Opinião

O instrumento da corregedoria cidadã no Ministério Público de São Paulo

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6 de abril de 2020, 6h04

O Ministério Público brasileiro tem seu perfil atual moldado pela Constituição Federal de 1988, figurando como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O processo evolutivo da Instituição, que a alçou à relevância social insculpida na Carta Política de 1988, há, no entanto, de apresentar-se como ininterrupto, fruto de iniciativas e das gerações que integram e se sucedem em seus quadros.

Deveras, a sociedade é fenômeno dinâmico, cujas complexidades mais se avolumam com o evolver dos tempos. As carências e necessidades aportadas no seio da sociedade brasileira demandam, cada vez mais, a atenção do Estado, e exigem do Ministério Público posturas cada vez mais proativas e próximas da comunidade, de onde extrai demandas das quais deve se desincumbir para bem desempenhar o estrutural papel que lhe cabe de contribuir, de modo decisivo, para a efetiva construção de um estado democrático que, a par de respeitar as diversidades, seja apto a propiciar a redução do grau de desigualdades sociais, buscando a todos assegurar o Direito a ter Direitos, do qual advirá a efetiva consagração dos vetores determinantes e conformadores da Dignidade da Pessoa Humana.

Para alcançar seus desideratos, a atuação do Ministério Público deve sempre mostrar proatividade, inclusive através do fortalecimento de vínculos com a sociedade, com suas entidades representativas e com outros órgãos estatais, criando parcerias para o cabal desempenho de sua tarefa transformadora da realidade posta, sem descurar de suas funções tradicionais no campo judicial e extrajudicial.

O fortalecimento de vínculos externos é indispensável para gizar os contornos de uma atuação institucional que apresente a potência necessária para bem-servir à sociedade, mormente tendo em conta que a captação das demandas — sempre mutáveis, consoante a dinâmica e as complexidades da vida comunitária — ocorre de forma célere, circunstância que permite justa e imediata reação por parte do Ministério Público, como podemos ver, inclusive, no atual quadro pandêmico, em que a proatividade tem sido a tônica da atuação de diversos órgãos da instituição, que, pese as circunstâncias adversas para o desempenho de seus misteres, vêm demonstrando empenho ímpar e adotando iniciativas bastante exitosas em apoio ao esforço mundial de combate à crise sanitária.

Essa nova forma de atuação, mais proativa e capaz de gerar efetiva resolutividade, vem sendo concretizada por inúmeros órgãos do Ministério Público; porém, tais iniciativas muitas vezes mostravam-se isoladas e pessoais, quando, em verdade, deveriam ser disseminadas por todo o Estado, como padrão de comportamento socialmente relevante, apto a permitir com que a Instituição efetivamente se aproxime do cumprimento dos graves misteres constitucionais que lhe são postos.

Daí papel essencial que cabe aos órgãos de Administração Superior do Ministério Público: compilar as boas práticas institucionais, que traduzem efetividade e resolutividade, valorizá-las, estimulá-las e, mais do que isso, disseminá-las e replicá-las nas mais diversas plagas do Estado, adotando-as como posturas de política institucional, evitando com que se percam pelas rotineiras mudanças de lotação dos Promotores de Justiça, por conta de promoções, remoções etc.

Exemplo típico adveio de recentes iniciativas de algumas Promotorias de Justiça que, à luz da situação de crise sanitária, propuseram o encaminhamento de recursos advindos de acordos de não-persecução penal ou cível, de transações penais, dentre outros, para fundos municipais de saúde, com a finalidade específica de serem utilizados no combate à epidemia.

De tal iniciativa, desbordou recomendação da lavra da Procuradoria-Geral de Justiça e da Corregedoria-Geral do Ministério Público, disseminando pelo Estado a louvável iniciativa, o que propiciou a alocação de expressivo montante financeiro nos esforços sanitários indispensáveis para o enfrentamento da crise.

A tutela mais eficaz dos bens jurídicos exige postura resolutiva e iniciativas precoces, baseadas, sobremaneira, na coleta de demandas comunitárias, no tratamento interdisciplinar dos temas e no suporte mútuo que instituições governamentais e representativas da sociedade civil devem oferecer, modo pelo qual o conhecimento do fenômeno da violação de direitos ocorre ictu oculi, deslocando-se da verdade puramente formal e propiciando ações fundadas nessa cognição complexa que extrapola o conteúdo jurídico.

O documento denominado Carta de Brasília, que cuida da modernização do controle da atividade extrajudicial pelas Corregedorias do Ministério Público, busca fomentar a atuação resolutiva do Ministério Público brasileiro e baseia-se no sistema de acesso à Justiça pela resolução consensual dos conflitos, controvérsias e problemas, conforme previsto no Preâmbulo da Constituição da República de 1988.

A Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo, atenta às necessidades da sociedade paulista e aos anseios institucionais no cenário nacional, na busca de novos instrumentos e mecanismos de orientação e fiscalização que visem estimular e valorizar a atuação resolutiva e proativa dos Promotores de Justiça, sem prejuízo da avaliação qualitativa e quantitativa da atuação judicial e dos procedimentos extrajudiciais, vem, desde o ano passado, implantando nas visitas correcionais e de inspeção o instrumento denominado “CORREGEDORIA CIDADÔ, oportunidade em que são realizadas nas Comarcas encontros entre o órgão e as respectivas Redes de Atendimento, envolvendo de modo articulado os Promotores de Justiça das áreas da Infância e da Juventude, da Pessoa com Deficiência, de Proteção aos Idosos, de Saúde Pública, de Inclusão Social e Criminal.

O instrumento “Corregedoria Cidadã” busca implementar a renovação dos métodos de avaliação, orientação e fiscalização das atividades institucionais.

Deveras, sob primeiro enfoque, coloca-se a Corregedoria-Geral perante todos os atores das Redes de Atendimento como parceira do Promotor de Justiça na busca por soluções e medidas que demonstrem efetiva resolutividade, trazendo postura institucional e coesa para a atuação do órgão do Ministério Público, que deixa de ser visto sob o enfoque externo como um só – mas como integrante de um todo, a justificar o princípio constitucional da unidade; sob segundo aspecto, a Corregedoria busca estimular e aferir a atuação resolutiva do Ministério Público e a sua relevância social, valorizando a atuação dos membros e servidores do Ministério Público a partir da escuta, em reunião de rede ou de fóruns, dos órgãos públicos locais, dos cidadãos interessados e da sociedade civil organizada, cooptados pelos Promotores de Justiça da Comarca visitada.

Nessa senda, nas visitas ordinárias de Correição ou Inspeção, os órgãos do Ministério Público correicionados ou inspecionados são estimulados a apresentar os trabalhos e projetos de atuação resolutiva desenvolvidos junto à comunidade e a outras Instituições parceiras, organizando, a partir de contatos prévios, amplo encontro com a rede de atendimento da Comarca.

Conhecedora das atuações concretas do Ministério Público em termos de resolutividade em determinado local, passa a Corregedoria a ter a possibilidade de disseminar, por todo o Estado, as boas práticas aferidas na visita correcional ou de inspeção, potencializando, assim, a efetividade na prestação dos serviços institucionais.

Demais disso, busca a Corregedoria apresentar temas para serem estudados, explorados e desenvolvidos pela Rede de Atendimento local, no sentido de criar ou aprimorar fluxos de atendimento para tutela de direitos.

Toma-se como exemplo o tema “Enfrentamento da Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente”, apresentado pela Corregedoria na Comarca de Franca, que deu azo, já na sequência da própria apresentação, ao lançamento do Projeto “ABUSO SEXUAL: NOTICIAR É PRECISO”, estruturado pelos dignos Promotores de Justiça locais.

O trabalho é ininterrupto e seu evolver abarca cada órgão do Ministério Público, visto de modo isolado e na unidade que rege a Instituição. Os desafios são constantes e se encontram em permanente evolução, motivo por que toda prática resolutiva deve ser disseminada para que possa ter maior potência, abarcando todo o Estado – e não apenas segmentos territoriais.

Daí, reitera-se, a imprescindibilidade da atuação dos órgãos de Administração Superior, que devem manter-se sempre atentos e presentes no fomento de iniciativas, na celebração de parcerias e na divulgação das boas práticas, com o que haverá efetivo fortalecimento da Instituição Ministério Público perante toda a sociedade.

Tais fatos revelam ainda maior magnitude no quadro atual de crise sanitária, em que a atuação do Ministério Público como um todo vem sendo colocada a prova: quase toda a estrutura pública encontra-se fechada, com o trabalho sendo realizado à distância, o que demanda ainda maior arrojo e criatividade, pautados sempre no estrito cumprimento dos deveres institucionais que são postos.

E, nessa linha, mais indispensável se mostra o papel de agente transformador da realidade social exercido pelo Ministério Público, a partir de iniciativas como o aperfeiçoamento de parcerias para a criação de fluxos capazes de enfrentar, não só a pandemia, mas também os problemas decorrentes do terrível cenário criado a partir do necessário isolamento e do distanciamento social, como o direcionamento prioritário de verbas para a área sanitária, a busca de potencialização de programas de distribuição de renda, dentre outros.

Em remate, nesse ambiente de crise e de temor causado por uma doença mortal que afeta não apenas a saúde, mas tantos interesses da vida humana como a convivência familiar e comunitária, o trabalho, a educação, a cultura, o esporte, além de outros, somente um Ministério Público de perfil proativo e transformador pode fazer frente às graves e novas necessidades e, para o bem do Brasil, muitas iniciativas exitosas vêm sendo adotadas por seus órgãos e devem ser disseminadas pela Administração Superior.

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