Opinião

Crimes que podem mudar a legislação brasileira

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13 de setembro de 2019, 9h32

A tragédia na boate Kiss provocou alterações no Código de Defesa do Consumidor. As 242 mortes fizeram com que o Congresso Nacional aprovasse a Lei n. 13.425/17, que criminaliza a conduta de permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores do que o permitido. Quinze anos antes da tragédia, um número incalculável de mulheres engravidou por causas das chamadas pílulas de farinha. Em resposta, o legislador editou a Lei n. 9.677/98, que tornou hedionda a falsificação de medicamentos.

Spacca
Diversos são os crimes que mudaram a nossa legislação –a morte de Daniella Perez, as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, o sequestro de Abílio Diniz, os nudes de Carolina Dieckmann, o assassinato dos Richthofen, entre outros. Desde sempre, casos que invadiram os noticiários são debatidos nas Casas legislativas e, pouco tempo depois, estão integrados às nossas leis.

Em 2019, tivemos muitos casos que se tornaram projetos de lei. Selecionei cinco: a chacina em Suzano, o escândalo envolvendo o jogador Neymar, a destruição de pesquisas científicas da FutureGene, os assassinatos de trabalhadores da companhia de energia elétrica e o adolescente atingido pela mortal linha chilena.

Caso Escola Estadual Raul Brasil
O dia 13 de março de 2019 parecia um dia como qualquer outro. Jorge Antônio de Moraes estava no escritório da Jorginho Veículos, na rua Mogi das Cruzes, 264, em Suzano, onde oferecia serviços de lava-a-jato, estacionamento e de compra, venda e troca de automóveis. Ele ainda não sabia, mas aquele seria o dia em que morreria, vítima de tiros disparados por seu sobrinho, Guilherme Taucci, de 17 anos.

Após matar o tio, Guilherme e seu comparsa, Henrique de Castro, invadiram a Escola Estadual Raul Brasil, localizada na rua Otávio Miguel da Silva, próxima à empresa Jorginho Veículos, onde, às 9h40, massacraram oito pessoas a tiros e golpes de machado. As imagens estão disponíveis na internet.

Para o deputado federal Charles Fernandes (PSD/BA), imagens como as da chacina não poderiam ser divulgadas. Segundo ele, em seu PL 1.534/19, “esses vídeos podem ainda ser qualificados com comentários apologéticos e focando públicos específicos. Infelizmente, há indivíduos em nossa sociedade que não possuem a consciência ou a educação necessária para perceber quão nocivas essas imagens podem ser, tanto a crianças e adolescentes, quanto a potenciais desajustados sociais ou que se encontrem em outras situações de vulnerabilidade”.

Se aprovado o projeto, a divulgação de imagens de crimes violentos deve ser punida com as penas impostas aos crimes de incitação ao crime (CP, art. 286) e apologia de crime ou criminoso (CP, art. 287), com penas em dobro caso a conduta seja praticada por redes sociais.

Caso Neymar
Aparentemente, não tinha o que dar errado. Jovens e solteiros, o jogador Neymar e a modelo Najila decidiram, após conversas em uma rede social, que era a hora de um encontro romântico, pessoalmente, em Paris. No entanto, o que podia ter sido um bom momento invadiu as páginas policiais. O motivo: o jogador teria estuprado a moça. As conversas se tornaram públicas, fotos de nudez foram divulgadas e, após tanto constrangimento, a polícia concluiu que a modelo havia mentido.

Antes que as luzes dos holofotes fossem desviadas para um novo escândalo, os deputados federais não perderam a oportunidade e ofereceram vários projetos de lei para tornar mais dura a punição pelo delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), quando a acusação for pela prática de crime de natureza sexual – debochadamente, alguns falaram em Lei Neymar da Penha, em alusão à Lei n. 11.340/06.

Ao todo, foram oferecidos cinco projetos de lei para a alteração da pena do crime: PL 3.369/19, de Carlos Jordy (PSL/RJ); PL 3.375/19, de Enéias Reis (PSL/MG); PL 3.379/19, de Celso Sabino (PSDB/PA); PL 3.361/19, de Heitor Freire (PSL/CE); e PL 3.388/19, de Cabo Junio Amaral (PSL/MG).

Caso FutureGene
Houve um tempo em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) contava com grande apoio popular. Em 1996, na novela de maior audiência daquele ano, a personagem principal, vivida pela atriz Patrícia Pillar, esposa de Ciro Gomes, fazia parte do movimento. Distante da ficção, em 1997, uma das militantes saiu na capa de uma famosa revista masculina, nua.

No entanto, por motivo que desconheço –e nem vem ao caso-, o MST perdeu força. Atualmente, poucas são as vozes que se arriscam em apoiar as invasões às terras improdutivas. Prova disso é o PL 5.040/19, da deputada federal Aline Sleutjes (PSL/PR), que busca o aumento de pena para o crime de esbulho possessório (CP, art. 161, II), quando se tratar de propriedade rural produtiva.

A justificativa da proposta: “por muito tempo, o País presenciou atos de verdadeira barbárie praticados sob o manto de uma causa que, apesar de justa, foi completamente desvirtuada. A título de exemplo, assistimos incrédulos o MST destruir 15 anos de estudos em biotecnologia após a invasão do centro de pesquisa FutureGene. Perplexos, vimos invasores utilizarem-se de um trator para destruírem um pomar de laranjas”.

Caso Cemar
No dia 15 de janeiro de 2019, em São Luís, Maranhão, João Victor Melo e Francivaldo Carvalho da Silva, empregados da Cemar – Companhia Energética do Maranhão -, foram assassinados, enquanto trabalhavam, por Pablo Martins da Silva, de 18 anos. O motivo: o homicida ficou contrariado com o corte de energia elétrica ao local onde mora. Minutos antes dos disparos, as vítimas realizaram o serviço de interrupção.

O crime motivou o deputado federal Roberto Alves (PRB/SP) a oferecer o projeto de lei 4.429/19, que pretende tornar qualificado o homicídio quando praticado contra profissionais que atuem na manutenção dos serviços públicos, com penas de doze a trinta anos de reclusão.

Caso Linha Chilena
Gabriel Lucas Alves, jovem de 15 anos, deve ter levado algum tempo para compreender a sequência de eventos que fizeram com que a sua perna fosse amputada. No dia 20 de julho de 2019, à tarde, enquanto caminhava pelas ruas de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, uma navalha atingiu suas pernas. Em verdade, um pedaço de linha chilena – semelhante ao cerol, mas mais poderosa – havia engatado em um ônibus, que a arrastou até os joelhos de Gabriel. Por pouco, o acidente não custou a sua vida.

Não é de hoje que essas linhas, afiadas como lâminas, lesionam ou matam pessoas. Sem muito esforço, é possível encontrar, no YouTube, diversas histórias de pessoas que foram decapitadas pelo cerol. Por essa razão, o deputado federal Junio Amaral (PSL/MG) pretende criminalizar a conduta de fabricar, distribuir, comercializar ou utilizar o produto (PL 4.378/19). O crime seria equiparado ao de perigo para a vida ou saúde de outrem (CP, art. 132).

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