Opinião

PL que prevê punição para advogado por honorários abre precedente perigoso

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4 de setembro de 2019, 6h05

O recente Projeto de Lei nº 442/2019 reavivou a polêmica discussão sobre a possibilidade de punição criminal do advogado pelo recebimento de honorários advocatícios de origem ilícita. O que se propõe no projeto, de autoria do deputado Rubens Bueno (PPS/RJ), que está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é a alteração da Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98) para que passe a contemplar, no rol de condutas caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, o ato de receber “honorários advocatícios, tendo conhecimento ou sendo possível saber a origem ilícita dos recursos com os quais será remunerado”.

Caso o projeto de lei passe pela CCJ, será colocada em debate a possibilidade de o recebimento de remuneração pelo advogado caracterizar o crime de lavagem de dinheiro nos casos em que o profissional souber, ou puder saber, sobre a origem ilícita dos recursos recebidos.

Não sejamos hipócritas. Em um primeiro momento, vem à mente conclusão instintiva de que, sim, aquele que se beneficia financeiramente de dinheiro vindo do crime deve ser punido. Não é óbvio? Não, não é óbvio.

A discussão é, de fato, bastante complexa e demandará um debate aprofundado para talvez se chegar a uma conclusão segura. Uma análise minimamente válida desta proposta de alteração legislativa deverá, obrigatoriamente, passar pelas questões filosóficas, econômicas, políticas e sociais, entre outras, que permeiam o tema. Este é, afinal, o papel do Legislativo.

E o nosso papel como cidadãos, qual é? Na nossa vida atribulada dos dias de hoje fica pouco ou nada convidativo refletir sobre o assunto. Mas não nos enganemos: o nosso papel é fundamental, pois este projeto de lei pode criar um precedente perigoso não apenas para advogados, mas para todo e qualquer profissional remunerado.

Diz a justificativa do projeto de lei que “o pagamento de honorários advocatícios por criminoso, com recursos da atividade criminosa, tem o condão de lavar o dinheiro, que entra no mercado sem quaisquer vestígios de sua origem”. Mas adiante, diz-se que: “A intenção é, de forma objetiva, punir o recebimento de honorários oriundos de atividade criminosa”.

Trocando em miúdos, o que se busca punir, por meio da alteração legislativa proposta no projeto, não é a prática, pelo advogado, da conduta típica de lavagem de capitais, que seria, a grosso modo, o ato deliberado de auxílio ao branqueamento de dinheiro sujo para a sua posterior reinserção no mercado formal. Conforme expressamente constou na justificativa, o objetivo é, pura e simplesmente, tornar criminoso o recebimento de remuneração que se saiba ou possa saber ser oriunda de atividade criminosa.

Ora, basta retirar o ‘advogado’ da equação para se chegar à conclusão de que toda e qualquer pessoa que for remunerada com recursos de cuja origem ilícita tenha ou possa ter conhecimento poderá ser punida criminalmente por conduta equiparada ao crime de lavagem de dinheiro!

Embora a alteração legislativa faça referência a honorários advocatícios, a possibilidade de alargamento do conceito para toda e qualquer atividade profissional remunerada não é uma realidade muito distante. Desde seu surgimento, o conceito de lavagem de capitais já sofreu alterações consideráveis, passando a abarcar situações que vão muito além da conduta típica de branqueamento dos valores.

Seja advogado, médico, engenheiro, economista, padeiro ou taxista, a aprovação do Projeto de Lei nº 442/2019, da forma vaga e ampla como foi proposto, pode abrir um precedente perigoso para, de forma retroativa, punir todos aqueles que forem remunerados com dinheiro que poderiam saber ser de origem ilícita.

Fica, então, a reflexão: é viável a criminalização desta conduta? É válido transferir ao cidadão comum o dever de fiscalizar? Afinal, somos todos criminosos?

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