Anuário da Justiça

Triplica o número de ações de inconstitucionalidade julgadas pelo TJ-SP

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13 de setembro de 2019, 8h00

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2019, lançado nesta quarta-feira, 11 de setembro, no Tribunal de Justiça São Paulo.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou três vezes mais ADIs em 2018 do que em 2012, ano em que o Anuário da Justiça produziu o primeiro ranking de inconstitucionalidade em São Paulo. Nesse período, constatou-se que 85% das leis paulistas questionadas violaram a Constituição Estadual. Ou seja, de cada dez ações julgadas no mérito, pelo menos oito retiraram leis ou seus artigos do ordenamento jurídico.

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Os principais motivos que levaram e continuam a levar a esse resultado são o vício de iniciativa e a ofensa ao princípio da separação de poderes, quando vereadores e deputados legislam no lugar do Poder Executivo e vice-versa.

Já não é mais aceito pela corte, entretanto, o argumento de que a lei é inconstitucional porque cria despesas sem indicar a fonte de custeio. De 2016 para cá, esta foi a terceira fundamentação jurídica mais usada pelos autores de ADIs.

O Órgão Especial consolidou o entendimento de que “a falta de indicação da fonte de custeio não desqualifica a lei, apenas a torna inexequível no exercício corrente”. Em seus votos, o desembargador Márcio Bartoli costuma sugerir que o problema orçamentário da nova lei pode ser resolvido de três maneiras: com a sua inserção nos gastos já previstos; por meio de créditos suplementares; ou com a sua inclusão no planejamento orçamentário do próximo ano.

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Em agosto de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, entretanto, pela constitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal que preveem a necessidade de apontar a fonte de custeio ao criar lei que aumente despesas, benefícios ou serviços relativos à seguridade social.

Por outro lado, o Órgão Especial definiu que não cabe ao Poder Legislativo estipular prazo para que o Executivo regulamente a norma aprovada. E, nesses casos, há violação ao princípio da separação de poderes e inconstitucionalidade. O desembargador Márcio Bartoli abre mão do seu entendimento contrário e segue a posição majoritária do colegiado nesse sentido.

O tema mais recorrente nas ações levadas ao Órgão Especial continua a ser a criação de cargos em comissão por prefeituras e câmaras municipais. Todas elas foram propostas pelo Ministério Público do estado de São Paulo. Nesses casos, são declarados inconstitucionais os cargos com atribuições burocráticas que são transformados em cargos de diretoria, assessoria e chefia, inclusive os de diretor jurídico e de advogados dos municípios. De acordo com a corte, essas funções não justificam a nomeação sem concurso público.

Em outubro de 2018, o STF julgou o RE 1.041.210, com repercussão geral reconhecida, e definiu tese para padronizar as decisões sobre o tema. Segundo os ministros, a criação desses cargos não se justifica para o desempenho de atividades burocráticas; deve haver relação de confiança entre a autoridade e o servidor nomeado para o cargo; o número de cargos comissionados deve ser proporcional à quantidade de servidores ocupantes de cargos efetivos; as suas atribuições devem estar descritas de forma clara e objetiva na lei que os instituir.

Os desembargadores de São Paulo costumam citar em suas decisões também o Tema 612 de repercussão geral, no qual o STF manifestou entendimento no sentido de ser “vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado”.

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Em 2018, a cidade paulista que teve mais leis questionadas e mais ações julgadas procedentes pelo Órgão Especial foi Ribeirão Preto. Foram consideradas inconstitucionais, por exemplo, a lei que criou gratificação a procuradores do município que representassem em juízo, a que exigiu a publicação dos horários e locais de fiscalização de trânsito e a que instituiu plano de vacinação contra gripe para doadores de sangue. Ao todo, 49 ações foram propostas contra Ribeirão Preto; em 30 delas foi reconhecido o desrespeito à Constituição.

Entre as 19 leis que passaram pela análise de constitucionalidade, está a que obriga empresas de economia mista a publicar suas receitas e despesas em site de transparência, a que determinou a instalação de mapas táteis e informações em braile em shoppings, supermercados e hospitais e, ainda, a que previu compensação ambiental prévia à extração de árvores no município.

No ano de 2018, o Órgão Especial julgou no mérito 697 ADIs contra 218 municípios, além do estado de São Paulo. Procedentes e procedentes em parte somaram 582 casos, enquanto os 115 restantes terminaram com a lei em vigor.

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Um caso que chamou atenção foi o da lei do município de Restinga, aprovada pela Câmara Municipal em 2015, que previu pagamento de benefício em dinheiro para os servidores que não faltassem ao trabalho e nem chegassem atrasados. O relator, desembargador Alex Zilenovski, disse que uma lei não pode recompensar o servidor por um “comportamento já esperado e imposto”. E, ao prever esse benefício, a lei se distanciou do interesse público e dos princípios que devem nortear a administração pública. Com uma ressalva, entretanto: o entendimento foi de que os valores já recebidos não deveriam ser devolvidos. A decisão, unânime, valeria dali para frente.

Desde 2016, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, há a possibilidade de ingresso como amicus curiae em ADIs. O amigo da corte é uma entidade ou um órgão com interesse na questão jurídica discutida e que pode levar informações relevantes para que o Judiciário solucione o problema.

O uso desse instrumento de participação de terceiros em causas de grande repercussão ainda é incipiente no Tribunal de Justiça de São Paulo. Em 2018, houve pedido de ingresso em apenas 38 das 697 ADIs julgadas no mérito. No entanto, esse número representa mais que o dobro dos 16 pedidos levados ao Órgão Especial no ano de entrada em vigor do novo CPC.

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Dezessete associações, sindicatos e órgãos públicos foram aceitos como amigos da corte em 2018. Por outro lado, 22 pedidos foram negados. Em uma ADI pode haver mais de um amicus curiae; para isso, a corte precisa entender que há “representatividade

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adequada” e de que maneira o seu “interesse institucional” se relaciona com o processo. Sem esses requisitos iniciais, não há possibilidade de atuar como terceiro em uma ação direta de inconstitucionalidade.

A Associação Escola sem Partido, por exemplo, teve negada a sua participação em duas ações que questionavam o Programa Escola sem Partido aprovados no Guarujá e em São José do Rio Preto. Esta última ação foi julgada procedente pelo Órgão Especial. De acordo com o voto do relator, desembargador Álvaro Passos, a lei municipal invadiu a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação, que deve ter um sistema uniforme em todo o território nacional.

Segundo a decisão, não se pode “limitar, no ensino, a liberdade, a igualdade e o pluralismo que dirigem as Constituições Federal e Estadual”. Em relação à participação da associação no caso, o relator considerou suficientes para o seu julgamento as informações e documentações já juntadas aos autos. Por isso, entendeu não ser cabível a sua admissão.

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A ação contra a lei aprovada no Guarujá foi julgada extinta sem resolução do mérito, por falta de legitimidade da Associação de Moradores de Guarujá para a sua proposição. Antes, o procurador-geral de Justiça opinou contra a participação da Associação Escola sem Partido como terceiro na ação, “vez que não caracterizada hipótese de efetiva colaboração desinteressada do ente para o julgamento do processo”.

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