Medidas protetivas

Especialistas apontam problemas em projetos de alteração da Lei Maria da Penha

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24 de setembro de 2019, 8h38

Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que os casos de violência contra mulheres no Brasil têm aumentado nos últimos anos. Desde 2016, quando os dados passaram a ser acompanhados pela instituição, o número de processos só cresce.

Conforme relatório divulgado em março deste ano, em 2018 houve aumento de 34% em relação a 2016. Os casos passaram de 3.339 para 4.461.

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Especialistas apontam problemas em três projetos de alteração da Lei Maria da Penha
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Diante da gravidade do problema, é natural que o poder legislativo proponha normativas para  diversificar as medidas protetivas em relação as mulheres.

A última delas foi sancionada na última semana pelo presidente Jair Bolsonaro, e busca obrigar o agressor a ressarcir o Sistema Único de Saúde pelos gastos dos tratamentos de vítima de violência.

A ConJur ouviu especialistas sobre três projetos de lei em tramitação.

A PLS 191/17 estende a proteção prevista na norma de 2006 a mulheres transgêneros e transexuais. Para a advogada e doutora em Direitos Humanos pela USP Maíra Zapater, a alteração do ponto de vista jurídico sequer seria necessária.

“A Lei Maria da Penha protege mulheres que sofrem violência em razão do gênero. Quem conhece as teorias de gênero e o que se estuda a respeito disso sabe que estariam perfeitamente contempladas as mulheres transexuais e transgêneros. Já tivemos decisões aplicando a Lei Maria da Penha para mulheres trans que sofreram violência doméstica. Mas, de qualquer forma, deixar isso claro acaba com essa discussão. Nós temos algumas autoridades policiais e judiciárias que acreditam que mulheres trans não seriam mulheres na acepção da lei”, diz.

Já a advogada especialista em direito criminal Marcela Fleming Ortiz se diz favorável ao PLS 191/17. “A Lei Maria da Penha visa proteger os direitos humanos da mulher e, na minha opinião, se uma pessoa se entende mulher, ela é tão mulher quanto aquela que nasceu mulher biologicamente. A lei tem que ser aplicada da mesma maneira desde que preencha os requisitos da Lei Maria da Penha”, explica.

A promotora Fabiola Sucasas lembra de manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o direito a identidade de gênero como um direito fundamental. “A Lei Maria da Penha tem um artigo que toda mulher está abarcada pela lei. Quando se diz ‘toda mulher’ é toda mulher. Esse PL seria importante para deixar bem claro a extensão da proteção da lei, mas esse entendimento já está consolidado”, afirma.

Outro projeto em tramitação é o PL 2661/2019. Ele proíbe a nomeação, na esfera da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, em cargos de livre nomeação e exoneração, daqueles que forem condenados em trânsito julgado por delitos previstos na Lei Maria da Penha.

Marcela Fleming Ortiz acredita que esse projeto tem alguns aspectos conflitantes. “Temos que tomar cuidados com os efeitos disso. Eu sou a favor enquanto perdurar a condenação penal. Não temos em nosso ordenamento jurídico uma punição perpétua. Se não temos uma penalidade perpétua, é preciso ter cuidado ao formular esse tipo de proposta. O projeto me pareceu meio ambíguo”, diz.

O entendimento de Marcela é acompanhado por Maíra Zapater. “Tanto essa medida quanto a que prevê o ressarcimento do SUS pelo agressor são aplicadas depois que mulheres foram agredidas. Continuamos pensando dentro dessa lógica punitivista. Ao invés de mudarmos nossa forma de pensamento para pensar em prevenção e educação de gênero, continuamos pensando no que fazer com agressores depois que eles cometeram a violência. Me parece uma medida mais simbólica, inócua e punitivista, apesar de não ser uma punição no campo do direito penal”, explica.

Maíra Zapater também enxerga o PL 510/2019 que permite o divórcio ou rompimento da união estável nos casos previstos na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, a pedido da ofendida, como outra iniciativa para explicitar o que já está na lei.

“A Lei Maria da Penha justamente por ser um instrumento multidisciplinar permite que se você tiver uma equipe multidisciplinar bem treinada —o atendimento multidisciplinar na Delegacia da Mulher já está na lei—, a mulher possa pedir uma medida de separação de corpos. Deveríamos pensar em como comunicar para a mulher os seus direitos, mas isso já fica no âmbito da administração pública”, diz.

Ortiz enxerga problemas práticos na aplicação das normativas desse projeto de lei. “O que a gente observa é que os Juizados Especiais de Violência Doméstica ficam alocados dentro do fórum criminal. E a esfera que envolve esses juizados é a criminal. Você atribuir uma vertente civil em um juizado ‘especializado na área criminal’ é levantar uma problemática. Apesar disso, esse projeto pode ser um benefício para a mulher que é vítima de violência doméstica. Pelo que analisei no texto do PL, ele acrescenta uma prioridade de tramitação no código de processo civil nos casos de divórcio que se originem dos crimes de violência doméstica. Acredito que isso é eficaz dentro do nosso sistema. Sabemos que temos uma Justiça morosa na esfera civil. Isso pode ajudar essas vítimas que estão em um estado de vulnerabilidade a ter atenção do Estado de forma mais imediata”, diz.

Ela também acredita que atribuir ao Juizado de Violência Doméstica a competência para julgar as ações de divórcio e união estável deixando de lado o aspecto da partida de bens pode ser problemático. “Temos uma problemática aqui. Além de partilha de bens, temos também a questão da guarda dos filhos. Apesar disso, achei bem interessante dar a possibilidade para a mulher que sofreu violência ter opção de decidir pela separação. Isso presta uma assistência imediata sobretudo para quem não tem acesso à Justiça”, argumenta.

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