Para afastar "grupo de risco"

Dissídios coletivos com pretensão condenatória ferem garantia do juiz natural

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6 de abril de 2020, 19h19

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, sindicatos trabalhistas de São Paulo conseguiram uma série de decisões condenatórias por meio de dissídios coletivos de natureza jurídica instaurados no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. O objetivo das entidades era o afastamento de trabalhadores que integrem o chamado "grupo de risco" da Covid-19 ou o fornecimento de equipamentos sanitários, como álcool em gel e luvas.

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Em uma das decisões, foi determinado o afastamento de funcionários da CPTM enquadrados no grupo de risco do novo coronavírus
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Ocorre que o esse tipo de ação, segundo jurisprudência fixada pelo Tribunal Superior do Trabalho, é utilizada apenas para solucionar conflitos coletivos, tendo somente pretensão declaratória.

No caso do TRT-2, todos os dissídios foram apreciados pela desembargadora Sonia Maria de Oliveira, vice-presidente judicial em exercício. 

Em um dos casos, a magistrada ordenou, em caráter liminar, que trabalhadores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) que fazem parte do grupo de risco da Covid-19 sejam afastados de suas funções. 

A magistrada determinou ainda a concessão de equipamentos de proteção individual aos trabalhadores, como máscaras, óculos de proteção, álcool em gel, entre outros. 

A decisão foi prontamente derrubada pela ministra Cristina Peduzzi, presidente do TST. O entendimento foi justamente o de que obrigações de natureza condenatória não podem ser imposta em dissídio coletivo de natureza jurídica.

Questão processual
Segundo apurou a ConJur, ao menos outras três decisões foram derrubadas pelo TST, sob argumento idêntico. 

Para Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho na FMU e organizador do e-book Coronavírus e os impactos trabalhistas, a decisão do TST de derrubar as liminares foi acertada. 

"Tais pretensões de obrigação de fazer, para fins de afastamento de pessoas em grupo de risco, não podem ser veiculadas com a ação de dissídio coletivo, em razão de aspecto técnico-processual", afirma. 

Calcini explica que a ação — dissídio coletivo de natureza jurídica — tem como objetivo apenas interpretar norma geral. Daí sua natureza declaratória. Diz ainda que, como os dissídios são sempre julgados pela vice-presidente do TRT-2, a pretensão condenatória por esta via acaba por desrespeitar a garantia fundamental do juiz natural, que está prevista na Constituição Federal.  "É uma burla, porque você já sabe para quem o dissídio será encaminhado", diz.

Na prática, os sindicatos entenderam que, a despeito da via processual inadequada, seus pleitos seriam deferidos, justamente porque seriam apreciados por magistrado que tem entendimento favorável aos pedidos. Com isso, evitavam a distribuição a outros juízos, cujo entendimento sobre a matéria poderia ser outro.

Por fim, o especialista explica que a via adequada para tais demandas são as ações coletivas na tutela dos chamados direitos transindividuais. 

Segundo Calcini, "de acordo com a jurisprudência do TST, o dissídio de natureza jurídica abrange somente pretensão declaratória destinada a interpretar norma geral, e não pode ser cumulado com pretensões condenatórias, ainda que se traduzam em obrigação de fazer, na medida em que eventual descumprimento resultaria na imposição de astreintes, de nítido caráter condenatório". 

Outras decisões
Além da determinação em favor dos funcionários da CPTM, O TRT-2 também acatou pedidos semelhantes feitos pelo Sindicato dos Trabalhadores em Refeições Coletivas de Osasco e Região, que ajuizou dissídio em face da Sindimerenda de São Paulo e dos Municípios de Osasco, Barueri, Carapicuíba, Jandira, Itapevi e Santana de Parnaíba. Nesse caso, foi determinada a concessão de álcool em gel e máscara, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Posteriormente, outra ação, desta vez ajuizada pelos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações Pesquisas e de Empresas de Serviços Contábeis no Estado de São Paulo obteve decisão favorável para que seus representantes do grupo de risco sejam dispensados do trabalho presencial. 

DC 1000774-59.2020.5.02.0000
DC 1000775-21.2020.5.02.0000
DC 1000784-80.2020.5.02.0000

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