Opinião

A defesa das prerrogativas da advocacia e o neoconstitucionalismo

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6 de setembro de 2019, 6h07

Uma das razões de existência da Ordem dos Advogados do Brasil, senão a principal, é promover os direitos e as prerrogativas da advocacia e, como consequência, proteger o direito de defesa do cidadão. As recorrentes violações aos direitos e às prerrogativas da advocacia e as restrições ao direito de defesa preocupam e impulsionam atividades da Ordem em todo o território nacional.

A OAB, ininterruptamente, do Oiapoque ao Chuí, quer defender e proteger a advocacia dos ataques, cada vez maiores e mais intensos, e luta incansavelmente pelo sagrado direito de defesa.

A primeira e mais fácil explicação para os tristes fenômenos apontados está no autoritarismo, no excesso, no abuso praticado pelas autoridades judiciárias. São inúmeros processos disciplinares inaugurados pela OAB nos órgãos correcionais para denunciar os violadores das prerrogativas.

No último encontro nacional de prerrogativas, realizado em junho passado, conclui-se que ofender as prerrogativas configura improbidade administrativa sancionada pela perda do cargo público e multa pecuniária, recomendando-se o uso da ação civil pública como instrumento de defesa dos direitos da advocacia.

Frise-se a longeva luta pela aprovação da lei de criminalização das violações às prerrogativas da advocacia e do abuso de autoridade, tudo a consagrar, como deve ser em estados democráticos, o direito de defesa da pessoa humana.

Há outra conotação, de maior complexidade, para as constantes violações às prerrogativas e restrições ao direito de defesa que decorre da crise do conceito do Direito nesses tempos de neoconstitucionalismo. Migramos do estado de direito legal para o estado de direito constitucional. Trocamos a subsunção pela ponderação. O direito não é mais norma é também princípios, mandados de otimização.

Para os neoconstitucionalistas, o Século XXI é do Poder Judiciário, a era dos Juízes. Afirmam que as sentenças proferidas devem satisfazer a vontade popular. Essa é a tônica da ética judicial da vez, decisões dotadas de fundamentos que convençam o povo.

Para tanto, fez-se da proporcionalidade, antes regra hermenêutica para solucionar casos excepcionalíssimos, um princípio geral e absoluto a autorizar os juízes decidirem segundo as suas vontades, ou melhor, os desejos do povo, ainda que para isso as leis sejam contrariadas, desprezadas, mandadas às favas.

O desvirtuamento das lições de Dworkin e Alexy, no Brasil, foi ao extremo. A teoria da ponderação, pasmem, tomou de assalto o Direito Penal. Com isso, importante pedra de toque do sistema punitivo foi mitigada, ficando a legalidade estrita no passado. O postulado de que não há crime sem prévia lei que o defina não existe mais entre nós, o STF, rompendo barreiras, por analogia, criou um crime por decisão judicial (homofobia).

Outra regra secular, a de que não há prisão sem lei que a regulamente, foi suplantada pelo STF, como revela o caso de recolhimento ao cárcere após a condenação em segunda instância, tudo sem estipulação legal.

Na atual quadra tudo é uma questão de princípio. Os princípios, normas abertas, vivem em constantes conflitos, como as intermináveis disputas entre a igualdade e a liberdade. Na guerra entre os princípios, hodiernamente, o da segurança tem prevalecido sobre a vida, a propriedade, a liberdade e a igualdade.

Hoje, pela segurança pode-se qualquer coisa. Tem-se como válido que se mire na cabecinha e matem seres humanos. Propõe-se transferir dinheiro e bens privados para fundos bilionários geridos pelos membros do ministério público. Prende-se e condena-se sem provas e sem defesa.

Não demorará para a criação de uma sociedade perfeita, higienista, superior, tudo em nome de uma ponderação que pretende proteger o valor segurança. Pelas voltas da vida e ironias do destino, a mesma teoria que nasceu para combater o nazismo poderá ser aquela utilizada a referendá-lo nessas terras tupiniquins.

A lei, expressão geral e abstrata da vontade de um povo, perdeu importância e com ela as prerrogativas da advocacia e os atributos do direito de defesa. Oras, se em prestígio à segurança vale reduzir a vida, que se reduzam também as prerrogativas, a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal, enfim.

Combater as violações às prerrogativas e a criminalização da advocacia passa, essencialmente, pela solução da crise do conceito de Direito. É preciso que as novas teorias reposicionem a proporcionalidade como regra de decidir apenas os casos difíceis. Os casos difíceis, em qualquer lugar, são raros, raríssimas exceções. Nem tudo o que está no artigo 5.º da Constituição são verdadeiros princípios. Ali temos muitas regras constitucionais que não comportam ponderação. Dentre elas as que contextualizam a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal e, por consequência, as prerrogativas da advocacia.

Não se faz um país livre, justo e solidário à margem do estado de direito legal. A OAB seguirá na defesa das prerrogativas da advocacia, na luta pelo amplo direito de defesa. Mas, também, precisa combater esse estado de direito constitucional que utiliza a proporcionalidade como uma pinça de fragmentos de direitos achados nas ruas, na vontade popular. A teoria do neoconstitucionalismo há se ser reposicionada no Brasil, sem o que não teremos direitos, só guerra.

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