015), nem o então Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, que é diploma de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho), e nem mesmo a Resolução 125/2010 tratavam (ou tratam) das mediações trabalhistas. Assim, ao abordar o assunto na dissertação, busquei analisar cada argumento contrário à mediação trabalhista, com o intuito de contra argumentar. E, mais especificamente no item em que abordo o desequilíbrio de poder e a preocupação central dos doutrinadores opositores da mediação, qual seja, a “proteção das pessoas contra simulações ou acordos prejudiciais”, registrei a necessidade da presença do advogado do Reclamante (normalmente o empregado) na mediação. Defendi, então, que uma norma regulamentando a mediação trabalhista fosse editada, preferencialmente lei própria, como, aliás, preconiza o parágrafo único, do art. 42, da Lei n. 13.140/2015 (Lei Geral de Mediação).        

A lei ainda não veio, mas foi com grande alegria que assisti, em 30 de setembro de 2016, quase dois meses após a aprovação de minha dissertação de Mestrado, à edição, pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), da Resolução n. 174, tratando da "política judiciária nacional de tratamento adequado das disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista” e outras providências. A mediação estava ali, consagrada como ferramenta para ajudar as partes a resolverem suas disputas, e, de quebra, auxiliar a Justiça na administração dos processos que se avolumavam nas prateleiras e arquivos de PJE (Processo Judicial Eletrônico); os NUPEMECs estavam ali; os CEJUSCs JT (que na Justiça do Trabalho ganham um nome um pouco diferente: Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas) também estavam ali! A Resolução CNJ 125/2010, pioneira das pioneiras em nosso país, sendo citada. E a cereja do bolo: "… sendo indispensável a presença do advogado do Reclamante” (artigo 6º, parágrafo primeiro do texto de então).

Do empregador não se tratou, pois, via de regra, está quase sempre acompanhado de advogado, e já se pressupõe que esteja numa posição de vantagem com relação ao empregado, que é o hipossuficiente econômico da relação de emprego.

A Resolução CSJT 174/2016 consagrava aquilo que já era defendido por mim: necessidade da presença do advogado do Reclamante nas mediações dos Cejuscs, sem o qual o equilíbrio de poder entre as partes poderia estar comprometido (lembrando que o mediador é um terceiro neutro, que não pode conceder aconselhamento jurídico, nem decidir a questão, ainda que seja um Magistrado).

Poder-se-ia argumentar que essa defesa é meramente corporativista ou política, mas isso equivaleria a reduzir a dimensão da questão, que é bem mais ampla, e envolve, como dito, aspectos jurídicos e sociais. Esse debate caberia num livro, ou numa dissertação de Mestrado.

Aqui merece destaque uma alteração recente da Resolução 174/2016, em que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho abriu uma exceção para a necessidade da presença do advogado do Reclamante na mediação feita no Cejusc da Justiça do Trabalho: trata-se das demandas em que ele postula sem advogado, o chamado jus postulandi, reduzindo a termo sua pretensão. O jus postulandi é o direito que as partes possuem de, no Processo do Trabalho, estar em juízo desacompanhadas de advogado, o que ainda é bastante utilizado em certas regiões do Brasil. Para esses casos, diz a Resolução CSJT n. 252, de 22 de novembro de 2019, deverá o Magistrado supervisor do Cejusc acompanhar pessoalmente toda a negociação.

Registro, humildemente, minha discordância com tal entendimento, que manifestei no 4º Encontro Nacional da Conciliação, ocorrido em agosto de 2019 no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, portanto antes da edição da citada Resolução n 252/2019, ocasião em que debatíamos o tema, porém fui voto vencido. Na oportunidade, na qualidade de Coordenadora do Cejusc do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região – TRT5, cargo que então ocupava, defendi uma outra solução para a questão: que houvesse um necessário e profícuo diálogo entre a Justiça do Trabalho e a OAB, a fim de encontrar um caminho mais colaborativo, um consenso entre as duas importantes instituições a respeito da matéria, sem que se precisasse invalidar o jus postulandi, nem comprometer o equilíbrio de poder na mediação trabalhista. A presença do advogado do Reclamante é sempre indispensável, pelas razões já expostas.

De volta à notícia da OAB: a ADI ajuizada tem em mira a Resolução CNJ n. 125/2010, que trata da política de conciliação no âmbito do Poder Judiciário de forma geral, excetuado o trabalhista.

Também aí a presença do advogado se faz necessária, e jamais poderia ser interpretada como facultativa. E explico: não apenas nos conflitos trabalhistas há desequilíbrio de poder entre as partes, embora nesses tal situação se mostre de forma intensa. Conflitos envolvendo o Direito do Consumidor, questões fiscais, no Direito de Família, em todos esses pode haver desequilíbrio de poder, devendo o advogado estar presente para evitar que a parte fiquei desamparada, pois o Mediador, ainda que seja um Magistrado, volto a repetir, é neutro e imparcial, não pode fazer o que um advogado faria por seu cliente, sob pena de comprometimento da mencionada imparcialidade e, consequentemente, de todo o processo de mediação e do provável acordo dele decorrente.

Há, ainda, o Princípio da Decisão Informada, que rege as mediações em geral, segundo o qual, ao final da mediação, as partes irão tomar uma decisão, pelo acordo ou não (o acordo não é obrigatório), devendo estar cientes de todas questões envolvendo o conflito quando decidir, inclusive legais. Como poderiam fazê-lo, sem o advogado a orientá-las?

Isto posto, é preciso dizer ainda que é extremamente recomendável que os advogados se capacitem para atuar na mediação, ainda que defendendo os interesses de seus clientes. É preciso que o advogado entenda como é o processo de mediação, como deve ser a conduta do mediador, como deverá se portar, como negociar, a fim de que não haja prejuízos às partes e que a lisura dos procedimentos seja garantida; é preciso que saiba também atuar na pré mediação, na orientação ao cliente, que saiba oferecer o caminho consensual e não apenas o litígio. Para tanto, deverá se capacitar.

Concluo estas breves linhas para dizer que o advogado, é, sim, indispensável à administração da Justiça, como determina a Constituição da República. E presença necessária e indispensável nas mediações e nos CEJUSCs.

REFERÊNCIAS:

<https://www.oab.org.br/noticia/57939/oab-vai-ao-stf-para-garantir-presenca-obrigatoria-de-advogados-nos-cejuscs> Acesso em 21/02/2020.

MOTA, Doroteia Silva de Azevedo, The Use of Mediation in Labor and Employment Cases in Brazil, Independent Study Project – ISP, LLM in Dispute Resolution, mediation concentration, Straus Institute, Pepperdine University, 2016, p. 16/17.

BRASIL, Constituição da República Federativa. 

Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei Geral de Mediação). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Último acesso em 22 de fevereiro de 2020.

Resolução CNJ 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/04/resolucao_125_29112010_23042014190818.pdf>. Último acesso em 22 de fevereiro de 2020.

Resolução CSJT 174, de 30 de setembro de 2016. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/95527/2016_res0174_csjt.pdf? sequen ce=1&isAllowed=y>. Último acesso em 22 de fevereiro de 2020.

Resolução CNJ 252, de 22 de novembro de 2020. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/165536/2019_res0252_csjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Último acesso em 22 de fevereiro de 2020.

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    é juíza do trabalho titular da 30ª Vara do Trabalho de Salvador, LLM (Mestrado) em Resolução de Disputas, concentração em Mediação, pela Pepperdine University, CA, EUA, reconhecido pela UnB (Universidade de Brasília), especialista em Direito Processual do Trabalho pela UfBa (Universidade Federal da Bahia).

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