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Coronavírus e mudanças climáticas: conexões e responsabilidades

Autores

  • Andreia Mara de Oliveira

    é advogada mestre em Direito pela Unesp-Franca ex-conselheira do Núcleo Docente Estruturante da FESL ex-professora de Direito na FESL Unip e Fafram ex-conferencista na Unesp participante do Summer Program in North American Law in University of Florida — Fredric G. Levin College of Law (EUA) do Postgrado em Derecho Politica y Criminologia na Universidad de Salamanca (Espanha) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça (PI-Cade) e da Gestão do Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

  • Ivan Carneiro Castanheiro

    é promotor de Justiça do MP-SP mestre em Direito pela PUC-SP membro do Ministério Público Democrático (MPD) professor convidado da Escola Superior do Ministério Público (ESMP-SP) professor da Unip (Campus Limeira/SP e Nacional EAD) consultor do Projeto "Conexão Água" do Ministério Público Federal (MPF) coordenador do 17º Núcleo Regional (Piracicaba) da Escola Superior do Ministério Público membro do Comitê Temático do Meio Ambiente (Grupo de Trabalho de Enfrentamento à pandemia do COVID — MP-SP — PGJ) e vice-diretor da Associação Brasileira dos membros do Ministério Público (Abrampa) — Região Sudeste. Autor dos seguintes capítulos de livro: "Direito Urbanístico e Direito à Moradia" e "Regularização fundiária: fundamentos aspectos práticos e propostas".

6 de abril de 2020, 8h00

Mudanças climáticas são as variações do clima ao longo do tempo, no que se refere aos efeitos do aquecimento global como as mudanças de temperatura, desregramento climático, tempestades tropicais intensas, chuvas torrenciais, nebulosidade, secas, inundações, enchentes, deslizamentos de terra, descongelamento das geleiras, aumento do nível dos oceanos e outros fenômenos da natureza, todas analisadas em relação às médias históricas. De acordo com a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992, mudança climática “significa uma mudança de clima que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis.”1

As mudanças climáticas podem ocorrer tanto de causas naturais, como de causas antrópicas (realizadas pelo homem). Annelise Monteiro Steigleder aponta que: “Dentre as causas naturais, suscetíveis de provocar alterações no clima, destacam-se, dentre outras, o ciclo solar, a variação da órbita, os impactos dos meteoritos e as mudanças ou deriva dos continentes, aproximando-se ou afastando-se dos pólos. A essas causas, agregam-se as intervenções humanas, responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa (greenhouse effect), como o gás carbônico (Co2), que concorrem para o aumento da temperatura da Terra. Concomitantemente, o progressivo desmatamento, vinculado à expansão da agropecuária e à indústria madeireira, inviabiliza que as florestas e outras formas de vegetação possam funcionar como “sumidouros2”, absorvendo os gases de efeito estufa da atmosfera.”3

Há controvérsias científicas sobre as causas da mudanças climáticas. Contudo, a ONU reconheceu o liame destas com as ações antrópicas associadas à emissão de gases de efeito estufa, o que resta perfeitamente evidenciado nas definições inseridas no art. 1º da Convenção-Quadro, como os “Efeitos negativos da mudança do clima”. Estes são as mudanças no meio ambiente físico ou biota resultantes da mudança de clima que tenham efeitos deletérios significativos sobre a composição, resiliência ou produtividade dos ecossistemas naturais e administrados, sobre o funcionamento de sistemas socioeconômicos ou sobre a saúde e o bem estar humanos.

Leonor Assad ressalta que a OMS considera as mudanças climáticas a maior ameaça à saúde mundial do século XXI: o aquecimento global será a causa de 250 mil mortes adicionais por ano até 2030. Os principais riscos para a saúde são: Ondas de calor mais intensas; incêndios; aumento da prevalência de doenças causadas por alimentos e água contaminados e de doenças transmitidas por vetores; aumento da probabilidade de desnutrição resultante da redução da produção de alimentos em regiões pobres e perda da capacidade de trabalho em populações vulneráveis.

“Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório sobre o assunto – “Investing to overcome the global impact ofneglected tropical diseases”, alertando para a relação perigosa entre aquecimento global e doenças tropicais negligenciadas: com o aumento da temperatura, a zona de clima tropical do planeta deve se expandir, ampliando também as áreas acometidas por doenças tropicais como a malária e a dengue. De acordo com o documento, a mudança climática deverá aumentar a propagação de várias DTNs, notadamente a dengue, cujo vetor, o mosquito “Aedes aegypti”, tem ciclo de vida diretamente influenciado pela temperatura, precipitação e umidade relativa do ar.”4

Em artigo intitulado “Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicais”, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, explica-se que há muitos anos a relação entre as mudanças climáticas e a saúde foi declarada um consenso científico pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas. E especialistas ressaltaram no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, realizado em Amsterdã, que as epidemias de doenças vetoriais vão se desenvolver para alcançar uma grande parte da Europa nas próximas décadas em virtude das mudanças climáticas, viagens e comércio internacional.5

Resta evidente que as mudanças climáticas devem exigir novas maneiras de se pensar o controle e a prevenção das doenças em um futuro próximo. Assim, o monitoramento da incidência e da expansão geográfica dessas doenças deve fazer parte da vigilância epidemiológica, com foco sobre as populações que já sofrem ou que poderão sofrer os impactos da variação climática. Ecossistemas alterados pela ação do homem não só potencializam a transmissão de doenças emergentes, mas contribuem também para a instalação de outras doenças associadas à ecotoxicologia, as quais afetam o sistema imunológico e agridem a saúde de um modo geral, mesmo não sendo infecciosas6.

A Pandemia é declarada quando ocorre uma doença infecciosa que ameaça, simultaneamente, muitas pessoas ao redor do mundo. Entre 1918 e 1920, estima-se que 50 a 100 milhões de pessoas tenham morrido na pandemia da gripe espanhola, mais do que os 17 milhões de vítimas, entre civis e militares, da 1ª Guerra Mundial. Em 2009 enfrentamos a disseminação global do vírus influenza H1N1, o qual causou a pandemia da gripe suína. Especialistas acreditam que ele tenha infectado milhões de pessoas e matado centenas de milhares.

O Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19, do Ministério da Saúde, relata que, em 29 de dezembro de 2019, um hospital em Wuhan admitiu quatro pessoas com pneumonia e reconheceu que as quatro haviam trabalhado no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan. Ali se vendem, nos mesmos espaços, aves vivas, produtos aquáticos e vários tipos de animais selvagens ao público. O hospital relatou essa ocorrência ao Centro de Controle de Doenças (CDC-China) e os epidemiologistas de campo da China (FETP-China) encontraram pacientes adicionais vinculados ao mercado. Em 30 de dezembro, as autoridades de saúde da província de Hubei notificaram esse cluster ao CDC da China.

Um estudo publicado no dia 26 de março pela revista científica Nature sugere que o pangolim – um mamífero que se assemelha ao tatu-bola e é vítima do tráfico ilegal de animais selvagens – seria o elo mais provável entre o Sars-Cov-2, morcegos e humanos. Pesquisadores de Hong Kong, da China e da Austrália descobriram que as sequências genéticas de coronavírus em pangolins são 85,5% a 92,4% idênticas ao novo coronavírus. Isso significa que, antes de chegar aos seres humanos, o vírus provavelmente foi transmitido de morcegos para o pangolim. Acredita-se também que o ebola tenha se originado em morcegos, assim como dois outros tipos de coronavírus – o Sars-Cov, que surgiu na Ásia em 2003 após ser transmitido de morcegos para civetas e depois para humanos, e o Mers-Cov, que infectou cerca de 2.500 pessoas desde 2012, após ser transmitido de camelos para humanos. Os coronavírus são doenças virais zoonóticas, ou seja, que podem se espalhar entre animais e humanos. O vírus passa por uma série de mutações genéticas no animal, o que o permite infectar seres humanos e se multiplicar.7

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1 Decreto nº 2.652, de 1º de julho de 1998. Promulga a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm.

2 8. "Sumidouro" significa qualquer processo, atividade ou mecanismo que remova um gás de efeito estufa, um aerosol ou um precursor de um gás de efeito estufa da atmosfera.

3 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. A imputação da responsabilidade civil por danos ambientais associados às mudanças climáticas. In: Direito e mudanças climáticas [recurso eletrônico]: responsabilidade civil e mudanças climáticas / organizado por Paula Lavratti e Vanêsca Buzelato Prestes. – São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2010. – (Direito e Mudanças Climáticas; 2) 117 p.

4 ASSAD, Leonor. Relações perigosas: aumento de temperatura e doenças negligenciadas. In Revista Ciência e Cultura. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000100007.

5 Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicais. Publicação: 6 de novembro de 2019. Por meio de modelos matemáticos, cientistas estimam como será, até o fim do século, a área de distribuição de quatro arbovírus: Oropouche, Mayaro, Rocio e vírus da encefalite de Saint Louis. In: https://www.sbmt.org.br/portal/relacao-explosiva-aquecimento-global-e-doencas-tropicais.

6 Idem.

7 https://www.dw.com/pt-br/de-morcegos-a-pangolins-como-v%C3%ADrus-chegam-at%C3%A9-o-ser-humano/a-52969233. Veja também: https://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2020/04/01/158242-de-morcegos-a-pangolins-como-virus-chegam-ate-o-ser-humano.html.

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