Fins e meios

"Lava jato" queria tirar Lula da Casa Civil com argumentos políticos

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8 de setembro de 2019, 13h08

Os procuradores e policiais que atuaram na "lava jato" sabiam que o grampo da conversa dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff era nulo e não poderia ser usado num processo. No entanto, estavam mais interessados nos efeitos políticos que  a divulgação da conversa pudesse causar.

Agência Brasil
Dilma Rousseff assina posse de Lula como ministro da Casa Civil em 2016

É o que mostram mensagens de Telegram divulgadas neste domingo (8/9) pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo site The Intercept Brasil. Os veículos tiveram acesso aos relatórios da Polícia Federal sobre as conversas telefônicas de Lula gravadas. As conversas aconteceram em março de 2016 e discutiram a ida do ex-presidente da Casa Civil de Dilma, numa tentativa de manter o governo de pé. Àquela altura, o impeachment já estava na pauta da Câmara e a queda do governo era algo concreto — os deputados aceitariam o pedido no dia 17 de abril daquele ano. Dilma seria afastada do cargo em maio.

No dia 16 de março de 2016, o juiz Sergio Moro levantou o sigilo do processo, dando à imprensa acesso às conversas. Foi divulgada uma conversa de Dilma com Lula em que ela contou ter enviado o termo de posse para o ex-presidente assinar "só em caso de necessidade".

A divulgação foi ilegal. Moro não tinha jurisdição para decidir sobre provas envolvendo a presidente da República e sabia disso, pois tinha mandado a operadora suspender o grampo aos telefones ligados a Lula. A conversa com Dilma aconteceu depois da suspensão, como mostrou reportagem da ConJur da época. Mesmo assim, divulgou a conversa, que foi transmitida pela Globonews.

Os procuradores, então, começaram a discutir se a prova seria nula ou não para manter Lula longe da Casa Civil. Queriam emplacar a tese de que a nomeação de Lula teria "desvio de finalidade", pois o objetivo seria dar prerrogativa de foro ao ex-presidente. 

O procurador Andrey Borges, no entanto, insistiu na tese da nulidade, embora reconhecesse que "o estrago estava feito. E mto bem feito". "Se ele pode interceptar, pode mandar juntar aos autos. Filigrana", respondeu o procurador Januário Paludo.

"Andrey No mundo jurídico concordo com Vc, é relevante. Mas a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político", confessou Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, no mesmo dia 16 de março.

Ele tinha razão. Relatórios da PF sobre as conversas de Lula com outros políticos para tratar da Casa Civil mostraram que a prerrogativa de foro não foi assunto. Lula queria se aproximar do então vice-presidente Michel Temer para que ele restabelecesse as relações do governo com o PMDB. Com isso, esperava enterrar o impeachment, que tinha em Temer e no então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seus principais articuladores.

Diante do entusiasmo dos interlocutores de Lula, tanto a PF quanto os procuradores sabiam que a manobra poderia ajudar o governo.

Os relatórios foram enviados pela PF aos procuradores da "lava jato" no dia 9 de março. Dez dias antes da conversa de Lula com Dilma.

Lula tomou posse na Casa Civl no mesmo dia em que tudo aconteceu. Dois dias depois, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, acatou a tese do "desvio de finalidade" e cassou a nomeação de Lula num mandado de segurança: "Não importam os motivos subjetivos de quem pratica o ato ilícito. O vício, o ilícito, tem natureza objetiva. A bem dizer, a comprovação dos motivos subjetivos que impeliram a mandatária à prática, no caso em tela, configura elemento a mais a indicar a presença do vício em questão, isto é, do desvio de finalidade".

No dia 22 de março, quatro dias depois da decisão do ministro Gilmar, o ministro Teori Zavascki declarou a decisão de Moro ilegal e as provas, nulas. O caso nunca foi levado ao Plenário.

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