Opinião

A "lava jato" vive, mas dentro da lei

Autor

  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado defensor de Aldemir Bendine doutor em direito pela USP professor de processo penal da Faap e autor do livro "Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal" (Revista dos Tribunais)

3 de setembro de 2019, 11h00

Ao anular parte da ação penal contra Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, a recente decisão do STF deixa uma mensagem clara em duas direções entrelaçadas: a exigência do respeito a garantias constitucionais para uma condenação e a importância do habeas corpus como instrumento de controle da legalidade da ação penal.

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O alerta veio do ministro Gilmar Mendes e foi dirigido aos colegas da corte: “Quando abdicamos do controle das ações penais que o habeas propicia, abre-se espaço para toda a sorte de abusos e arbitrariedades”.

É fato! Para citar um exemplo, no rumoroso caso da parceria MSI-Corinthians, em que se apuravam os crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa, o juiz do processo entendia que os advogados de alguns réus não poderiam fazer perguntas aos outros. Ele não gostava do Código de Processo Penal da República, que prevê essa possibilidade. Foi a mesma 2ª Turma do STF que, em julgamento histórico relatado pelo ministro Celso de Mello, anulou o processo para permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa nos interrogatórios.

Agora não foi diferente. Na ação contra Bendine, ao realizar os interrogatórios dos réus delatores e do delatado, o então juiz Sergio Moro deixou este por último. A lei não faz distinção alguma quanto a ordem dos interrogatórios, mas, sabiamente, valendo-se dos princípios e garantias constitucionais, interpretou que o delatado deveria falar depois dos delatores para poder rebatê-los —defender-se. Claro como a luz do dia.

Todavia, ao determinar a entrega das alegações finais, Moro não fez a mesma distinção. Pior. Questionado sobre o cerceamento da defesa ocasionado por impedir que esta rebatesse os argumentos lançados pelos advogados dos delatores, respondeu que a lei não fazia distinção. Ora, para a ordem dos interrogatórios também não.

A mesma lógica que orientou a disciplina dos interrogatórios deveria ter iluminado a cronologia da entrega das alegações finais. A lei deve ser interpretada conforme a Constituição —e não o contrário. O juiz não pode se limitar a invocar a ausência de previsão legal e deixar de verificar o regramento constitucional.
Se são valores centrais da civilidade imposta pela Constituição a ampla defesa e o contraditório, não se pode preteri-los por mero capricho ou vocação autoritária.

Erra quem pensa que a decisão do STF é uma "guinada antilavajatista" ou joga a favor dos corruptos. A mais importante missão do juiz criminal é resguardar os direitos fundamentais do cidadão frente ao poder do Estado.

Ou bem entendemos que não há espaço para processos e condenação sem respeito ao devido processo legal, ou bem admitiremos o vale-tudo, antítese do direito e da própria civilidade. Evandro Lins sintetizou tudo isso na seguinte ideia: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”. 

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