Jurisprudência militar

"Julgamento por morte de civis pela Justiça Militar garante segurança jurídica"

Autores

22 de setembro de 2019, 9h00

A lei que determinou a competência da Justiça Militar para julgar militares por mortes de civis veio para "oferecer a necessária segurança jurídica aos militares que, por ordem legal do presidente da República, eram destacados para cumprir operações de Garantia da Lei e da Ordem".

Spacca
Esta é a avaliação do presidente do STM, ministro Marcus Vinicius de Oliveira, que defende a necessidade de julgadores que "entendam e estejam afeitos às peculiaridades da caserna".

Em entrevista à ConJur, ele explica que a importância da Justiça Militar se justifica pela necessidade de manutenção dos pilares das Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina. Sem essa especialização, defende,  "não seriam Forças Armadas, mas bandos armados, numa verdadeira ameaça à paz social, à democracia, às instituições e à estabilidade política, social e econômica".

O presidente ainda defende que civis sejam julgados na Justiça Militar quando cometerem crimes militares, a necessidade de representação militar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e rejeita acusações de "corporativismo" e excesso de punitivismo.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é o papel da Justiça Militar no sistema judiciário?
Marcus Vinicius — 
As Forças Armadas têm as armas da Nação e mantêm sob sua guarda os milhares de quilômetros de fronteiras, com cerca de 350 mil militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. O principal papel da Justiça Militar da União é manter disciplinados os homens e as mulheres das Forças Armadas. Imagine Forças Armadas sem controle, cheias de criminosos, de sectarismos e de grupos, além disso, todos armados? Não seriam Forças Armadas, mas bandos armados, numa verdadeira ameaça à paz social, à democracia, às instituições e à estabilidade política, social e econômica. Por isso, manter os pilares básicos das Forças Armadas brasileiras – hierarquia e disciplina – é o principal papel do STM e da Justiça Militar da União.

ConJur — Há quem defenda a extinção da Justiça Militar. Por que, na sua opinião, a Justiça Militar deve continuar?
Marcus Vinicius — A Justiça Militar é uma justiça especializada, voltada para um público alvo especializado e que julga assuntos especializados. Sua atuação principal é voltada para a manutenção da hierarquia e disciplina nas Forças Armadas e, portanto, necessita de julgadores que entendam e estejam afeitos às peculiaridades da caserna. A sua existência é imprescindível, como comprovam seus 211 anos de existência, aliás, a mais antiga justiça do nosso país.

ConJur — O que o senhor acha do envolvimento de integrantes das Forças Armadas com o governo? No que isso pode resultar, na sua opinião?
Marcus Vinicius — 
Esta é uma pergunta que deve ser endereçada a um membro do Poder Executivo. As Forças Armadas pertencem ao Poder Executivo e a Instituição STM pertence, desde 1934, ao Poder Judiciário. Não me compete opinar.

ConJur — O que acha do uso das Forças Armadas para operações internas e urbanas, como as operações para garantia da lei e da ordem ou o envio de tropas para presídios?
Marcus Vinicius — 
As Forças Armadas não se oferecem para essas operações. Elas vão cumprir ordem do Presidente da República, seu Comandante Supremo, quando solicitado por governadores de estado que detectam essa necessidade. São apenas novas missões, legalmente previstas, e que as Forças Armadas não podem deixar de atender.

ConJur — Em 2017 foi aprovada uma lei que deu à Justiça Militar a competência para julgar militares que matem civis. Já dá para avaliar os resultados dessa mudança? Quais foram? O que achou dela?
Marcus Vinicius — 
A Lei veio para oferecer a necessária segurança jurídica aos militares que, por ordem legal do presidente da República, eram destacados para cumprir operações de Garantia da Lei e da Ordem, previstas na Constituição. Desde a sua edição, em outubro de 2017, não tivemos nenhum caso de civil que tenha vindo a óbito por ação de militares no contexto de GLO.

ConJur — A Justiça Militar deve poder julgar civis?
Marcus Vinicius — 
É claro. É o que está previsto no Art. 124 da Constituição: “À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Observa-se que a Constituição é clara e diz “crimes militares” e não “crimes dos militares”. Portanto, civis podem sim cometer crimes militares que são julgados pela Justiça Militar.

ConJur — O princípio da insignificância se aplica à Justiça Militar?
Marcus Vinicius —
 Sim, inclusive há previsão no próprio Código Penal Militar de aplicação do referido princípio em diversos artigos, como, por exemplo, nos crimes de furto e estelionato, quando o agente é primário e de pequeno valor a coisa objeto do delito. E ainda é aplicado fora dos casos expressos no CPM, desde que sejam verificados os requisitos para o seu reconhecimento fixados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. São eles: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

ConJur — O que acha da realização de audiências de custódia na JMU?
Marcus Vinicius —
 A JMU já possui normativo interno desde 2016 disciplinando as audiências de custódia e estas há muito são realizadas na primeira instância pelos juízes federais da Justiça Militar quando ocorre a prisão, mesmo sem haver previsão no nosso Código.

ConJur — O que considera o principal gargalo do tribunal que ainda precisa ser combatido?
Marcus Vinicius —
Não considero que haja algum “gargalo” a ser combatido no Tribunal. Às vezes as sessões plenárias são um pouco demoradas, devido à complexidade que algum processo possa vir a apresentar. Mas isso não traz qualquer prejuízo aos jurisdicionados, em virtude da celeridade que normalmente empreendemos ao trâmite processual.

ConJur — O STM é criticado por juristas por ser extremamente punitivista. Uma atualização na legislação penal militar pretende remover a discricionariedade do juiz na aplicação de penas, que também é uma grande queixa de juristas sobre a Justiça Militar. A Justiça Militar é corporativista?
Marcus Vinicius — 
A pergunta aborda a Justiça Militar por dois extremos: extremamente punitivista de um lado e corporativista por outro lado. E nenhum dos casos se aplica. A verdade, como sempre, está no centro. Aplicamos a lei com responsabilidade e bom senso, sem sermos jamais corporativistas. A história demonstra a minha afirmação.

ConJur — O senhor se considera um magistrado rigoroso nos julgamentos? É mais garantista ou legalista? Como presidente do tribunal, acha que o colegiado do STM hoje em dia tem sido mais garantista ou legalista nos julgamentos?
Marcus Vinicius — 
Alguns Ministros do STM se posicionam de forma mais garantista, outros são mais legalistas. Há hipóteses em que a lei penal militar não é aplicada, e usa-se o Código Penal comum de forma subsidiária, por ser mais benéfico ao réu. Por exemplo, no caso do crime continuado, em que o CPM traz uma disposição muito mais rígida que o CP. Aliás, essa é uma das mudanças propostas de alteração do Código Penal Militar. Então, vai depender do caso. Como estou no exercício da Presidência, não voto nos processos criminais, apenas no caso de empate. E nessa hipótese, será declarada pelo Presidente a decisão mais favorável ao réu, conforme dispõe o Regimento Interno do STM.

ConJur — O senhor quer dar celeridade à PEC 21/2014, que está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A emenda propõe alterar a composição do Conselho Nacional de Justiça, permitindo que o STM tenha um assento permanente de um representante. Qual será o papel do STM no CNJ?
Marcus Vinicius —
 Exatamente igual nos outros Tribunais Superiores. A competência do CNJ é disposta no § 4o e incisos, do art. 103-B da Carta Magna. Ele controla a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário como um todo e vela pelo cumprimento dos deveres funcionais de todos os juízes. O Conselho Nacional de Justiça visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual, e nada mais coerente do que a presença de magistrados da JMU para compor esse cenário e também atuar nesse importante mister.

ConJur — O Legislativo aprovou duas leis ligadas à Justiça Militar. Uma delas trouxe para a JMU crimes que juristas passaram a chamar de "crimes militares por extensão". O que são e quais são esses crimes?
Marcus Vinicius — 
Crimes militares por extensão são crimes do Código Penal Comum ou de outras leis especiais e que não estão previstos no Código Penal Militar. Com o advento da Lei no 13.491, de 13 de outubro de 2017, esses crimes passaram à competência da Justiça Militar da União, quando praticados nas condições do artigo 9 inciso II, do Código penal Militar.

ConJur — Qual será o impacto do aumento dessa competência aumentada?
Marcus Vinicius —
Ainda é difícil a previsão. Até o momento, decorridos um ano e seis meses da edição da lei, não foi constatado um aumento significativo no volume de processos. De qualquer forma, a JMU está preparada para o novo desafio.

ConJur — Há quem defenda a extinção da Justiça Militar. Por que, na sua opinião, a Justiça Militar deve continuar?
Marcus Vinicius —
A Justiça Militar é uma justiça especializada, voltada para um público alvo especializado e que julga assuntos especializados. Sua atuação principal é voltada para a manutenção da hierarquia e disciplina nas Forças Armadas e, portanto, necessita de julgadores que entendam e estejam afeitos às peculiaridades da caserna. A sua existência é imprescindível, como comprovam seus 211 anos de existência, aliás, a mais antiga justiça do nosso país.

ConJur — O Supremo se encaminha para descriminalizar a posse de drogas para consumo próprio — ou pelo menos da maconha. Que efeito isso terá na Justiça Militar e nas Forças Armadas?
Marcus Vinicius —
 Vamos aguardar. O Supremo Tribunal Federal, até hoje, tem sempre se manifestado terminantemente contra a presença de drogas dentro dos quartéis, entendendo o perigo de homens com acesso às armas e munições estarem sujeitos aos efeitos das drogas, sejam elas quais forem. O nosso Tribunal entende, unanimemente, que drogas e Forças Armadas são dois elementos inconciliáveis. Aliás, isto é no mundo inteiro.

ConJur — Como vê o fato de um militar ser hoje o chefe do Executivo, caso de Jair Bolsonaro? Acha que isso pode ajudar a fortalecer o tribunal? Qual o impacto disso no tribunal?
Marcus Vinicius — 
Em primeiro lugar o Chefe do Executivo é antes de tudo, um cidadão brasileiro como todos os demais, com todos os seus direitos e deveres. Ele tem dispensado ao nosso Tribunal todas as atenções e gentilezas inerentes à sua posição de Presidente da República.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!