Opinião

A segurança jurídica nos acordos de leniência

Autores

  • Marcos Meira

    é advogado procurador de Estado e presidente da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

  • Rafael Valim

    é doutor e mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP onde lecionou de 2015 a 2018 e diretor do IREE.

4 de setembro de 2019, 6h59

Na atual conjuntura brasileira é quase impossível encontrar um tema em torno do qual haja consenso ou, ao menos, uma certa convergência de opiniões. Nem mesmo o conhecimento científico escapa a esse desvairado movimento contestatório.

Entre raros temas consensuais se coloca a gravíssima insegurança jurídica que pesa sobre a competência para celebrar os chamados “acordos de leniência”, previstos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), e sobre os efeitos deles decorrentes, com uma notória disputa travada entre Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas da União.

Basta passar os olhos nos pronunciamentos no meio acadêmico e na imprensa para se concluir que todos, sem exceção, apontam para a necessidade de definição clara do órgão competente para tratar dos mencionados acordos e do alcance de seus efeitos jurídicos.

Nas palavras eloquentes do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “no Brasil, MPF, AGU, CGU e TCU disputam quem tem o maior porrete. É indispensável que o sistema convirja para uma espécie de guichê único ou um guarda-chuva institucional”.

E por que isso é tão importante? A resposta é simples. Os acordos de leniência são ferramentas fundamentais de enfrentamento da corrupção que promovem, a um só tempo, a ampliação das investigações, a implantação e monitoramento do controle interno das empresas e a preservação da atividade econômica.

A sua atratividade depende, entretanto, da confiança que a empresa disposta a colaborar deposita no Estado. Como admitir a participação no ilícito e identificar os demais envolvidos sem a garantia de que não haverá sanções por órgãos alheios ao acordo? A fragmentação de competências fere de morte, pois, os acordos de leniência.

Encontramos um exemplo paradigmático do que estamos a dizer nos casos de empresas de obras públicas que celebraram acordos de leniência, mas, posteriormente, à vista dos mesmos fatos, foram declaradas inidôneas pelo Tribunal de Contas da União, ou seja, impedidas de contratar com o Poder Público.

Significa dizer que o Estado brasileiro, de maneira esquizofrênica, pactua com a empresa, o que envolve multas e sanções pecuniárias de monta, e, na sequência, subtrai-lhe os meios para cumprimento da avença.

A esse respeito, em notável decisão, anotou o ministro Gilmar Mendes: “(…) tendo o TCU outros mecanismos aptos a atingir tais finalidades, não é razoável que aplique penalidade que inviabilize o cumprimento dos acordos firmados por outros entes”.

Registre-se que até junho de 2019, a CGU, em atuação conjunta com a AGU, celebrou apenas nove acordos de leniência com empresas investigadas pela prática dos atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção, e 22 estão em andamento.

Diante desse quadro, recomendamos, no âmbito da Comissão Especial de Direito da Infraestrutura do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, a propositura de uma medida judicial perante o Supremo Tribunal Federal denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), cujo objetivo é definir a competência para celebrar os acordos de leniência previstos na Lei Anticorrupção e a autoridade de seus termos perante os demais órgãos controladores, de modo a prestigiar o princípio da segurança jurídica e potencializar o uso deste virtuoso instrumento jurídico.

Não se trata, naturalmente, de “defender” um órgão ou outro, senão que de provocar a nossa Suprema Corte a por fim a um estado de incerteza jurídica que debilita, em última análise, relevantíssimas normas constitucionais.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, sensível ao fato de que combate à corrupção não é um fim em si mesmo e que deve ser levado a cabo com a preservação dos fundamentos de nossa ordem econômica, entre os quais se coloca a busca do pleno emprego e a proteção do mercado interno, autorizou o ajuizamento da ação e agora esperamos que, em breve, o Supremo Tribunal Federal ofereça uma solução definitiva para a questão.

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