Observatório Constitucional

STF determina que licença-maternidade começa a contar da alta hospitalar

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4 de abril de 2020, 10h25

O Supremo Tribunal Federal, na Sessão Virtual que se encerrou no dia 2 de abril, referendou, por maioria, a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin na ADI 6327, a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei nº 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto nº 3.048/99), e assim assentar (com fundamento no bloco constitucional e convencional de normas protetivas constante das razões sistemáticas antes explicitadas) a necessidade de prorrogar o benefício, bem como considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto nº 3.048/99” (ADI 6327-MC-Ref, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário Virtual de 2 de abril).

A Ação Direta foi proposta pelo partido Solidariedade com o objetivo de conferir interpretação conforme ao artigo 392, § 1º, da CLT e ao art. 71 da Lei 8113, de modo a se considerar como marco inicial da licença-maternidade a alta hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último”. O requerente juntou decisões judiciais com interpretações distintas quanto à aplicação dos dispositivos impugnados, de modo a comprovar a relevância da controvérsia trazida ao Supremo Tribunal Federal. Como parâmetros de controle, invoca violação aos artigos 6º, 201, II; e 203, I, da Constituição, ressaltando o dever de proteção à família, à maternidade e à infância.

Sustentou que, no Brasil, o grande número de partos de bebês prematuros e altos índices de complicações maternas gestacionais e pós-parto faz com que muitas mulheres entrem em licença-maternidade muito antes da alta hospitalar, prejudicando a convivência entre mãe e filho no período mais importante do seu desenvolvimento. Colacionou orientações da OPAS, OMS e UNICEF relativas ao desenvolvimento físico e psíquico das crianças no pós-parto e da importância do aleitamento materno nos primeiros meses de vida. Requereu a concessão de medida liminar a assegurar a parturiente que causas que determinem sua internação ou do bebê não atinjam o período de licença maternidade, destinado ao convívio e estabelecimento de laços entre mãe e filho.

O ministro Edson Fachin deferiu a medida cautelar monocraticamente em 12 de março de 2020, conhecendo da ação como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e concedendo interpretação conforme à legislação impugnada para passar a considerar a data de início da licença-maternidade e do salário-maternidade como sendo o dia da alta hospitalar do recém-nascido ou da parturiente. Ao referendar a medida liminar em Plenário Virtual, apenas o ministro Marco Aurélio divergiu do relator, tendo o ministro Gilmar Mendes acompanhado com ressalvas.

A decisão foi divulgada na mídia em geral como ampliação da licença-maternidade para os casos de partos prematuros, mas a verdade é que a decisão é muito mais ampla, estendendo a licença-maternidade para todos os casos em que a alta hospitalar, quer da mãe, quer do bebê, venha a ocorrer depois de duas semanas após o parto, período que já seria ressalvado pelo parágrafo 2º do artigo 392 da CLT.

O ministro Edson Fachin fundamenta sua decisão na existência de uma “proteção deficiente das crianças prematuras (e de suas mães), que, embora demandem mais atenção mesmo ao terem alta, tem esse período encurtado, uma vez que o período em que permanecem no hospital é descontado do período da licença”. Acrescenta que “apesar de ser possível a extensão desse período em 2 (semanas) antes e depois do parto, mediante atestado médico, e haver previsão expressa de pagamento no caso de parto antecipado, não há previsão de extensão no caso de necessidade de internações mais longas, como ocorrem especialmente com crianças nascidas prematuramente, antes das 37 semanas de gestação”. Entende que, no caso, embora não haja previsão legal, existe norma a amparar o direito postulado, nos seguintes termos:

“Entre a autocontenção e a discricionariedade/ativismo judicial existe uma margem de normatividade a ser conformada pelo julgador dentro dos limites constitucionais. Essa margem ganha especial relevância no tocante à efetivação dos direitos sociais, que, como se sabe, exigem, para a concretização da igualdade, uma prestação positiva do Estado, material e normativa. Nestes caos, a efetividade dos direitos sociais não só não afasta, como depende da atuação jurisdicional até mesmo para enriquecer a deliberação pública (GARGARELLA, Roberto. Democracia deliberativa y judicialización de los derechos sociales. ALEGRE, Marcelo; GARGARELLA, Roberto (coord.). El derecho a la igualdad: aportes para um constitucionalismo igualitário. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2007, p. 121-144, p. 134-135).

Trata-se, assim, de reconhecer uma omissão legislativa. (…)

Em termos legislativos, o direito à licença-maternidade evoluiu de um direito de proteção ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho, para um direito materno-infantil, de proteção às crianças (v. Lei n. 8.069/90, art. 8º) e do direito à convivência destas com suas mães (e pais) e vice-versa, passando a alcançar as adoções e incrementando, ao longo do tempo, o número de dias de afastamento remunerado. (…)

A questão sobre a prorrogação da licença nos casos de parto prematuro, aliás, encontra-se em debate no âmbito legislativo por meio da PEC n. 181/2015.

Subsiste, por ora, omissão legislativa quanto à proteção das mães e crianças internadas após o parto, a qual não encontra critério discriminatório racional e constitucional. Essa omissão pode ser conformada judicialmente. (…)”

Como mãe de dois filhos que nasceram prematuros e com baixo peso, não tenho como deixar de comemorar a decisão do ministro Edson Fachin. De fato, posso dar testemunho das dificuldades de um parto prematuro, do período de ansiedade e tensão por que passa a parturiente, que muitas vezes se recupera de uma cesária e ainda precisa enfrentar as dificuldades de ver seu bebê em uma incubadora, sem poder amamentá-lo ou apresentá-lo a toda a família como normalmente sucedem com os partos a termo de recém-nascidos plenamente saudáveis. Muitas vezes, a incerteza de um dia poder levar o filho para casa soma-se ao desalento de uma alta hospitalar sem o bebê, ao tratamento pouco sensível da equipe hospitalar, às dificuldades de conciliar a rotina em casa com os horários de visita da UTI neonatal, etc… Uma vez em casa, muitas dessas crianças demandarão atenção especial, com atividades de estimulação psicomotora adequadas e apresentando maior predisposição a ficar doente.

Por todos esses fatores, sempre entendi que a Proposta de Emenda Constitucional que busca conferir maior tempo de licença-maternidade às mães de bebês prematuros é uma medida de justiça. Fiquei profundamente indignada quando a PEC, aprovada por unanimidade no Senado Federal, teve sua tramitação travada na Câmara pelo oportunismo de alguns radicais, que viram nela uma forma de tentar impedir o aborto no Brasil, mesmo nas situações em que é permitido pelo Código Penal. Arquivada com o fim da legislatura, espera-se que agora consiga, na sua redação original, ser finalmente aprovada.

Por outro lado, como jurista, não posso deixar de ver com preocupação a concessão desse direito pela via da jurisdição constitucional. Afinal, a conformação dos direitos sociais impõe a formulação de uma política pública que leve em consideração o custo da medida para o Estado, a melhor forma de atingir a finalidade almejada e os possíveis efeitos colaterais da solução adotada. Se formos parar para analisar a efetivação dos direitos sociais no Brasil, quer através das políticas públicas existentes, quer por meio da constatação da sua eficácia, quantas novas interpretações da legislação em vigor não poderiam, ou deveriam, ser reformuladas pela Suprema Corte?

Especificamente no caso da licença-maternidade para mães de bebês prematuros, a primeira pergunta que me vem a mente é, a partir da decisão do STF ainda haverá espaço para a deliberação do Congresso Nacional?

A PEC 99/2015, apresentada pelo então Senador Aécio Neves em 16/12/2015 e aprovada por unanimidade no Plenário do Senado, propunha a alteração do inciso XVIII do art. 7º da Constituição, para dispor sobre licença-maternidade em caso de parto prematuro, nos seguintes termos:

“Art. 1º O inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação

‘Art. 7º …………………………………….

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias, estendendo-se a licença-maternidade, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias que o recém-nascido passar internado.

……………….’”

 

A proposta foi aprovada no Senado, tendo recebido, no entanto, alteração no texto original para prever um limite máximo de 240 dias de licença:

“Art. 7º ………………………………………

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias, estendendo-se a licença-maternidade, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias de internação do recém-nascido, não podendo a licença exceder a duzentos e quarenta dias.

……………………………………………..”

Assim, a comparação entre o texto aprovado no Senado e a decisão do ministro Edson Fachin, referendada pelo Plenário, mostra que a decisão judicial estendeu a licença-maternidade de forma muito mais ampla do que a intenção do constituinte derivado até o momento.

Primeiro porque não estabeleceu um prazo máximo para a duração desse afastamento da mulher do seu trabalho em caso de internação hospitalar dela ou do recém-nascido após o parto. Se um dos dois ficar 4, 5, 6 meses internado, o que não é raro acontecer, especialmente em casos de prematuridade extrema (entre 24 e 30 semanas), a partir da alta hospitalar a mãe terá direito a licença-maternidade de 120 dias. Assim, poderá ultrapassar os 240 dias previstos na PEC aprovada pelo Senado Federal.

Por outro lado, a proposta de emenda constitucional alterava a licença apenas para os casos de prematuridade. Já a decisão do ministro Edson Fachin altera a data de início da licença-maternidade para todos os casos em que a parturiente ou o recém-nascido fique internado para além de duas semanas após o parto.

Logo, me pergunto: Após uma decisão mais favorável, mais abrangente, da Suprema Corte, haveria espaço para aprovação de uma medida mais restritiva por parte do Congresso Nacional?

Ainda, quanto às dificuldades da criação de direitos pela via judicial, me questiono quanto aos efeitos práticos da decisão proferida. Caso o bebê fique internado por dois meses após o parto, sendo que a licença-maternidade só começará a contar a partir da alta hospitalar, o período de internação do bebê, em que a mãe precisar ficar, por óbvio, afastada do trabalho, tanto para se recuperar do pós-parto quanto para cuidar do recém-nascido, será considerado como licença-saúde? No caso das empresas que aderiram à extensão da licença-maternidade para 180 dias, esses 180 dias começarão a contar a partir da alta hospitalar, ou só os 120 dias previstos na legislação? A decisão aplica-se apenas às gestantes submetidas às regras da CLT. E as servidoras públicas, também poderão pleitear o mesmo direito?

E, mais, considerando o Novo Regime de Responsabilidade Fiscal (art. 106 a 114 do ADCT), a proposta de emenda constitucional que implique aumento de despesas precisa ser acompanhada do estudo de impacto orçamentário e financeiro. No entanto, vindo a nova despesa de uma decisão do STF, como o Estado harmonizará a nova despesa diante das normas fiscais e orçamentárias?

Por fim, a recente decisão do STF me traz, ainda, uma preocupação enquanto mulher e feminista. Se tantas mulheres, da iniciativa privada, já enfrentam tantas dificuldades quando do nascimento de um filho, muitas não conseguindo nem mesmo usufruir dos 120 dias de licença previstos na legislação trabalhista, outras perdendo seus empregos quando do regresso ao ambiente de trabalho e muitas outras, ainda, deixando de ser contratadas porque, em idade fértil, o empregador teme ter que vir a passar pelo período da licença-maternidade, como repercutirá a extensão dessa licença-maternidade (do afastamento da mulher do mercado de trabalho) na vida real?

Feliz pelo reconhecimento do Supremo Tribunal Federal à importância de se dar um tratamento especial para mães e bebês que enfrentam períodos de internação antes da tão sonhada chegada em casa com um membro novo da família, temo que a ampliação da licença-maternidade via decisão judicial iniba a aprovação da alteração constitucional e correspondente regulamentação legal, acarretando impasses e dificuldades na sua implementação. Mas, aqui, só o tempo nos dará a resposta.

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