Opinião

Celso de Mello fixa limites para buscas e apreensões em escritórios de advocacia

Autores

  • Eduardo Molan Gaban

    é professor de Direito Econômico e Penal Econômico e sócio do escritório Nishioka & Gaban Advogados.

  • Filipe Lovato Batich

    é advogado associado da prática de Direito Penal Empresarial & Compliance do Madrona Advogados mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor Universitário.

  • Rhasmye El Rafih

    é advogada associada da prática Direito Penal Empresarial & Compliance do Madrona Advogados e mestra em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

30 de outubro de 2019, 7h02

O desprestígio que alguns setores da sociedade vêm atribuindo à advocacia, sobretudo a criminal, tem se refletido na mitigação do exercício dessa função essencial à Justiça, conforme consta no texto da Constituição Federal de 1988. É nesse contexto que temos testemunhado interceptações telefônicas de comunicações entre advogados e clientes; iniciativas de lege ferenda para possibilitar a gravação de conversas entre advogados e clientes presos, ainda que o defensor não seja investigado; tentativas de imputação do crime de lavagem de dinheiro em decorrência de valores recebidos por advogados a título de honorários; entre outros despautérios que habitualmente têm atingido o exercício da defesa.

À contramão, em decisão proferida pelo ministro Celso de Mello, disponibilizada recentemente nos autos da Petição 8.261, foram reforçadas as prerrogativas do advogado quando da realização de buscas e apreensões em escritórios de advocacia, tal como consta no artigo 7º, parágrafos 6º e 7º, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

A decisão teve origem em representação formulada pela Polícia Federal e acolhida pela Procuradoria-Geral da República, em que se pleiteou cautelares invasivas da intimidade e liberdade de diversos averiguados, como busca e apreensão, sequestro de bens, prisões temporárias e prisões preventivas, inclusive contra um deputado federal.

No tocante ao advogado, requereu-se a sua prisão temporária e o sequestro de valores em sua conta bancária, além da realização de busca e apreensão nos endereços de seus escritórios de advocacia para a “coleta de provas referentes à prática de crimes contra a Administração Pública e lavagem de dinheiro, além de outros a eles correlatos, como associação criminosa e/ou organização criminosa”.

Pugnou-se, ainda, pela apreensão, em endereços onde funcionem escritórios de advocacia, de documentos relacionados aos fatos, tais como registros e livros contábeis em posse do advogado, recibos, agendas relacionadas a movimentações de contas bancárias no Brasil e no exterior, em nome próprio ou de terceiros, procedimentos licitatórios contratação e realização de pagamentos à Administração Pública em geral. Ainda requereu-se a apreensão de arquivos eletrônicos que possam conter material probatório relevante armazenado nos mais diversos tipos de mídias e equipamentos, valores em espécie e eventuais objetos de luxo que possam constituir em produto de lavagem de dinheiro.

Em sua decisão, o ministro conjurou a garantia ao sigilo profissional do advogado, asseverando que essa resulta na “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Ao final, invocando precedentes da própria corte e do Superior Tribunal de Justiça, concluiu que se “revela plenamente legítima a efetivação da medida cautelar de busca e apreensão, ainda que executada em escritório de advocacia, desde que observadas as condições impostas pela Lei 8.906/94, notadamente nos parágrafos  6º e 7º de seu artigo 7º”.

Assim sendo, destacou que, para que a busca e apreensão em escritório de advocacia seja válida, os seguintes requisitos devem estar presentes no caso concreto: i) indícios de autoria e materialidade da participação do advogado no delito; ii) necessidade de mandado judicial específico; iii) impossibilidade de apreensão de documentos e objetos de clientes ou que contenham informações sobre clientes; e, iv) presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil. De se rememorar que as exceções acima não se aplicam a eventuais clientes de advogado que participem de alguma forma do delito apurado.

Com efeito, conquanto a decisão não traga inovação e, em verdade, apenas reafirme o que já consta em lei, é de reconhecermos a sua relevância no hodierno cenário de hostilização da advocacia.

É imperioso que o Supremo assuma de vez o seu papel na tutela de direitos e garantias, inclusive os da classe advocatícia. Portanto, qualquer ato que restrinja ou coloque em risco as prerrogativas do advogado se revela também como verdadeiro cerceamento do direito de defesa do acusado, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito, em que tal atividade é essencial para o funcionamento da Justiça.

Autores

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    é sócio da área de Direito Econômico, White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados e doutor em Direito pela PUC-SP. Foi visiting Fulbright Scholar na New York University School of Law (2010-2011).

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    é advogado associado da área de Direito Econômico, White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo.

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    é advogada associada da área de Direito Econômico, White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados e mestranda em Direito pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto.

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