Anuário da Justiça

Em uma década, TJ-SP troca a torre de marfim pelo chão de fábrica

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7 de setembro de 2019, 8h00

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2019, que será lançado na próxima quarta-feira, 11 de setembro, no Tribunal de Justiça São Paulo.

Jorge Rosenberg - Anuário da Justiça
Palácio da Justiça de São Paulo
Jorge Rosenberg/Anuário da Justiça

Quando a equipe de reportagem do Anuário da Justiça atravessou pela primeira vez o grande portal da Praça da Sé s/nº, em 2008, o Tribunal de Justiça de São Paulo era uma redoma de cristal, quase impenetrável. Era o que se pode chamar de corte, no verdadeiro sentido da palavra: nobre, solene, ciosa de sua imponência e de seu poder. A memória daqueles dias é de que foi muito difícil abrir a fechadura e de que, dez anos depois, a casa mudou muito e para melhor.

O Anuário, que se orgulha de ter contribuído nesse grande esforço de abertura, também mudou. Em sua primeira edição, por exemplo, o Anuário da Justiça São Paulo se chamou Anuário da Justiça Paulista. E quase não tinha números que indicassem o desempenho da corte e a produtividade de seus membros. Mais do que uma metodologia de informação, esta falha é um sinal dos tempos: naquele então a Justiça paulista em particular e a brasileira em geral estava mal despertando para conceitos como os de eficiência, transparência e gestão.

O Justiça em Números, o grande balanço anual do Judiciário feito pelo Conselho Nacional da Justiça, tinha então apenas duas edições e a torrente de estatísticas que produziu figurou estranho para os integrantes dos tribunais que se portavam mais como príncipes da corte do que como gerentes de organizações produtivas.

A imagem do tribunal refletia a personalidade do presidente à época. Apegado à transcendência imaginária do cargo e avesso a qualquer iniciativa que fomentasse a transparência, Roberto Vallim Belocchi chegou a emitir uma portaria em que desautorizava a publicação do Anuário e recomendava a seus pares não dar entrevista aos repórteres da revista. Mesmo depois de publicado a duras penas, o Anuário continuou sofrendo resistências: um outro desembargador, que mais tarde se tornaria presidente da corte e alentaria medidas renovadoras em sua gestão, inconformado com a descrição que a publicação fez dos trabalhos em sua câmara, exigiu desculpas públicas.

É bem verdade que a fortaleza medieval que abrigava o TJ-SP começara a ruir com a unificação da corte e a incorporação dos Tribunais de Alçada Civil 1 e 2 e Criminal, promovida a partir de 2005 pela Reforma do Judiciário (EC 45/2004). Com a unificação, a composição do tribunal passou, da noite para o dia 1º de janeiro de 2005, de 132 membros para 360.

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Dos 343 desembargadores que pontificavam na corte em 2008, 149 permanecem em atividade. Dito de outra forma, dos 358 desembargadores na ativa hoje, 206 não estavam no tribunal quando saiu o primeiro Anuário em 2008.

No período, nota-se uma lenta queda na taxa de renovação da composição da corte. Enquanto em 2008, 11% dos desembargadores deixaram o serviço judicial, em 2015, último ano antes da entrada em vigor da PEC da Bengala, que aumentou para 75 anos a idade máxima para a aposentadoria, a porcentagem já havia baixado para cerca de 7%. Claro que com o aumento da idade da compulsória, a taxa se reduziu drasticamente; somadas, as aposentadorias em 2016 e 2017 foram apenas oito.

O Anuário 2008 dizia que “o desembargador paulista tem 59 anos de idade, nasceu na Capital, é casado e formou-se na USP. Trabalha muito porque o tribunal está entupido de processos”. Os números podem ter mudado, mas o perfil do desembargador paulista médio continua quase igual.

A média de idade aumentou. Dos 59 anos de 2008, subiu, em 2019, para quase 64 (63 anos e 8 meses). Não só porque a carreira foi estendida com a aprovação da PEC da Bengala, mas porque o ingresso no tribunal pode se dar mais tarde. Claudio Antônio Marques da Silva foi promovido a desembargador em fevereiro de 2018, três meses antes de completar 70 anos. Isso era impossível de acontecer até 2015, assim como seria impossível que Sebastião Flávio da Silva, o mais velho da casa, continuasse na ativa aos 73 anos, completados ao final de 2018. Luís Guilherme da Costa Wagner, o mais jovem, fez 46 anos em novembro.

A cidade de São Paulo também aumentou a participação como berço dos magistrados do tribunal. Enquanto em 2008, 49% dos desembargadores eram paulistanos, em 2019, eles são mais que a metade: 56%. Os demais, nasceram em 93 cidades diferentes. Santos tem 13 desembargadores, Bauru seis e Itapetininga cinco. Vinte desembargadores nasceram em nove estados (Rio de Janeiro, Minas e Paraná, com quatro cada, Ceará e Maranhão, com dois, e Sergipe, Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco, com um cada). A desembargadora Maria Olívia Pinto Esteves Alves nasceu em Leça do Balio, em Portugal.

A USP continua dominante. Em 2008, 41% dos integrantes do tribunal tinham diploma da USP; em 2019 eles são 40%. O ranking das escolas tem a PUC-SP em segundo (13%), a Universidade Católica de Santos e a FMU em terceiro (6%), seguidas por PUC de Campinas e Mackenzie (5%). E pode-se dizer que os desembargadores paulistas pegaram gosto pelo estudo: 50% deles fizeram algum curso de pós-graduação.

Em matéria de gênero, o TJ-SP está ainda longe de equilibrar a ala feminina com a masculina. Em toda sua história, a corte contou em suas fileiras apenas 37 mulheres. Em 2008, elas eram 12 (3,5%). Hoje são 30 (8,4%). Não chegam a 10% do total de postos de julgadores, nunca ocuparam um cargo de direção e apenas em 2018 uma delas foi eleita para o Órgão Especial. A honra coube a Maria Cristina Zucchi, desembargadora desde 2001.

Luzia Galvão Lopes, a primeira mulher a ocupar uma vaga de titular no TJ, foi nomeada em vaga do quinto constitucional do Ministério Público em 1997. E se aposentou em 2006. Ela já havia sido, também, a primeira mulher a atuar em segundo grau na Justiça paulista, ao ser nomeada juíza do Tribunal de Alçada Civil, em 1989.

A primazia feminina em julgar em primeiro grau, porém, é de Zélia Antunes Alves e de Berenice Marcondes Cesar. Integrante do primeiro grupo de três mulheres aprovadas no concurso de ingresso à magistratura em 1980, foi promovida à juíza do Tribunal de Alçada Civil em 1995 e à desembargadora em 2005. Aposentou-se em 2015. Berenice chegou ao Alçada em 2003 e ao TJ-SP em 2005. Continua em atividade. Das seis desembargadoras que se retiraram da ativa, quatro se aposentaram antes de atingir a idade limite para permanecer no serviço público.

A pressão para a conquista de espaço vem de baixo. Na primeira instância, as mulheres já são cerca de 30% do total de juízes. Isto se percebe até na origem das desembargadoras: entre as 12 primeiras mulheres nomeadas para o tribunal, até 2005, oito (67%) entraram pela porta do quinto constitucional da advocacia ou do Ministério Público; entre as 14 mais recentes, nomeadas a partir de 2014, 12 (86%) são originárias da magistratura. Ou seja, havendo mais juízas no primeiro grau haverá mais juízas no segundo grau e mais desembargadoras.

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