Opinião

A necessária definição de graves crimes contra o meio ambiente no âmbito internacional

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20 de setembro de 2019, 6h16

Os recentes acontecimentos de graves violações à natureza, como as queimadas que atingem/atingiram parte do país ou a tragédia de Mariana, justificam a preocupação pela definição de graves crimes contra o meio ambiente e seu julgamento por um foro internacional, analisando, primeiro, a possibilidade de tal disciplina, segundo, como essa definição poderia ser aplicada no cenário internacional.

O ecocídio ou graves crimes que atingem o meio ambiente como um todo, em escala mundial, devem ser tipificados por Convenções Internacionais, para internalização no direito interno dos respectivos países. Portanto, o que se tem no atual estágio do direito é a ausência da definição desses crimes e também a falta de definição de um organismo/tribunal internacional com competência para seu julgamento, razão pela qual é impossível admitir-se que as atuais condutas eventualmente praticadas no território nacional possam sofrer algum tipo de sanção nessa escala[1].

Entretanto, já existe um substrato social importante, bem como padrões científicos que permitem a definição de bens jurídicos relevantes para a tipificação de condutas que afetam o meio ambiente como um todo.

O enfrentamento desse tema exige respostas a diversos questionamentos, a saber: é possível definir um bem jurídico relevante e que mereça a definição de graves crimes contra o meio ambiente em escala mundial? Neste sentido, é preciso proceder-se a um estudo do estado da arte de quais os bens jurídicos tuteláveis pelo direito penal moderno, verificando-se também se a definição de tal modalidade de crime configura ou não crime de perigo abstrato, como tantos outros.

Outro questionamento refere-se ao estudo do problemático uso que a humanidade tem feito dos bens fornecidos pela natureza nos últimos duzentos anos, após a Revolução Industrial, e como os impactos decorrentes de tal uso encontram-se comprovados pela ciência. Em suma, analisar se há ou não suporte científico capaz de definir determinado bem jurídico como relevante para os fins do chamado ecocídio.

Os graves acidentes, com participação humana, e danos voluntários causados ao meio ambiente, em alguma medida, em determinados lugares, permitem, no atual estágio da ciência e do direito penal, a tipificação de crimes que possam fazer frente a tal estado de coisas. Não há dúvida quanto à sua gravidade e da repercussão de tais condutas para as futuras gerações. Nunca como hoje o homem foi tão responsável pelo futuro da humanidade.

Outro ponto: não é possível imaginar-se que o avanço tecnológico, por si só, será capaz de impedir a destruição da natureza. Os danos já causados e previstos são tão graves que medidas urgentes devem ser tomadas para cessar em determinadas circunstâncias, ou suavizar em outras, a intervenção humana no meio ambiente.

Corolário disso é o fato de que há bens jurídicos suficientemente relevantes, no plano internacional inclusive, a exigir a definição de novos tipos penais em matéria ambiental.

Evidentemente que não será qualquer infração passível de ser definida como tal, senão apenas aquelas mais relevantes sob a perspectiva alinhavada acima.

É necessário investigar, portanto, as conclusões da ciência a respeito dos mais graves danos ao meio ambiente, observando se há ou não consenso sobre determinadas pautas, bem como se existem medidas compensatórias passíveis de ser usadas.

Verificar quais seriam as condutas tipificáveis e realmente graves, sob o ponto vista de comportamentos danosos ao meio ambiente, em escala mundial.

E, por fim, indicar os bens jurídicos relevantes protegidos pelos eventuais tipos penais, bem como suas principais características.

É importante estudar o tema diante da indiscutível influência das mudanças climáticas, poluição dos mares, solo e ar, dentro outros eventos, na deterioração das condições de vida na Terra. Há estudos, por exemplo, que referem a necessidade de zerar a emissão de carbono na atmosfera do planeta até 2050, sob pena das consequências serem irreversíveis, bem como que para expandir o padrão de consumo dos Estados Unidos da América do Norte para todos os países, seriam necessários nada menos do que quatro planetas. O enfretamento dessas questões não se dará senão por intermédio da conscientização crescente na comunidade internacional, pressão dos setores da sociedade, como ONGs etc, bem como por canais institucionais que devem ser criados e/ou consolidados no plano internacional. Entretanto, face à gravidade de alguns comportamentos ofensivos ao meio ambiente, a significar um grau de dano elevado em escala planetária, concreta ou potencialmente lesivo a bens jurídicos, merecem uma resposta penal articulada e suficiente a reprimir e prevenir condutas lesivas.

Importante, como diz o Papa Francisco, na encíclica Laudato si’, que o meio ambiente é um conceito amplo que inclui a defesa dos direitos humanos como um tudo.

Em algum momento da evolução política dos próximos anos ou décadas, a sociedade internacional amadurecerá a ponto de defender um Tribunal Penal Internacional ou da inclusão de novas competências penais no Tribunal Penal Internacional já existente, para o processamento e julgamento dessas graves infrações internacionais contra o meio ambiente. O estabelecimento de um ambiente jurídico-institucional será, sem dúvida, um importante passo rumo ao enfrentamento eficaz do problema.


[1] Neste sentido, artigo de Sylvia Steiner: “No entanto, a nosso entender, a premissa da mencionada denúncia é errônea, uma vez que – e é preciso repetir sempre – não há crimes contra o meio ambiente no Estatuto de Roma. O que há são condutas de destruição do meio ambiente, como meio, como método de comissão de delitos, tais como crimes de guerra – um deles aliás expressamente previsto no artigo 8(2)(b)(iv) do Estatuto (lançar intencionalmente um ataque, com o conhecimento de que tal ataque causará perdas incidentais de vidas ou danos a civis ou a objetos civis ou que causarão danos difusos, sérios e duradouros ao meio ambiente, que sejam excessivos em relação á vantagem militar concreta que se pretendia) (…)”. Ver: ConJur, 29/08/2019.


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