Direto do Carf

Carf analisa isenção de IR do ganho de capital na alienação de participações societárias

Autores

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

  • João Victor Ribeiro Aldinucci

    é mestrando em Direito Tributário Internacional e Comparado pelo IBDT ex-conselheiro da 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais e ex-vice-presidente da 2ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento.

18 de setembro de 2019, 9h32

Spacca
Nesta semana, trataremos da aplicação da isenção do imposto de renda sobre o ganho de capital das pessoas físicas (IRPF) na alienação de participações societárias, que estava prevista na redação original do Decreto-lei nº 1.510/76 e foi revogada pela Lei nº 7.713/88.

Cumpre lembrar que o Decreto-lei nº 1.510/76 determinava em seu artigo 4º, "d"[1], a não incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital das pessoas físicas nas alienações efetivadas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação.

Dessa forma, a não incidência do IRPF estava condicionada à permanência das quotas ou ações na propriedade da pessoa física por um período de no mínimo cinco anos.

Henry Tilbery destacava que o critério de cinco anos tinha dois motivos: (i) tributar as operações especulativas; e (ii) a não incidência do imposto de renda sobre incorporação de lucros ao capital social ficava sujeita à condição de não ocorrer redução do capital ou extinção da pessoa jurídica nos cinco anos subsequentes, que se tornou um instituto permanente a partir do Decreto-lei nº 1.109/70[2].

Ocorre que a referida previsão de não incidência do IRPF foi revogada pelo artigo 58 da Lei nº 7.713/88.

Não restavam dúvidas da aplicação da referida regra para as alienações realizadas até 31 de dezembro de 1988 de participações societárias detidas por cinco anos ou mais pelos alienantes, no entanto, criou-se um contencioso acerca da aplicação ou não de tal regra para alienações a partir de 1º de janeiro de 1989 de participações societárias cujos cinco anos de permanência no patrimônio da pessoa física já tinham se cumprido em 31 de dezembro de 1988.

Aqui surge a questão de revogabilidade das isenções. Paulo de Barros Carvalho assinala que as isenções podem ser um grande instrumento de extrafiscalidade, podendo fomentar iniciativas de interesse público e incremento a produção, o comércio e o consumo[3].

O artigo 178 do Código Tributário Nacional estabelece que: “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104”.

Luciano Amaro aponta que a redação anterior do artigo 178 do CTN previa “concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições” até a edição da Lei Complementar n. 24/75, que trocou o conectivo “ou” por “e”, visando evitar que uma isenção condicionada se eternizasse[4].

Ao comentar o art. 178 do CTN, Aliomar Baleeiro destacava que há onerosidade das condições de outorga da isenção para o beneficiário quando ela conduz o contribuinte a uma atividade, de forma que a revogabilidade total ou parcial pelo Estado configuraria uma ofensa à boa-fé dos que confiaram no incentivo acenado[5].

Diante de tal cenário de revogação da isenção do art. 4º, d, do Decreto-lei nº 1.510/76, os contribuintes argumentavam que havia um direito adquirido à isenção na hipótese em que as participações societárias alienadas tivessem sido mantidas por mais de cinco anos até 31 de dezembro de 1988, ou seja, a data de revogação da referida isenção.

Em outubro de 2017, foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 505/17, na qual foi manifestado o entendimento de que a isenção de IRPF prevista no art. 4º, d, do Decreto-lei nº 1.510/76 se aplica às alienações de participações societárias efetuadas após 1° de janeiro de 1989, desde que tais participações já constassem do patrimônio do adquirente em prazo superior a cinco anos, contado da referida data.

Como consequência de tal raciocínio, para as alienações ocorridas após 1º de janeiro de 1989, a isenção é condicionada à aquisição comprovada das ações até o dia 31 de dezembro de 1983, isto é, cinco anos antes de 31 de dezembro de 1988.

Em junho de 2018, foram publicados o Parecer SEI nº 74/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF e o Ato Declaratório PGFN nº 12/18, pelo qual a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ficou autorizada a não contestar, a não interpor recursos e a desistir dos já interpostos "nas ações judiciais que fixam o entendimento de que há isenção do imposto de renda no ganho de capital decorrente da alienação de participações societárias adquiridas até 31/12/1983 e mantidas por, pelo menos, cinco anos, sem mudança de titularidade, até a data da vigência da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, não sendo a referida isenção, contudo, aplicável às ações bonificadas adquiridas após 31/12/1983 (incluem-se no conceito de bonificações as participações no capital social oriundas de incorporações de reservas e/ou lucros)".

No âmbito do CARF, até a edição e aprovação, pelo Ministro da Fazenda, do citado Ato Declaratório, havia uma certa predominância do entendimento segundo o qual haveria a incidência do imposto na hipótese, podendo ser citados os seguintes acórdãos, em sua maioria decididos por voto de qualidade: 2401-004.662 (voto de qualidade), 2202-003.962 (voto de qualidade), 2402-005.889 (voto de qualidade) e 2301-005.377 (voto de qualidade).

A própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, ela sim por maioria de votos, vinha entendendo que havia a incidência do imposto, conforme se pode ver no acórdão 9202-003.769.

O fundamento básico segundo o qual seria inaplicável a isenção de que tratava o Decreto-lei nº 1.510/76, para as alienações havidas após a sua revogação, seria o do que é aplicável a legislação tributária vigente na data da ocorrência do fato gerador, isto é, a Lei nº 7.713/88 (lei revogadora). Descaberia, pois, cogitar de direito adquirido.

Segundo se depreende das decisões desfavoráveis ao benefício, a irrevogabilidade das isenções somente ocorreria se estivessem presentes dois requisitos na lei isentiva: a sua concessão por prazo certo e a imposição de determinadas condições, conforme preveria o art. 178 do CTN, cuja redação conteria a conjunção aditiva "e". Noutro giro, alegava-se que, ainda que a isenção fosse condicional, não haveria prazo para a fruição do benefício, e seria afastada a norma do citado art. 178. E mais, "o período de cinco anos estabelecido na alínea "d" referia­se ao lapso de tempo mínimo em que o detentor das participações societárias deveria permanecer com a titularidade das ações, hipótese diversa, portanto, de prazo de duração da isenção" (acórdão 2401-004.662).

Como reforço de tal raciocínio, citava-se a redação originária do art. 178 do CTN, que, ao invés de prever o cumprimento de dois requisitos cumulativos (prazo certo e em função de determinadas condições), determinaria o cumprimento de somente um deles (prazo certo ou em função de determinadas condições).

Daí, e segundo tal interpretação, inexistiria direito adquirido à isenção de que tratava o Decreto-lei nº 1.510/76, para as alienações de participações societárias ocorridas após a sua revogação.

Contrapondo-se a tal entendimento, outras Turmas vinham decidindo que a isenção seria aplicável às alienações ocorridas após a vigência da lei revogadora, desde que mantida a participação societária por pelo menos cinco anos durante a vigência do Decreto-lei nº 1.510/76. Tais decisões não se prendiam tanto à literalidade do art. 178, mas analisavam a isenção sob a ótica do direito adquirido e do princípio da boa-fé.

É que a Constituição Federal, em nome da segurança jurídica, impediria a modificação do direito adquirido por lei posterior, de forma que caberia a aplicação da ultratividade da lei revogada, que continuaria disciplinando as situações consumadas sob a sua égide, em nome do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

O contribuinte passaria a ter o direito adquirido à isenção condicionada a partir do momento em que cumprisse as exigências legais, mais precisamente a manutenção da participação societária por pelo menos cinco anos, durante a vigência do aludido Decreto-lei. E mais, tal manutenção seria uma condição onerosa, na medida em que o sujeito passivo deveria renunciar a qualquer possibilidade de negociação e, consequentemente, estaria privado da obtenção do lucro imediato que seria auferível com a alienação. Lembre-se, nesse contexto, que a norma isentiva visava a desestimular as operações especulativas.

Nesse contexto, e na dicção do verbete sumular nº 544, do Supremo Tribunal Federal, as "isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas", e a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era uníssona a respeito da isenção.

Foi, a propósito, a jurisprudência do STJ que culminou com a prolatação do Parecer SEI nº 74/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF e, consequentemente, com a edição do Ato Declaratório retro mencionado. De acordo com tal Parecer, "é firme o posicionamento do STJ de que a isenção conferida pelo art. 4º, alínea “d', do Decreto-lei nº 1.510, de 27 de dezembro de 1976, é isenção onerosa, hipótese em que, nos termos do art. 178 do CTN e da Súmula 544 do STF, não poderia ser revogada se atendidos os seus requisitos, configurando-se direito adquirido à isenção".

Desde então, a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais alterou sua jurisprudência, para decidir, por unanimidade de votos, que "é isento do imposto de renda o ganho de capital decorrente da alienação de participações societárias adquiridas sob a égide do Decreto­lei nº 1.510, de 1976, e negociadas após cinco anos da data da aquisição, ainda que a transação tenha ocorrido já na vigência da Lei nº 7.713, de 1988" (acórdão 9202­007.152). As Turmas Ordinárias vêm, igualmente, seguindo o mesmo entendimento, como se pode ver nos acórdãos 2201-004.453, 2402-006.603 e 2401-005.278.

Em síntese, desde a edição do Ato Declaratório PGFN nº 12/18, aprovado pelo Ministro da Fazenda, o CARF pacificou o entendimento de que é isento o imposto na hipótese sob estudo, mesmo porque, registre-se, os seus Conselheiros não podem afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, quando houver Ato Declaratório da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda (hoje Ministro da Economia), conforme preleciona o art. 62, § 1º, alínea "c", do seu Regimento Interno.

Por fim, vale citar que hipótese distinta e não pacificada é a Alienação de ações adquiridas após 31/12/1983, por aumento de capital mediante capitalização de lucros e reservas (bonificações), cuja participação societária originária atendeu às exigências do Decreto-lei nº 1.510/76, que será objeto de outra coluna.

Este texto não reflete uma posição institucional do CARF, mas reflete uma análise dos seus precedentes, a partir de um estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] Decreto-lei nº 1.510/76: “Art 4º Não incidirá o imposto de que trata o artigo 1º: (Revogado pela Lei nº 7.713, de 1988)

(…)

d) nas alienações efetivadas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação”.

[2] TILBERY, Henry. A Tributação dos Ganhos de Capital: nas vendas de participações societárias pelas pessoas físicas. São Paulo: Resenha Tributária, 1978. pp. 56-57.

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 489.

[4] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 288.

[5] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. pp. 948-949.

Autores

  • Brave

    é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Comercial pela USP e bacharel em Direito pelo Mackenzie e em Contabilidade pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

  • Brave

    é conselheiro titular da Segunda Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf.

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