Direto de Harvard

Harvard é diferente das universidades brasileiras?

Autor

  • Mateus Costa-Ribeiro

    é o mais jovem mestrando em Direito da Harvard Law School aos 19 anos. É bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e advogado nos tribunais superiores em Brasília.

21 de setembro de 2019, 6h31

Estou no Langdell Hall, a maior biblioteca jurídica do mundo. Eu e os outros mestrandos em Direito completamos enfim nossa primeira semana de aulas em Harvard.

Hoje mais cedo almocei na cafeteria da Law School admirando as fotos de alguns ex-alunos: Barack e Michelle Obama, John Roberts, Felix Frankfurter… 5 dos 9 atuais juízes da Suprema Corte americana estudaram aqui.

Como Harvard produz resultados tão expressivos?

Tenho o sonho de estudar aqui desde meus 12 anos. Morando no campus por alguns dias, logo aquela ideia genérica e infantil de “universidade dos sonhos” ganha traços concretos.

A partir da experiência de um aluno recém-chegado, quero compartilhar 5 fatores que explicam a excelência acadêmica de Harvard.

1º Pontualidade
Minhas aulas marcadas para 10h00 não começaram 10h05, nem 10h10. Elas começaram 10h00. Todos os professores sempre chegam à sala de aula com alguns minutos de antecedência. Toda quinta, na disciplina de Direito Constitucional, a Professora Martha Minow sempre olha o relógio ansiosamente, e começa a dar aula assim que o horário chega.

O ambiente acadêmico é vivido com profissionalismo. O compromisso do professor de preparar sua aula e começar pontualmente me motiva, como aluno, a também chegar pontualmente e também me preparar para sua aula.

2º Reuniões com os professores
Nunca vou me esquecer que Cass Sunstein respondeu meu primeiro e-mail para ele em dezesseis minutos. Também consegui me reunir pessoalmente com os professores que têm uma pesquisa semelhante com a minha. Todo professor tem “horários de escritório” (office hours) separados para receber individualmente alunos interessados. Vamos para pedir conselhos de bibliografia, debater uma ideia, tirar uma dúvida, ou aprender a história do beisebol com o Professor Michael Klarman.

Os professores querem produzir ideias com os alunos. Não importa quem seja, se é a ex-Diretora da Faculdade, ou a próxima juíza da Suprema Corte, ou o idealizador das mudanças regulatórias do governo Obama. Os professores vão responder seus e-mails com humildade e querem entender sua pesquisa. Esse é o trabalho deles. A conexão professor-aluno faz parte da mágica por trás de Harvard.

3º Leituras preparatórias
Eu precisei me preparar com antecedência antes de ir às aulas. Toda disciplina tem uma ementa que descreve, por dia, os textos obrigatórios que o aluno deve ler previamente. Primeiro, para que ele assista à aula com uma compreensão prévia do tema tratado pelo professor. Segundo, para que ele esteja pronto para responder perguntas do professor (frequentes apenas nas aulas que adotam o método socrático, sendo que você nunca sabe quando será sua vez).

Um ensino baseado apenas em aulas será fracassado. Aulas não são detalhadas, nem aprofundadas. Elas são didáticas, pois transmitem ideais desconhecidas ao aluno. É minha função me aprofundar estudando por si só.

Scan & Deliver
O quarto motivo para a excelência de Harvard está no seu maior tesouro físico. Assim que chegamos, recebemos acesso ilimitado ao maior complexo de pesquisa já construído. São 80 bibliotecas em toda a universidade, com 20 milhões de livros. Todo aluno pode até pedir à Administração um capítulo de qualquer livro e o PDF chega no seu e-mail institucional (harvard.edu) sem custos. O nome do sistema é “Scan & Deliver”.

Um curso é necessário para ensinar aos mestrandos como usar cada ferramenta. Essa monstruosidade de conteúdo tão facilmente acessado não tem precedente na história da humanidade. Tudo que já foi escrito sobre sua área de pesquisa está a um clique ou a uma estante de distância.

5º Mais de 10 Supremas Cortes representadas no mestrado
Por fim, aos seus recursos acadêmicos a Universidade adiciona recursos humanos. O programa de mestrado é composto por estudantes de 60 países.

Sou imensamente grato por ter encontrado esse lugar para conduzir minha pesquisa sobre o Direito Constitucional Comparado. Muitos dos meus colegas compartilham essa área de interesse. São pessoas que já trabalharam diretamente com juízes de mais de dez supremas cortes espalhadas pelo globo e pretendem expandir seus horizontes.

Se eu precisar entender a experiência constitucional da Índia, Israel, Hungria, Rússia, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina, Alemanha… preciso apenas marcar um café com um colega de sala.

Pessoalmente, acredito que a beleza de estudar o que aconteceu com outras constituições ao redor do mundo está em prevenir o Brasil de erros cometidos no estrangeiro, ou aproximá-lo de caminhos constitucionais testados e aprovados na experiência internacional.

Aliás, o nome “Direto de Harvard” resume bem a intenção desta série de escritos que se inicia hoje. Poder representar o Brasil no mestrado da Harvard Law School é um honra inigualável na minha vida. Ao Conjur, deixo meu agradecimento sincero pela oportunidade de publicar para a comunidade jurídica brasileira as descobertas relevantes que cruzarem meu caminho ao longo do mestrado.

Curiosamente, os dois aspectos de Harvard que mais chamaram minha atenção não custariam nada para serem implantados em qualquer universidade. Pontualidade e Leituras Preparatórias exigem apenas que alunos e professores se levem a sério reciprocamente.

Ambos mostram que a base de um sucesso acadêmico estrondoso pode estar em hábitos rudimentares. Ser pontual e estudar para além da sala de aula são dois desses hábitos acadêmicos transformadores vividos em Harvard.

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  • é o mais jovem mestrando em Direito da Harvard Law School, aos 19 anos. É bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e advogado nos tribunais superiores em Brasília.

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