Conflito Federativo

"Supremo é variável ignorada na análise de crise fiscal dos estados", diz advogada

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30 de setembro de 2019, 7h15

O Supremo Tribunal Federal é uma variável relevante, mas tem sido ignorado até então quando se analisam as crises fiscais dos estados. A conclusão é da advogada da União Andrea Echeverria, em sua tese de doutorado apresentada à Uniceub, com período de pesquisa na Universidade de Stanford. 

Ao analisar a jurisprudência do Supremo, a advogada concluiu que a Corte concentra competências legislativas na União, em controle concentrado. Em paralelo, diz Andrea, o STF permite a descentralização de recursos sem o controle pela União, em ação cível originária (ACO). 

"O Supremo constrói um discurso de responsabilidade unilateral da União e dependência dos estados, conferindo à União um papel de guardiã solitária e sem armas, da Federação brasileira", afirma, em entrevista à ConJur

Em sua pesquisa, a advogada filtrou ações travadas entre União e estados. Ela apurou 2,7 mil ACOs ajuizadas desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até dezembro de 2017, chegando ao total de 493 nas quais o Supremo reconheceu o conflito federativo. 

Dentre os principais temas de conflito federativos lidera o Cadastro Único de Convênios (CAUC), com 340 ações, seguido de repartição constitucional de receitas (45) e tributário (35). 

“O CAUC é um sistema cadastral criado pela Secretaria de Tesouro Nacional que consolida a verificação do atendimento de 12 dos 23 requisitos fiscais previstos no artigo 25 da LRF, cujo cumprimento condiciona a transferência voluntária de recursos da União para os Estados, bem como a concessão de aval da União para as operações de crédito”, explica a advogada.

No cenário, diz a advogada, o tema federalista fiscal soma 454 ações, o que representa 92% dos conflitos federativos reconhecidos pelo Supremo entre União e estados.

De acordo com a advogada, os estados ganham em 87% das vezes que entram no Supremo contra a União, percentual que trata apenas das ações de tema fiscal e  nas quais já foi proferida decisão de mérito. Ela não considerou decisões cautelares e terminativas sem julgamento do mérito e as decisões julgadas parcialmente procedentes foram computadas como decisões favoráveis ao autor da ação. 

Questão de discurso
Uma leitura rápida dos dados pode indicar que a União está perdendo as ações por adotar algum comportamento ilegal. No entanto, a advogada afirma que não é o caso, já que grande parte das vitórias dos estados no Supremo refere-se a ações que discutem a sua inscrição no CAUC, por descumprimento dos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Um estudo aprofundado da jurisprudência do STF demonstra que, na realidade, construiu-se um discurso de favorecimento dos Estados, em especial no tocante à redistribuição de recursos da União”, conta. 

Segundo Andrea, a jurisprudência é fundamentada especialmente em dois pilares: dependência financeira dos estados e a responsabilidade intrínseca da União para a manutenção da Federação. 

“O que se observa no discurso do STF é uma transferência das responsabilidades fiscais e financeiras dos estados para a União. Com isso, é possível afirmar que os estados são beneficiados pela jurisprudência do STF, que tende a interpretar as leis fiscais e de transferências de recursos de forma mais favorável aos entes subnacionais”, diz a advogada.

Lei Kandir
Um dos poucos temas fiscais em que a União foi vencedora trata de indenização por isenções tributárias da Lei Kandir (LC 87/96). A jurisprudência do Supremo analisada pela advogada mostra que nesses casos o entendimento consolidado é de que não cabe indenização aos estados diante da existência de normas transitórias de compensação e da ausência de dispositivo legal que obrigue a União a fazer a compensação integral (ACOs 1.044; 779; 792). 

Andrea aponta ainda que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25, o Supremo reconheceu a omissão na promulgação da lei para efetivar as compensações. Atualmente, a questão está submetida a uma comissão de conciliação no Supremo entre a União e todos os estados.

Cadastro de inadimplentes
Andrea também analisou separadamente a inscrição dos estados no cadastro de inadimplentes. Segundo a advogada, o Supremo “resistia bastante em reconhecer a ilegalidade do comportamento dos estados”. Como resultado, ela aponta que foram deferidas várias liminares com fundamento único no perigo da demora, considerando o risco da execução de políticas públicas no estado. 

No mérito, a advogada chama atenção para incidência da “intranscendência subjetiva das sanções” para impedir que eventual irregularidade fiscal dos poderes pudesse gerar alguma sanção para o Poder Executivo. “No caso, o argumento reporta-se não somente ao princípio da separação dos poderes, como também à impossibilidade de o Executivo impor aos demais poderes o cumprimento daquela condição fiscal”, explica. 

Como só o Poder Executivo recebe transferências voluntárias e faz operações de crédito, a advogada aponta que a jurisprudência do Supremo “afasta por completo a incidência das sanções prevista nos artigos 25, § 1 e 40, § 2º da LRF em relação aos demais poderes”.

A conclusão de Andrea é também no sentido que a jurisprudência do Supremo acerca das sanções da LRF “restringe as metas de responsabilidade fiscal ao Executivo e, mesmo nesse caso, reduz de forma drástica sua incidência, seja pelo constante deferimento de liminares, seja pela construção jurisprudencial de diversos obstáculos à sua incidência”.

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