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ConJur não deve indenizar promotor por criticar seu trabalho, decide TJ-SP

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23 de setembro de 2019, 20h39

Agentes públicos devem ter "sensibilidade praticamente próxima de zero" quando ouvem críticas ao seu trabalho. Por isso a ConJur não vai ter de indenizar o promotor de Justiça Marcelo Mendroni, que pedia indenização por causa de um artigo do criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, publicado em 2008.

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Sensibilidade de agentes públicos deve ser "próxima do zero", afirma desembargador

A decisão, da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, reforma sentença que havia condenado a revista eletrônica a indenizar o promotor em R$ 200 mil.

Para o TJ-SP, "o agente público somente terá direito à indenização nos casos de dolosa intenção de ofender, o que não se verifica no caso em exame".

A ConJur foi defendida pelo advogado Alexandre Fidalgo, do Fidalgo Advogados, que fez elogiada sustentação oral no caso.

Mendroni era famoso no início dos anos 2000. Ganhou destaque por suas investidas contra o ex-deputado Paulo Maluf (PP-SP) e contra o casal dono da igreja Renascer em Cristo.

Em 2008, acusou o casal de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e, segundo o artigo de D’Urso, procurou veículos de comunicação para “esquentar” o caso.

No artigo que incomodou o promotor, D’Urso o acusa de desvio de função por ter arrolado o jogador de futebol Kaká como testemunha. Na época, Kaká tinha sido eleito o melhor do mundo pela Fifa e era fiel da Renascer.

Para D’Urso, o arrolamento era apenas uma manobra para chamar atenção da imprensa para um caso que o promotor sabia não ter futuro.

“O sensacionalismo, a exploração midiática, o linchamento moral, a exibição de fotos do processo para a imprensa, a superexposição pessoal do promotor que se aproveita de um caso como palco, a divulgação do conteúdo do processo sob sigilo e tantas outras condutas censuráveis precisam ser coibidas, porquanto patrocinam a destruição de pessoas que sequer foram ainda julgadas e colocam como suspeitas outras pessoas, contra as quais nada existe, como no caso de Kaká”, diz o artigo.

Para o TJ de São Paulo, ainda que as palavras do advogado tenham sido “duras”, ele falou dentro dos limites de liberdade de expressão e da proteção conferida a ele pela profissão que exerce.

Não se consegue perceber qualquer teor ofensivo nas expressões ‘repúdio’, ‘nunca fora respeitado’, ‘desvio de função’, ‘alarde’, ‘sensacionalismo’, ‘exploração midiática’, ‘linchamento moral’, ‘palco’, ‘condutas censuráveis’ e algumas outras que este subscritor possa ter esquecido de mencionar”, afirma o relator, desembargador Alexandre Marcondes.

“Tudo não passou de mera crítica à figura pública exercida pelo autor, da qual não nasce a obrigação de indenizar.”

O envolvimento de Kaká no caso teve consequências. A Renascer ameaçou processar o promotor por perseguição religiosa, por ter arrolado o jogador como testemunha —sem nenhum motivo além da fé professada por ele.

A informação de que o então atleta seria testemunha no processo foi divulgada por Mendroni à revista Carta Capital (que o chamou de “juiz Mendroni” diversas vezes no texto).

Para D’Urso, a relação do promotor com a revista demonstra que ele extrapolou suas funções e procurou destaque midiático estranho ao processo.

O texto da Carta Capital saiu na edição de 15 de janeiro de 2008. O artigo de D’Urso é do dia 16. Em março daquele ano, reportagem da ConJur mostrou que nenhum documento pedindo que Kaká se manifestasse no caso foi enviado à Itália.

Era blefe do promotor. Embora o Ministério da Justiça tenha dito, na época, que recebeu o requerimento feito por Mendroni, o promotor disse à Justiça que o documento publicado pela Carta Capital não era legítimo.

Apelação Cível 0020210-12.2009.8.26.0114
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