Revanchismo político

Foi absoluta retaliação, diz candidata à presidência da AMB sobre queda de vetos

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25 de setembro de 2019, 20h21

"Foi uma absoluta retaliação", sentenciou a juíza estadual Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) e candidata à presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) quando questionada sobre a derrubada dos vetos presidenciais na Lei de Abuso de Autoridade, feita nesta terça (24/9) pelos congressistas. 

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Em entrevista à ConJur, a magistrada afirmou que todo mundo que acompanhou a ação no Congresso "percebeu que casuisticamente os senadores trataram de questões pessoais para votar em um tema de repercussão nacional, e que vai atingir a vida do magistrado brasileiro criminal de uma forma muito contundente". "Então eu entendi que isso foi uma retaliação à ação de busca e apreensão no Senado e aos trabalhos da operação "lava jato" que já vem sendo desenvolvidos há algum tempo."

Leia a entrevista:

ConJur — Qual a opinião da senhora sobre a derrubada dos vetos da Lei de Abuso de Autoridade feita nesta terça (24) pelo Congresso?
Renata Gil — Foi uma absoluta retaliação. O próprio senador Fernando Bezerra explicitou em seu discurso isso. Quem assistiu a derrubada dos vetos pela televisão percebeu que casuisticamente os senadores trataram de questões pessoais para votar em um tema de repercussão nacional, e que vai atingir a vida do magistrado brasileiro criminal de uma forma muito contundente. Então eu entendi que isso foi uma retaliação a ação de busca e apreensão no Senado e aos trabalhos da operação "lava jato" que já vem sendo desenvolvidos há algum tempo.

ConJur — Quais pontos considera mais problemáticos?
Renata Gil — Temos muito pontos problemáticos. Essa forma de interpretação dos tipos penais da Lei de Abuso de Autoridade é muito aberta. Por exemplo, “decretar uma prisão manifestamente ilegal”Quem vai determinar o que é uma prisão manifestamente ilegal? É um conceito aberto. Interpretativo de quem vai denunciar. Punir quem pune é impunidade? Esses tipos abertos são absolutamente arriscados. Causam constrangimento e inibem os juízes nas suas atividades. O crime de violação de prerrogativa é outro completo absurdo. Essa lei criou uma categoria profissional supraconstitucional. Eles têm mais garantias que as carreiras públicas com garantias constitucionais. Qualquer violação de prerrogativa de advogado hoje é crime. Nenhuma carreira ou instituição tem uma resposta penal para violações. O que temos é punições administrativas, ações cíveis… E se você contar que temos 1 milhão de advogados no país e 18 mil juízes, você pode imaginar a quantidade de denúncias de violação de prerrogativas infundadas.
A gente vê uma nova conformação de audiência criminal, que é colocar o réu lado a lado de seu advogado. Isso no cotidiano de uma vara criminal é muito problemático.
No Rio de Janeiro temos processos multitudinários com até 80 réus… Se você pensar que cada um tem um advogado.  O que vai se fazer?

Mobilizar as forças de Segurança Pública para cautelamento de uma sala de audiência porque você tem que colocar o preso ao lado do seu advogado. Existe uma superproteção que na verdade a uma vontade de punição daquele que tem como função fazer cumprir a lei.

ConJur — Um dos argumentos que os defensores da lei é o de que as autoridades denunciadas serão julgadas por outras autoridades. Qual a sua resposta a essa constatação?
Renata Gil — É um fato que as autoridades serão julgadas por outras autoridades. A questão é: quantas vezes? Quantas denúncias serão engendradas e de forma talvez infundadas com essa nova lei. Você apresentar uma denúncia contra um juiz que atua em determinada comarca vai tirar toda credibilidade desse magistrado, mesmo que ele seja absolvido depois.
A própria investigação de um magistrado nessa situação de tipo aberto é inibitória. Penso que nos casos pontuais de abuso nós já temos instrumentos legais para coibir já funcionando no país.
Essa lei tal como foi conformada é uma resposta do parlamento as ações da "lava jato". Esses vetos que foram derrubados já eram motivo de negociação com o governo.
A gente notava que existia até uma boa vontade do parlamento.

Quer dizer que esse trabalho de negociação é deixado de lado por conta de uma ação policial especifica? A resposta foi muito imediata e me faz crer que a derrubada dos vetos foi realmente uma retaliação.

ConJur — A senhora considera que o punitivismo é um mal menor do que a impunidade para Justiça. Fora do âmbito dos grandes casos de corrupção temos uma realidade de encarceramento em massa no Brasil. Muitos que estão encarcerados ainda aguardam julgamento. Como a senhora enxerga essa realidade?
Renata Gil — O papel do Direito Penal no Sistema de Justiça é prevenir crimes. Quando você tem punições que são respostas adequadas e no tempo certo você inibe a prática de crime. Por isso que sociedades mais evoluídas na aplicação do Direito Penal você tem índices menores de criminalidade. Então o encarceramento em massa é um problema público que é fruto da deficiência do Sistema de Execução Penal em contemplar todas as avaliações para soltura dos presos provisórios e corresponde bem ao volume de criminalidade que o país tem.
Se você pensar que em um estado como o Rio com grande número de crimes que tem… Será que a gente prende muito? Isso é um questionamento que temos que fazer.
Faltam mecanismos de celeridade processual para que esses presos sejam efetivamente julgados. E que as medidas substitutivas da prisão sejam efetivamente fiscalizadas.
O que acontece hoje é que essas medidas não são deferidas porque o poder público não tem a quantidade necessária de tornozeleiras e não temos a fiscalização de pessoas que estão no regime aberto e semiaberto.
Isso acaba desestimulando que essas medidas sejam adotadas. O Conselho Nacional de Justiça está implantando um sistema de execução penal que trabalha com prazos de forma mais automática.
Vamos ver como ele será implantado nos tribunais de modo que esgotado o prazo de prisão esse preso seja colocado em liberdade de forma mais célere.
Se você olhar as varas de execução penal do país elas estão sobrecarregadas de processos. Precisamos de mais pessoal e mais técnicos no primeiro grau de jurisdição que tem uma carência muito grande. 

ConJur — Sobre os dados do Justiça em Números. O estoque caiu e a justiça do trabalho é a mais célere. Enquanto isso, a justiça estadual demora seis anos pra execução. Como a senhora vê isso?
Renata Gil —
 As causas que são submetidas a Justiça estadual são mais complexas, mais diversificadas e a Justiça estadual é maior. Então, a gente precisa resolver seriamente a questão do primeiro grau, que é a porta de entrada. O acesso à Justiça é muito largo. Na Justiça estadual nós temos juizados especiais e ações que não tem custas, o que facilita o acesso. Por outro lado, também, a Justiça é mais custosa, é mais cara e precisa de mais recursos.
E o estado brasileiro, hoje, tem colhido o investimento na Justiça por conta da crise que assola todos os estados. Então, eu penso que para diminuir o estoque, as estratégias que o CNJ vem adotando como a informatização, a implementação dos programas do processo eletrônico. Isso vai facilitar o trâmite das ações e vai tonar as ações mais céleres.
Outro ponto é a unificação dos cartórios, que estão sendo implementados em cada estado, em que haverá menos funcionários, mais equipamentos eletrônicos e uma padronização maior das decisões e despachos.
A inteligência artificial é futuro, os juízes brasileiros estão estuando e buscando as informações e quando for implementado, o estoque vai cair, ainda mais na Justiça estadual. O Justiça em Números é fantástico. Ele permitiu que o Judiciário se olhasse no espelho e buscasse as soluções para os seus problemas.

ConJur — A atual estrutura sobrevive à sobrecarga crescente só com tecnologia?
Renata Gil —
 Só com a tecnologia não. A gente precisa cada vez mais capacitar os juízes brasileiros e isso tem feito pelas escolas da magistratura. O trabalho é aliado à tecnologia. Só a tecnologia não resolve os problemas da justiça porque a Justiça depende da interpretação da leis, e a gente tem no Brasil uma diversidade muito grande de interpretações e decisões judiciais.
A nossa Justiça é muito pujante. Então, acho que as demandas do futuro e do presente com mais tecnologia a gente vai chegar a um resultado positivo. Eu enxergo um futuro muito promissor para a Justiça.
Fizemos uma pesquisa e foi mostrado que a preocupação maior dos juízes foi com relação a eficiência. Os juízes se sentem responsáveis por uma melhor eficiência da Justiça.

ConJur — E o que a senhora acha da harmonia entre os poderes?
Renata Gil —
 A gente tem feito um trabalho com o parlamento. Alguns projetos de lei que são importantes nas demandas judiciais e até mesmo na celeridade processual, tem sido trabalhado pelas associações no parlamento, de modo que tenhamos um arcabouço legislativo mais favorável a celeridade processual.

ConJur — Na sua opinião, faz falta uma nova Loman?
Renata Gil —
 Faz falta, mas o momento em que o Brasil vive, com esse conflito político todo, a gente não sabe se uma Loman, no momento em que o Judiciário tem sido tão emparedado em razão do seu enfrentamento às organizações criminosas.
Eu acho que o momento não seja oportuno, mas que é necessária uma reformulação. A nossa Loman é antiga, de um período que a nossa Justiça era diferente.
A gente precisa avançar no tema, mas num momento político certo.

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