Opinião

Comentários sobre relativização da coisa julgada e ação rescisória

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4 de setembro de 2019, 6h50

A rescisória configura instrumento processual instituído, legalmente, visando desconstituir, em tese, a coisa julgada. Logo, ordinariamente, pode-se afirmar que no biênio subsequente à data da certificação do trânsito em julgado da respectiva decisão de mérito ou, daquela prevista, inovadoramente, no § 2º, I e II, do art. 966, do CPC, a sua existência sofre normal relatividade, tendo em vista a perspectiva de sua eventual desconstituição, se se fizerem presentes uma ou mais, das hipóteses legais, taxativas, que a tanto justifiquem, conforme vigente CPC, 966 e seguintes. Anterior, 485 e seguintes.

Insta lembrar que, relativamente ao prazo decadencial, existem as excepcionais hipóteses contidas no § 2º, do art. 975 (cinco anos) e, nos §§ 15 e 8º, dos arts. 525 e 535, do mesmo Código (dois anos, também), cujo termo inicial, todavia, será a data do trânsito em julgado do respectivo acórdão do e. STF que considerar inconstitucional a lei ou ato normativo, ou que a interpretação da lei tenha sido incompatível com a CF, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, sendo, destarte, susceptível de rescisória, em princípio, a decisão resultante da indevida interpretação, que fundamentou o julgado rescindendo.

Poder-se-á dizer, tomando-se a expressão emprestada do direito administrativo funcional, que tal lapso constitui como que um “estágio probatório”, a que se submete a res judicata, a qual, no curso de tais prazos, subsiste com certo grau de relatividade, já que poderá vir a ser alvo de uma pretensão rescisória, nas hipóteses legal e taxativamente previstas. Operada a decadência, no entanto, sobrevirá a denominada coisa soberanamente, ou definitivamente, julgada. Tal se dá nas circunstâncias normais de aplicação do Direito, concretamente. A sua relativização, contudo, tese bem mais recente, configura mecanismo diferente, pois de aplicação mais do que excepcional, excepcionalíssima, podendo ocorrer mesmo após o decurso do referido biênio, em hipóteses restritíssimas. Cuida-se, primordialmente, da chamada “coisa julgada inconstitucional”, conforme previsão que se continha no art. 741, Parágrafo Único, do CPC/73, a saber:

Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:

II – inexigibilidade do título;

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

O STJ, após reiterados precedentes, houve por bem em editar a Súmula 487, do seguinte teor:  “O parágrafo único do art. 741 do CPC não se aplica às sentenças transitadas em julgado em data anterior à da sua vigência. “ (Súmula 487, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012).

Como a Lei nº 11.232/2005 entrou em vigor seis meses após a sua publicação no DOU de 23/12/2005, vale dizer, em meados de junho/2006, nas decisões transitadas em julgado antes dessa data não se aplicaria o referido Parágrafo Único. Aliás, em 28/05/2015, o STF, Relator, saudoso em. Ministro TEORI ZAVASCKI, julgando o RE 730.462/SP, decidiu:

“O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 733 da Repercussão Geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Fixada a tese com o seguinte teor: A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (art. 495)”.

A propósito, as regras inscritas nos arts. 525, § 1º, III, §§ 12, 13, 14 e 15, bem como art. 535, III, §§ 5º, 6º, 7º e 8º, dispõem:

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.

§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 6º No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.

§ 7º A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Tais normas referem-se, conforme Capítulos III e V, do Livro I, ao “Cumprimento Definitivo da Sentença que Reconhece a Exigibilidade de Obrigação de Pagar Quantia Certa”, e “Do Cumprimento de Sentença que Reconhece a Exigibilidade de Obrigação de Pagar Quantia Certa pela Fazenda Pública”. São, pois, especiais, específicas, cujos sujeitos ativos de eventual Ação Rescisória, na hipótese, podem ser particulares (pessoa natural ou jurídica) ou entes públicos, componentes de quaisquer das unidades que integram a Federação, conforme a natureza da obrigação a ser cumprida. Tal ocorrerá se se fizerem presentes, concretamente, os pressupostos inscritos nos dispositivos transcritos. A contar do trânsito em julgado da decisão do STF, inicia-se o biênio para eventual ação rescisória.

É oportuno registrar que o cabimento de rescisória com fundamento no § 15, do art. 525, ou no § 8º, do art. 535, são novidades e não foram inseridos no elenco previsto no art. 966, tendo a virtude de reforçar, valorizar a coisa julgada, pois a despeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade declarada pelo STF, que fora inobservada pela decisão exequenda, esta prevalecerá definitivamente caso não seja, em tal biênio, alvo de rescisória, com êxito. É, sem dúvida, avanço na proteção da segurança jurídica, além da paz social.

É oportuno observar, também, que o art. 1057, disposição de natureza transitória, estabeleceu:

Art. 1.057. O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7o e 8o, aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 475-L, § 1º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Gize-se que os §§ 13, do art. 525, e 6º, do art. 535, estabelecem que: Os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.

Disposição sábia, medular, respeitosa aos princípios da boa-fé objetiva, da confiança legítima, além da estabilidade jurídica, como prescrito, pois o jurisdicionado que se conduziu, em sua vida pessoal ou empresarial, em consonância com decisão do Judiciário, que lhe fora favorável, evidente que a superveniência de julgamento diverso, da mesma norma, pelo e. STF, não deve lhe trazer verdadeiro transtorno e instabilidade, que poderia desorganizar no plano material, o seu planejamento, a regularidade de suas atividades pessoais e negociais, tendo, eventualmente, de arcar com ônus financeiros com os quais não contava, pois sua conduta fora consentânea com anterior e favorável decisão do referido Poder, acobertada pela coisa julgada.

O eg. STF, guardião precípuo da Carta Magna, como é do seu feitio, fará a interpretação, na espécie, concretamente, em sintonia com os fins sociais da lei, de forma a … “aumentar a segurança jurídica”, conforme preconiza, inclusive, o art. 30, da LINDB, pois a eventual inconstitucionalidade ou desconformidade interpretativa, por ele declarada, haverá de merecer, de sua parte, a necessária mitigação, modulação, de modo a preservar, em respeito à boa fé, a estabilidade, enfim, a confiabilidade institucional, a situação daqueles que agiram em consonância com decisões judiciais regularmente obtidas, cujos fundamentos jurídicos, no entanto, vieram a ser infirmados pela Excelsa Corte, em juízo de constitucionalidade.

O v. acórdão no RE 730.462/SP (Tema 733), ancorou-se em sólidos fundamentos que, mutatis mutandis, estendem-se à relativamente nova disciplina da matéria, introduzida pelo atual CPC, cujas inovações residem nos §§§ 13, 14 e 15, do art. 525 e 6º, 7º e 8º, do 535. Gize-se que seria, por exemplo, carente de razoabilidade, rescindir decisão já acobertada pela coisa julgada, soberanamente, por um lustro, porque sobreveio declaração de inconstitucionalidade da norma que lhe sustentou, pelo e. STF e, a partir daí, reabrir-se à parte legitimada, ainda, mais dois anos para postular a rescisão do imaginário julgado. Em tese, no exemplo, o prazo para a rescisão seria de sete anos. Destarte, em situações reveladoras de notória injustiça e, desestabilizadoras da segurança jurídica, da boa fé etc., impende aplicar-se a modulação a que alude os §§ 3º e 6º, supra. Normas, sem dúvida, medulares, no contexto em foco.

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