Ignorância e ingenuidade

Escalada na crise diplomática com a China, maior parceiro do Brasil

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4 de abril de 2020, 11h47

O mundo inteiro depende da capacidade de produção industrial chinesa para garantir o abastecimento de respiradores e outros equipamentos e suprimentos essenciais para salvar as vidas de pessoas acometidas pela Covid-19 em seu estágio mais avançado. Mas tem quem ache no governo do Brasil que é boa ideia comprar briga com o seu maior parceiro comercial e desdenhar da cooperação internacional.

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, continua causando crises diplomáticas com o maior comprador das exportações brasileiras, apesar de consequências graves já terem começado a aparecer. O primeiro sinal vem da demora do governo chinês para aprovar frigoríficos brasileiros como fornecedores do país. Nesta semana, uma carga de 600 respiradores, cuja compra foi negociada diretamente pelo governo da Bahia com a China, simplesmente foi cancelada, e parou nos Estados Unidos.

No dia 1º de abril, Eduardo Bolsonaro voltou a chamar o coronavírus de "vírus chinês" pelo Twitter, esgotando a proverbial paciência asiática. Da primeira vez, o embaixador chinês deu uma bronca no 03. Agora, o cônsul chinês no Rio de Janeiro (estado do deputado), Li Yang, publicou um artigo de opinião no jornal O Globo neste sábado (4/4) perguntando se Eduardo é tão "ingênuo e ignorante quanto parece" (leia íntegra ao final do texto).

Depois da publicação do artigo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, usou o Twitter para descer ainda mais o nível em um ataque racista com laivos de insanidade paranoica. Divulgando a capa de um gibi da Turma da Mônica, o ministro que não sabe falar português ridicularizou os chineses, como se quem não soubesse falar fossem eles, apelando para uma comparação esdrúxula com o Cebolinha, que não consegue pronunciar os erres. "Geopolíticamente [sic], quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?", perguntou.

O primo pobre
Conforme apontado pelo cientista político Celso Rocha de Barros, em artigo na Folha de S.Paulo, os Estados Unidos têm dinheiro e poder político o suficiente para bancar um certo nível de estupidez institucional durante uma pandemia. O Brasil não.

Até o governo de Donald Trump, a quem os Bolsonaro se alinham mesmo sem qualquer contrapartida, percebeu que será necessário contar com a expertise da China, que já combateu o vírus por meses antes da escalada global.

Se mantiver a atitude de tratar a diplomacia entre dois países como uma briga de quinta série no recreio, o Brasil corre o risco de "tornar-se um vassalo ou uma peça de xadrez de um outro país", como apontou Li Yang, o cônsul chinês no Rio. O resultado pode ser "uma derrota total num jogo com boas cartas, como diz um provérbio chinês".

Tensão internacional
Embora o Brasil ainda não tenha estragado totalmente suas relações com a China, a escalada do tom em um vizinho nosso bem conhecido, a Venezuela, dá pistas de para onde estamos caminhando, se o governo se deixar conduzir pelos desvarios da família do presidente.

No final de março, o responsável pela Venezuela no governo dos Estados Unidos, Elliott Abrams, afirmou em artigo no Wall Street Journal que "o Departamento de Estado propõe que Maduro e Guaidó se afastem ambos", no que seria um "novo caminho" a ser buscado na política do país, em que os militares teriam "papel essencial".

Mas os Estados Unidos não são mais a única potência internacional com influência sobre o destino geopolítico dos países sul-americanos. Por meio das redes sociais, o porta-voz do ministério chinês do exterior, Hua Chunying, respondeu que "a China se opõe a qualquer força externa que, sob qualquer pretexto, infrinja a soberania da Venezuela".

O recado está dado para o mundo inteiro. O artigo de Li Yang termina com um tom de advertência:

"A China nunca quis e nem quer criar inimizades com nenhum país. No entanto, se algum país insistir em ser inimigo da China, nós seremos o seu inimigo mais qualificado! Felizmente, mesmo com todos os seus insultos à China, você não conseguirá tornar a China inimiga do Brasil, porque você realmente não pode representar o grande país que é o Brasil. Porém, como é um deputado federal, as suas palavras inevitavelmente causarão impactos negativos nas relações bilaterais. Isso seria uma grande pena!"

Clique aqui para ler o artigo de Li Yang

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