"Lava toga"

CPI para investigar ministros quer barrar atuação independente e contramajoritária

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23 de setembro de 2019, 8h30

A iniciativa de senadores em abrir novamente uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ministros dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal é rechaçada pela comunidade jurídica.

Divulgação
STF e Judiciário em geral devem atuar de forma independente, dizem especialistas.

Advogados ouvidos pela ConJur veem na apelidada CPI da "lava toga" uma tentativa de emparedar o Judiciário para impedi-lo de cumprir seu papel contramajoritário e independente. A medida, como bem resumiu o editorial do jornal O Globo, é “uma sandice”, afinal, não tem base legal.

Um parecer da Consultoria Legislativa do Senado já havia mostrado que o Senado não deve receber nenhum dos requerimentos da CPI para investigar o Poder Judiciário. O estudo foi feito a pedido de Alcolumbre (DEM-AP), que já se manifestou contra a CPI e, em abril, determinou seu arquivamento. No entanto, há ainda um recurso ao Supremo Tribunal Federal. 

O advogado Walfrido Warde avalia a iniciativa como tendo cunho político e revanchista. "É uma reação da classe política, em resposta às ingerências políticas daqueles que deveriam se restringir a questões jurídicas".

Para o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, se instalada nesses moldes, a CPI da "lava toga" violaria o princípio da separação de poderes, estabelecido na Constituição Federal. "Para instaurar a CPI, tem que haver um fato concreto com elementos para atuar, não bastando fatos genéricos", afirma.

"Evidentemente, não há espaço para a instauração de CPI que vise à investigação do Judiciário, muito menos sem que haja a indicação de fato caracterizador de ilícito", critica o advogado Eduardo Carnelós.

Leia as opiniões da comunidade jurídica:

Luís Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça
“A Constituição estabelece, como cláusula pétrea, a separação dos poderes. A intromissão de um poder em outro é visceralmente inconstitucional. É importante frisar que, para instaurar a CPI, tem que haver um fato concreto com elementos para atuar, não bastando fatos genéricos. Além disso, o Judiciário tem mecanismos de controle bem transparentes: CNJ, o próprio STF – que tem condição de investigar seus integrantes, com previsão na própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional – e basta ser acionado para isso com um fato concreto."

Lenio Streck, jurista, professor de Direito Constitucional 
"A CPI da ‘lava-toga’ é mais do que inconstitucional e ilegítima: ela é anti-institucional. Isso porque ela quebra aquilo que a gente coloca desde a modernidade para cá, com a questão da divisão de poderes. Desde então nós temos o Legislativo, Executivo e o Judiciário. Existem uma série de mecanismos que fazem com que a democracia funcione. Isso a gente chama de diálogos institucionais, de relações entre instituições que são regulamentadas por condutas e que fazem a intermediação entre o Estado e sociedade. Democracia funciona com instituições fortes. Quando falamos em institucionalização estamos dizendo que as instituições cumprem seu papel e, na medida em que elas fazem que a Democracia ande para frente, a gente pode falar de bons diálogos institucionais.

É uma CPI que nasceria com pré julgamento, porque ela já está dizendo que já culpados e, portanto, já nasce viciada. É como o juiz que aceita denúncias e já diz que o réu é culpado. Ou o Ministério Público que denuncia alguém e já coloca todas as suas alegações finais porque ele sabe que o réu é culpado. Então pra quê fazer processo?"

José Roberto Batochio, advogado
“A CPI da ‘lava-toga’ não é uma boa ideia neste crítico momento institucional que ora se vive no Brasil. O estrelismo de alguns poucos que exercem transitoriamente o poder precisa ceder passo à institucionalidade que torna madura nossa democracia."

Walfrido Warde, advogado
"A dita CPI da ‘lava-toga’ é vingança institucional. É uma reação da classe política, em resposta às ingerências políticas daqueles que deveriam se restringir a questões jurídicas. É o triste sintoma da fadiga do nosso jovem constitucionalismo, incapaz de impedir relações de vassalagem entre Direito e Política e vice-versa.”

Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP
“Creio que primeiro as decisões judiciais não podem estar sujeitas a controle do legislativo. O STF é o guardião da Constituição, quem tem a última palavra em sua interpretação no sistema. Submeter um ministro a uma sanção hipotética pelo conteúdo de uma decisão judicial seria estabelecer um caos no sistema de independência dos Poderes e uma ditadura do legislativo que, de fato, passaria a concentrar funções inconstitucionalmente. A ‘lava toga’, a meu ver, é inconstitucional por conta de seu objeto.”

Marco Aurélio Carvalho, advogado
“O Regimento interno do Senado, em seu artigo 146, inciso ll, é bastante claro ao dizer que não se admitirá CPI sobre matérias pertinentes às atribuições do Poder Judiciário. Na mesma linha, o próprio STF tem posição pacífica e consolidada a respeito.

Não há, pois, suporte jurídico que ampare a instalação desta Comissão.
A tentativa de emparedar o Judiciário para impedir que cumpra o seu papel “contra majoritário” deve ser duramente combatida. Para o bem do Estado de Direito e da própria Democracia”.

Igor Tamasauskas, advogado
“Precisamos superar essa ideia de que assediar as instituições nos levará a uma evolução. Não levará. Ao revés, esse tipo de comportamento corrói o Direito.”

Rodrigo Mudrovitsch, advogado
"Para muito além da ausência de qualquer fato concreto e da violação a normativo expresso do regimento do Senado Federal, o que ocorre é que a proposta de CPI em questão afronta o equilíbrio constitucionalmente previsto entre os poderes e funda-se em competência que o Poder Legislativo evidentemente não possui."

Marco Antônio Ferreira Lima, professor de Direito e procurador de Justiça MP-SP
“A tripartição dos poderes republicanos, dentro de um estado democrático e de direito, legitimado pelo referendo popular, assegura a independência e autonomia harmônica entre executivo, legislativo e judiciário. Entretanto, diante de um mecanismo de freios e contra freios,  o que faz com que essa autonomia se relativize. Essa flexibilidade se dá pelo princípio da legalidade que se extrai do devido processo legislativo que vem pelo poder constituinte originário. O controle jurisdicional em relação ao legislativo não interfere em sua função primária – poder/dever de legislar – mas no controle de constitucionalidade das leis que compete ao executivo subscrevê-las(ou não)pela promulgação ou pelo veto. Não é legítima a interferência direta, a ponto do legislativo exercer controle impróprio, por comissão, de membros do judiciário e muito menos o contrário, sem que haja crime ou desvio de finalidade. Entretanto, mesmo assim, os mecanismos de controle de cada qual obedecem a um sistema próprio e que asseguram a referida autonomia e a independência harmônica, em respeito a tripartição dos poderes e em garantia a manutenção do estado democrático de direito. Portanto, não é legítima a instauração de CPIs para exercer controle externo dos Tribunais o que equivaleria em sentido inverso.”

Eduardo Carnelós, advogado
“CPI é instrumento relevante numa democracia, e não pode ser desvirtuado. Sua função é permitir ao Legislativo exercer sua fundamental atividade fiscalizadora sobre o Executivo.
Não para substituir os atos próprios de investigação atribuídos pela Constituição à Polícia Judiciária, mas para desvendar fatos graves, devidamente especificados, que tenham causado algum dano à coletividade, e que extrapolem a ação de indivíduos em fatos corriqueiros de crimes comuns.

Evidentemente, não há espaço para a instauração de CPI que vise à investigação do Judiciário, muito menos sem que haja a indicação de fato caracterizador de ilícito.

Infelizmente, temos visto CPI ser utilizada para perseguir desafetos, servir de palanque para inescrupulosos ofenderem convocados que, mesmo protegidos pelo direito ao silêncio, são vilmente atacados quando exercem esse direito; nesse caso, devem optar entre responderem às ofensas, abdicando de seu direito ao silêncio, ou exercerem-no, e aceitaram calados os ataques à sua honra, normalmente em atos transmitidos ao vivo para todo o País. Até por isso, o Supremo Tribunal Federal tem assegurado a pessoas convocadas a comparecer o direito a não atenderem ao chamado, e de não serem conduzidos coercitivamente em razão da recusa. Pois não é que já surgiu PEC vivaldina, que pretende inscrever na Carta da República a previsão de que CPI possa determinar condução coercitiva de quem seja convocado, mas se recuse a comparecer? Pior é que a proposta é patrocinada por quem se diz defensor da democracia, mas se revela adorador dos métodos consagrados por todos os regimes autoritários, que pregam a submissão do indivíduo aos poderes persecutórios estatais, o que fazem sempre em nome do bem comum, é claro.
Uma CPI denominada "Lava Toga" seria, já a partir do nome, a negação dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Que os espíritos autoritários sejam contidos pelas normas constitucionais, e estas, sem qualquer nesga de dúvida, não autorizam a instalação de tamanha excrescência.”

Igor Mauler Santiago, advogado
“A chamada 'lava toga' centra-se no mérito de decisões do Supremo, o que é incompatível com a separação dos Poderes. Como o STF não se dobra a pressões, tudo não passa de um grande circo.
Já uma CPI da Vaza Jato seria possível, desde que o foco não estivesse no mérito das decisões – que são sujeitas a recursos -, mas na violação de deveres funcionais, caso dos vazamentos deliberados, do acesso indevido aos dados da Receita, da atuação político-partidária ou advocatícia de Procuradores da República e assim por diante.
No primeiro caso há implicância com o exercício regular de um Poder. No outro, a pesquisa de possíveis desvios e graves de função.”

Marcos Joaquim Gonçalves, advogado
“A CPI não possui fato determinado como requer as normas constitucionais, legais e regimentais. Claramente, a CPI da Lava Toga possui objetivos políticos para pressionar a nossa Suprema Corte a abandonar o devido processo constitucional e se tornar um Tribunal jacobino de exceção.”

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