Caso médico

Declaração de Janot é vista como crime e caso de sanidade mental

Autores

27 de setembro de 2019, 19h25

Na entrevista em que o ex-chefe do Ministério Público Federal Rodrigo Janot disse que chegou perto de assassinar a tiros o ministro Gilmar Mendes dentro do STF, as opiniões se dividiram na comunidade jurídica quanto à possibilidade de algo ali ter sido caracterizado crime. 

Reprodução
O ex-PGR Rodrigo Janot, que disse em entrevista ter pensado em matar Gilmar
Reprodução

Um ministro do Supremo disse, sob condição de anonimato, considerar que foi "tentativa de homicídio premeditada". "Agora parece que tem alguns loucos na internet querendo imitar o valentão."

No Superior Tribunal de Justiça, outro ministro afirmou à Conjur considerar que ele [Janot] "cometeu início dos atos de execução de crime de tentativa de homicídio". 

Para o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, o crime foi na entrevista em si, por incitar o ódio. "Nesse momento conturbado, em que colocam a manada contra o STF e, especialmente contra alguns de seus membros, a confissão do Janot coloca mais lenha na fogueira e incentiva essa delinquência. Sem dúvida, Janot, com sua entrevista, cometeu o crime do artigo 286 do Código Penal, de incitação ao crime."

A opinião é compartilhada por Adib Abdouni. No entender do advogado criminalista e constitucionalista, à época dos fatos agora relatados pelo ex-procurador, o ex-PGR não cometeu crime algum. “Por outro lado, com a manifestação da última quinta [26] feita por meio de entrevista a jornalistas, Rodrigo Janot pode estar estimulando os seus admiradores a cometerem homicídio contra o ministro Gilmar Mendes. Ou seja, Janot pode, em tese, ser denunciado pelo crime de incitação pública de violência ou apologia ao crime, capitulado no artigo 286 do Código Penal”, explica. 

Já os advogados Vera ChemimMarcellus Ferreria Pinto disseram em entrevista ao portal UOL que Janot cometeu crime de prevaricação, ao não abrir investigação após o senador Aécio Neves o tentar cooptar, segundo seu relato. 

Esta também é a opinião do criminalista Wellington Arruda, que falou com a ConJur. "Neste caso, em especial, a considerar que houve crime por parte do Aécio e do Temer, estaríamos sim, diante de um crime de prevaricação por parte do PGR. E além, se considerarmos a hipótese de Aécio e Temer não terem feito o que Janot disse que eles fizeram, estaríamos, então, diante de um crime de calúnia. Ou seja, em qualquer hipótese, o ex-PGR cometeu crime, seja um ou outro", afirmou. 

Mas alguns juristas lembraram à ConJur que os atos preparatórios não são crimes, mas atos moralmente condenáveis e incompatíveis com qualquer operador do Direito.

Lenio Streck foi cirúrgico: o problema é médico e não legal. "Ele era PGR. Tinha porte de ofício. Não sei se é proibido andar armado dentro do STF. Mas se fosse proibido, não seria crime. O ato dele é absolutamente reprovável no plano moral. Mas não cometeu crime. O problema não é saber o artigo do CP para Janot, e, sim, o CID [Código Internacional de Doenças]. Imagine o que dirá um réu acusado por Janot? Que fase essa do MPF. Um tiro no pé", lamenta.

O criminalista Fernando Augusto Fernandes também foi duro. "A fala na entrevista se assemelha a um subterfúgio covarde de quem mente que agiria de forma radical para transparecer macho viril, quando não passam de palavras calculadas de quem conhece o direito e divulga uma transloucada fake news de sua própria personalidade para ofender o ministro do Supremo Tribunal Federal, e o próprio Judiciário."

Por outro lado, o advogado e professor Alberto Zacharias Toron disse que a conduta de Janot é "impunível". "Não passou da esfera de cogitação. Não entrou nos atos executórios. Ficou nos atos preparatórios. E estes são impuníveis. Malgrado a reprovação que mereça a fala dele. Malgrado o medo que causa, em se tratando de alguém que teve o poder que ele tinha em mãos. Mas, do ponto de vista penal, é impunível a conduta dele."

Reinaldo Santos de Almeida, advogado criminalista, afirma que as declarações "são deploráveis e representam a falência do Ministério Público Federal em seu projeto messiânico de punir inimigos políticos a todo custo, em desrespeito à Constituição, na lógica do “vale-tudo”, especialmente conhecidas após revelações sobre as chicanas feitas pelo Parquet em relações promíscuas com juízes, desembargadores e, inclusive, ministros do STF, conforme revelado recentemente pelo site The Intercept".

Gustavo Badaró, professor de processo penal da USP (Universidade de São Paulo), vê motivos comerciais nas declarações de Janot. "O que é incrível mesmo é ver a que ponto o ser humano pode chegar… Só para vender mais livros! Nem vendedor de Barsa, nos tempos gloriosos, inventaria uma mentira dessas." 

A criminalista Daniella Meggiolaro também lamenta as declarações. "Pela manifesta falta de equilíbrio emocional ao confessar ter quase atirado em um ministro do Supremo Tribunal Federal e pela declaração em si, ocorrida em um momento tão turbulento, tão polarizado e cheio de ódio. Péssimo exemplo do senhor Rodrigo Janot."

"Menos do que enxergar crimes, deveríamos buscar exemplos nessa história quase fantástica. Não podemos ignorar que Rodrigo Janot, por duas vezes, foi o Procurador mais votado da lista da ANPR [Associação Nacional dos Procuradores da República], sendo o escolhido como representante dos membros do Ministério Público Federal. O fato de tal pessoa, investida de tamanho preparo e destinatária da confiança de toda uma categoria, ceder ao arroubos da emoção, cogitar e quase executar o assassínio de um semelhante, mostra a importância das políticas de desarmamento e do equívoco das recentes iniciativas que pretendem flexibilizar a autorização para posse e porte de armas de fogo", afirma Bruno Salles Pereira.

Já para o criminalista Daniel Gerber, "de todas as questões que podem ser levantadas quanto ao episódio narrado por Janot, uma de suprema importância é se destacar a distinção de tratamento que o Poder Judiciário dá ao Ministério Público e aos advogados".

"Para que o advogado ingresse numa sala de audiências ou num prédio do poder público, ele é revistado por inúmeras vezes,  passa por detector de metal e, ainda, se submete à constrangimentos na medida em que é vistoriado, justamente, sobre o porte de armas ou instrumentos de letalidade comprovada. Tal tratamento conferido ao advogado, pelo que se percebe agora, deveria ser imediatamente estendido ao Ministério Público."

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!